Alguma esperança saída dos resultados eleitorais que deram uma vitória tangencial à AD, residia no facto de se confiar no não-alinhamento entre socialistas e partidários da direita radical, para o derrube do governo.
A generalidade dos jornalistas, analistas e comentadores, considerava de muito difícil possibilidade a votação, na mesma direção, de diplomas ou moções que pusessem em causa a pouco sólida maioria. Por razões que dizem respeito à sobrevivência, na oposição ou no poder, dos três partidos que hoje ocupam a centralidade do espaço político, parlamentar e mediático.
O Chega seria incapaz de votar favoravelmente moções de censura apresentadas pelo PS, já que, em teoria, estaria a trair parte do seu eleitorado, e parte, ainda que ambígua, da sua família política alargada – “a direita” –, correndo sérios riscos de ver desmoronar o seu imenso grupo parlamentar, se o eleitorado entendesse que afinal o voto que lhes foi confiado trouxe apenas instabilidade e ausência completa de uma ação construtiva.
Por outro, os socialistas jamais votariam a favor de uma moção vinda da direita radical, contribuindo assim decisivamente para o executivo cair, já que poderiam vir a ser amplamente castigados pelos portugueses, por não permitirem à AD governar, estratégia que poderia, igualmente, não ser muito bem vista pelos seus, já que a imagem visual da assembleia, levantando-se uns e outros ao mesmo tempo, para derrube do executivo, poderia ser pelos apoiantes socialistas muito mal digerida.
E no poder, a gestão desta ambiguidade seria sempre uma arma de arremesso e uma fragilidade. Uma fragilidade porque Luís Montenegro não sabe em que águas desaguará esta estratégia, que sendo óbvia pode não ser assim tão vencedora. O eleitorado sabe bem distinguir qual o papel de cada partido na arena política, pelo que acusar socialistas e parlamentares da direita radical de conluio, ou de se apoiarem uns nos outros, pode vir a ser poucochinho ou até contraproducente.
E uma arma de arremesso, como se tem visto, para colar dois opostos do panorama político nacional, que apesar disso têm um objetivo em comum: ter a força política e social necessária para tomar o lugar da governação, quando e se as condições o permitirem. As condições de quem governa e de quem faz oposição.
E esse momento é que continuará definidor do futuro, não propriamente o acerto na votação de qualquer diploma no parlamento, até porque muitas dessas propostas faziam parte dos programas eleitorais dos respetivos partidos.
O desgaste do executivo com a aprovação de medidas contrárias à sua vontade vai continuar, em particular se elas forem populares aos olhos do eleitorado.
E se tal vier a acontecer, o governo manterá a vontade de utilizar a vitimização como ferramenta de sobrevivência, esperando que, quando chegar o momento em que as condições o permitam, à AD ou à oposição, possam ser capitalizadas as medidas aprovadas contra a vontade do governo, por um lado, e a vitimização assente na irresponsabilidade de quem o fez, por outro lado.
Uma coisa parece hoje mais certa e o caminho está a ser feito: podemos vir a assistir ao tombo do executivo por via da congregação dos votos entre André Ventura e Pedro Nuno Santos. E se assim for, o que mudou por aqui?
O posicionamento do Chega. Se tal servir para capitalizar mais descontentamento com a ação do governo de Luís Montenegro, mesmo correndo sérios riscos de ver o grupo parlamentar ser encolhido, o passo a dar será em frente.
Apesar de toda a tática que rodeia, por dentro e por fora, a ação política, essa tática sem risco é inconsequente.Por isso, estará André Ventura capaz de apostar cinquenta deputados nesse jogo? Sim, até porque nos Açores correu bem. O momento para a queda do governo foi decidido pela oposição, e apesar da vitória de José Manuel Bolieiro, o Chega multiplicou o seu elenco parlamentar.
São riscos que se correm, uns mais certos do que outros. No caso da República, quando chegar o momento. Quem sabe quando chegará?
Fernando Marta