No dia 16 de Maio celebra-se o Dia Nacional dos Cientistas, numa tentativa de demonstrar reconhecimento a todos estes profissionais que contribuem para o evoluir do conhecimento, da sociedade, da tecnologia, e que, no fundo, permitem um amanhã melhor que o ontem (com a ressalva que alguns avanços científicos podem também ser utilizados para fins negativos numa clara usurpação do potencial de progresso).
Já noutro artigo de opinião no dia 24 de Novembro de 2023 por ocasião do Dia Mundial da Ciência e simultaneamente Dia Nacional da Cultura Científica, e na anterior entrevista de dia 15 de Outubro de 2023 por ocasião da minha participação numa das sessões de alto nível com a comissária Elisa Ferreira durante a Semana Europeia das Regiões e Cidades, ambos neste jornal, pude manifestar a falta de estratégia científica para a região e a desvalorização dos cientistas. Hoje, por esta efeméride volto a incidir sobre esta temática, e volvidos estes meses, afirmo que o futuro científico da região não me parece promissor.
Com efeito, tem-se assistido a um completo esquecimento da ciência básica ou fundamental, e a ultrapassagem da ciência aplicada e sua substituição pela “inovação”. Ora, uma aposta em sectores estratégicos específicos e diferenciadores geradores de dinamismo económico é fundamental, e essa orientação vem da Comissão Europeia por mecanismos de financiamento comunitário, por exemplo. Ora, o que esta entidade não exclui é que a ciência fundamental deve ser aposta de cada estado-membro com recursos dos seus próprios orçamentos.
Começa logo um primeiro problema nos Açores: faz-se tábua rasa de apoios às ciências fundamentais e aplicadas, focando apenas na chamada “inovação” (como se a ciência verdadeira não fosse inovadora, criativa… Imaginem um mundo sem web, sem electricidade pública, sem comunicações móveis ou sem fios. Imagem um mundo sem ciência), envolvendo estruturas de quádrupla hélice que incluem academia, empresas, sector público e sociedade civil com elevado desenvolvimento de produto final. Com efeito, este mecanismo centra-se tipicamente em parques de ciência e tecnologia, e com resultados potencialmente interessantes. Todavia, a ciência básica e a aplicada são descuradas. Não quero com isto dizer que se deve fazer uma única aposta, mas sim diversificar, à semelhança do que se conhece das estratégicas de investimento financeiro: diversificar o leque de investimentos.
Qual o valor económico de uma equação? E o da descoberta e melhor compreensão de espécies marinhas? Qual o valor económico do estudo de fósseis? Qual o valor económico do estudo de Camões, Natália Correia ou Vitorino Nemésio? A que nos queremos comparar ou ter como inspiração? Queremos conhecimento científico de alta qualidade rival (ainda que com menos pessoal, e até condições) da Universidade do Porto, de Cambridge ou de Oxford? Ou queremos fazer umas coisinhas pequeninas porque somos pequeninos no meio do oceano? O conhecimento científico não deve ser norteado pela transferência de conhecimento, mas antes existir per se, e poder nalgumas linhas ser transferível. Esta lógica de focar na “inovação” descurando a ciência básica e aplicada é um sintoma de uma patologia mais grave denominada neo-liberalismo.
O que os Açores precisam? É necessária uma política pública de contratação de investigadores por concurso regional, e os seleccionados obterem o financiamento para os respectivos centros de investigação à semelhança das práticas nacionais dos concursos CEEC. Devemos inclusivamente recordar a intervenção da então deputada Mónica Seidi na Assembleia Legislativa Regional acerca da proposta de criação de um estatuto de investigador regional, e das orientações do anterior Director Regional Doutor Sérgio Ávila de colocar em prática um mecanismo altamente competitivo de contratação regional de investigadores aberto a todas as áreas científicas. Desde então, nada existe exceptuando mecanismos pontuais de manutenção (e mais que justa) de alguns postos das equipas já existentes, tipicamente oito vagas por ano.
Falta dinheiro à região para implementar concursos desta natureza? Então sugiro redimensionamento das nomeações (exageradas) de técnicos especialistas (faço nota que eu próprio fui técnico superior especialista durante um ano no gabinete do então Subsecretário Regional, auferindo um salário bastante inferior ao praticado com outros elementos especialistas com grau académico e currículo inferiores, e menor que o previsto para o meu estádio na carreira de investigação), revisão do excesso de financiamento para entidades não produtivas que funcionam como parasitas nas vizinhanças da esfera pública, menos deslocações dispendiosas e supérfluas, e revisão profunda de algumas estruturas de missão ad eternum com pouco retorno. Falava-se muito dos beneficiários do RSI, muitos injustamente, como se vê nos níveis actuais e elevados de pobreza e exclusão social, mas não haverá outros “RSI” muito mais elevados noutros locais?
Vem agora um segundo problema nos Açores: a estratégia de especialização inteligente, RIS3-Açores. Esta surge numa vertente frankensteiniana: às três já existentes de mar, agricultura e turismo, adiciona-se “espaço e ciência de dados” e “saúde”. E algo muito curioso ocorre aqui: a temática espaço e ciência de dados foi trabalhada intensamente por um grupo dedicado ao tema, envolvendo diversas entidades, e no final foi sujeita a lápis azul. Ora, obviamente este documento de trabalho é olhado politicamente e cada governo em funções tem perspectivas diferentes, mas o que aqui foi feito, ficou um pouco bizarro e com algumas contradições pelo meio numa reescrita de amálgama, pelo menos naquela área. Afunilou-se alguns temas que se deveriam ter mantido mais gerais, não abstractos, mas mais gerais, tal como na proposta dos grupos de trabalhos. Algo mais entendível para o leitor é se imaginar se a saúde ficasse restrita a cardiologia e pneumologia, esquecendo outras áreas de conhecimento na saúde.
E o porquê desta aparente restrição? Ocorre-me naturalmente o benefício específico de instituições não produtivas (ou parasitas) que orbitam o sistema científico e tecnológico dos Açores na busca de dinheiros públicos para coisa nenhuma.
Ora, com estas análises procuro apontar para o essencial: é preciso ciência séria e a sério na região, reconhecer o excelente trabalho feito por investigadores fenomenais, procurar atrair e reter talento com política de contratações (ainda que a termo) de profissionais de excelência! Deve-se ainda manter as estratégias de inovação de forma complementar e paralela à investigação académica. Deve-se apostar nas instituições que todos os dias procuram fazer ciência, tecnologia, desenvolver produtos de qualidade e de valor acrescentado, tudo num espírito de progresso e desenvolvimento e não em segmentações e obscurantismos.
Os cientistas são pessoal ultra qualificado, como já tive oportunidade de definir anteriormente, com grau académico de Doutores, com qualidades e competências únicas (veja-se o quadro nacional de qualificações para melhor entendimento), e não podem continuar a ser explorados, escravizados e relegados para a inferioridade, principalmente por alguns medíocres da sociedade! Não é aceitável que se procure pagar menos que o valor real do grau académico, nem que os cientistas fiquem totalmente desprotegidos de salário continuando estes a produzir ciência, a promover acções de divulgação, e transferência de conhecimento em claro benefício da região, região esta que os não respeita.
Celebremos então a ciência e os seus cientistas de forma séria! Não deixemos a ciência açoriana entrar em estado de coma!
Cláudio Gomes