O Dia Europeu do Melanoma decorreu esta semana, pelo 24.º ano consecutivo, a nível europeu, sendo também conhecido, como o Dia dos Cancros da Pele. Este ano, o cartaz do Euromelanoma tem a imagem de uma cicatriz com pontos de sutura, com o título “O Ponto essencial é Prevenir”, tendo a sua explicação no interior do folheto os “Principais Pontos a reter”, que tem detalhes sobre a prevenção e a detecção precoce do cancro de pele. Neste momento, em Portugal, o número de casos de melanoma quadruplicou nos últimos 30 anos.
Correio dos Açores – O melanoma é o cancro de pele mais agressivo, no entanto o cancro de pele não melanoma é o que tem maior incidência na Região. Pode explicar a diferença entre estes dois tipos de cancro? São igualmente preocupantes? (Um cancro da pele não melanoma evolui para melanoma?)
Sandra Medeiros (Dermatologista) – Sim, efectivamente, e de acordo com o “Relatório dos 20 anos de registo oncológico nos Açores” publicado recentemente pelo Registo Oncológico Regional dos Açores (e em concordância com a casuística mundial) o cancro da pele “não melanoma” é o tipo de cancro mais comum detectado nos Açores.
Nenhum dos tipos de cancros de pele não-melanoma evolui para o melanoma. São tumores completamente distintos. Os Carcinomas Basocelulares e Espinocelulares são os tipos mais frequentes de cancro da pele “não-melanoma” e representam no conjunto cerca de 90% de todas as neoplasias cutâneas.
Os restantes tumores de pele, como os Linfomas Cutâneos e o Sarcoma de Kaposi, são bem menos frequentes.
Penso que é fundamental salientar que se tem verificado a nível regional, tal como mundial, em relação aos vários tipos de cancro de pele (tanto melanomas como não-melanomas) um aumento da sua incidência de forma consistente ao longo das últimas 4 décadas, constituindo, no global, o cancro mais frequente nos indivíduos de pele clara.
Tanto o Carcinoma Basocelular como o Espinocelular surgem habitualmente nas idades avançadas mas, nas últimas décadas, começaram a surgir com frequência significativa em idades mais jovens, devido sobretudo às alterações dos hábitos de vida, com abuso da exposição solar, de forma crónica e mantida ao longo dos anos, como sucede nas profissões exercidas ao ar livre, tão frequentes na nossa Região Autónoma.
Há profissões mais susceptíveis a este tipo de cancro? Quem está mais susceptível de ter melanoma?
Sim, existem grupos profissionais que, pela sua maior exposição à luz solar, estão em maior risco de desenvolver cancro de pele do que outros. No caso específico dos Açores, as ocupações mais susceptíveis são as pessoas ligadas à pesca, à agricultura e à construção civil. Por exemplo, em relação aos pescadores, estes sofrem como que uma dupla incidência de radiação, pois o mar reflete 100% da radiação que nele incide.
Além deste maior risco para cancro de pele, associado a alguns grupos ocupacionais, existe, para a restante população geral, o problema dos comportamentos de risco associados, nomeadamente a exposição solar intensa e intermitente, por curtos períodos, sobretudo quando associada a queimaduras solares.
Um exemplo clássico são as pessoas que trabalham durante todo o ano indoor mas que fazem férias esporádicas e com exposição intensa ao sol.
O maior risco ainda está associado quando estas queimaduras ocorrem em idades mais jovens, designadamente durante a infância e adolescência.
Constituem ainda fatores de risco para o melanoma: a pele clara, com presença de efélides, cabelos e olhos claros, bem como a presença de múltiplos nevos melanocíticos ou de nevos melanocíticos atípicos. A história familiar de melanoma favorece igualmente a probabilidade de sofrer de melanoma, principalmente nos casos de melanoma familiar.
Os antecedentes de neoplasia não melanocítica são também de considerar como factor de risco, bem como a presença de imunossupressão (por exemplo: doentes transplantados ou com SIDA).
Tem havido um aumento do número de casos de melanoma na Região. São números preocupantes ou seguem o que se verifica a nível nacional?
Os dados fornecidos pelo Centro Oncológico dos Açores são semelhantes aos identificados em Portugal continental, sendo este aumento da incidência coincidente também com o verificado nos países do sul da Europa (nomeadamente Espanha e Itália).
Apesar deste aumento do número de casos de melanoma na RAA acompanhar a trajectória nacional e internacional, é muito preocupante verificarmos que esta incidência em Portugal quadruplicou nos últimos 30 anos, sobretudo nos adultos jovens.
As taxas de sucesso na cura são animadoras para um melanoma?
O melanoma é de facto o cancro de pele mais agressivo. Apesar de nas fases iniciais ser possível uma taxa de cura de cerca de 90%, como tem um crescimento muito rápido, nas fases mais tardias pode levar à morte por metastização.
Sendo o diagnóstico precoce do melanoma determinante para um bom prognóstico, a prevenção primária no cancro de pele assume um papel primordial. Assim, todas as campanhas que se possam efectuar através dos meios de comunicação social, ou sob outra forma de ensino à população, são fundamentais.
Por esse motivo, novamente este ano, a Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo (APCC), em colaboração com a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) e com o apoio da Direcção Geral de Saúde (DGS), preparou posters e folhetos informativos que têm como objectivo sensibilizar a população a evitar a exposição excessiva ao sol, ajudar a fazer o seu auto-exame e a saber reconhecer quais os sinais de alerta do Cancro de Pele para, de imediato, recorrer ao seu Dermatologista ou ao seu Médico Assistente.
Este ano, e de uma forma novamente simples, mas apelativa, o cartaz do Euromelanoma 2024 tem a imagem de uma cicatriz com pontos de sutura, com o título “O Ponto essencial é Prevenir”, sendo posteriormente explicados no interior do folheto os “Principais Pontos a reter” sobre a prevenção e a detecção precoce do cancro de pele.
Que sinais devem preocupar? E como fazer o auto-exame da pele para distinguir possíveis alterações da pele?
Clinicamente, um sinal com alteração recente, em áreas de pele frequentemente expostas ao sol tais como a face, couro cabeludo e dorso das mãos, deve constituir um alerta para um possível cancro de pele. Para as pessoas perceberem que sinais se alteraram ou existem “de novo” na sua pele é necessário, em primeiro lugar, “conhecer” a sua própria pele.
Para tal, o auto-exame da pele deve ser efectuado por todas as pessoas, em qualquer idade, com alguma regularidade – por exemplo de dois em dois meses, e tal como sugerido no cartaz do Euromelanoma de 2020 pela APCC, “AO VER A LUA CHEIA – Está na altura de fazer o autoexame da pele”.
Neste exame, a pessoa deve observar a sua pele (muitas vezes com a ajuda de um familiar ou de um espelho), desde o rosto até aos pés, tendo em atenção áreas menos visíveis como o são a região posterior do tronco, a área genital, ou as axilas. Em caso de existirem muitos “sinais” poderá ser efectuado o registo fotográfico dos mesmos, facilitando assim uma posterior comparação.
Em relação aos sinais de alerta para o cancro de pele-não-melanoma: o Carcinoma Basocelular pode assumir aspectos bastante variados, ou um nódulo elevado, da cor da pele com aspecto perolado; uma mancha ou ferida que não cicatriza; ou uma protuberância ligeiramente dura e rugosa que cresce lentamente.
Por outro lado, o Carcinoma Espinocelular é mais “pobre” clinicamente, isto porque se manifesta normalmente como um nódulo duro que pode crescer rapidamente e tornar-se ulcerado e exsudativo. Este último tipo de cancro tem um carácter mais agressivo, desenvolvendo-se mais rapidamente e podendo originar metástases regionais e à distância.
São, por fim, características de alerta de um melanoma: um “sinal” de cor negra que aparece em pele aparentemente sã, com tendência para crescer gradualmente, ou ainda um sinal pré-existente que se modificou recentemente, com aumento do seu diâmetro e da espessura, alteração da cor, da forma ou dos contornos, com sangramento fácil ou sensação de ardor e prurido associados.
Que cuidados extra devem então ser tomados, em relação ao melanoma e aos restantes cancros de pele?
É interessante esta pergunta e é interessante a resposta que lhe vou dar: no próprio dia do Rastreio do Euromelanoma observei, infelizmente, vários doentes com queimaduras solares (escaldões), resultantes da exposição solar no decurso da procissão das recentes Festas do Sr. Santo Cristo dos Milagres.
Portanto, não é demais relembrar que é de evitar a exposição ao sol, que não seja de uma forma gradual e moderada, pois a exposição solar intensa e intermitente, por curtos períodos, sobretudo quando associada a queimaduras solares é um factor de risco para melanoma maligno. De lembrar que o sol não existe apenas na praia, mas também nas nossas actividades diárias normais ou recreativas do dia-a-dia.
De resto, as indicações mantêm-se, tal como para os outros anos: o mais importante é certamente evitar a exposição solar nos horários críticos (em particular entre as 12 e 16 horas, em que há forte incidência dos raios ultravioleta) e as exposições solares prolongadas – mais de duas a três horas; usar vestuário adequado – a roupa deverá ser com tecidos pouco porosos e naqueles mais finos ou porosos há que preferir as cores mais escuras (filtram melhor os raios ultravioleta); utilizar chapéu, de preferência de abas largas, bem como óculos escuros com proteção UV. Em relação ao protetor, este deverá ter um índice ≥ 30 e ser aplicado previamente à exposição solar, idealmente em casa. As aplicações deverão ser repetidas de duas em duas horas, ou após banho, e devem ser aplicados na quantidade adequada em toda a pele. As pessoas de pele clara, sardentas, com olho claro e que têm dificuldade em ficar morenas devem ter cuidados redobrados.
Por fim, há a salientar que as crianças são um grupo de risco importante. Não se devem expor os recém-nascidos ao sol, sendo o uso de protectores solares aconselhado na infância apenas após os seis meses de idade.