Corria 1989 quando os Açores colocaram pela primeira vez dois deputados no Parlamento Europeu, visto que nos primeiros 3 anos e meio, somente o PSD tinha integrado na lista nacional às eleições europeias um representante açoriano em lugar elegível, responsabilidades que me couberam na sequência de decisões tomadas em sede da Comissão Política Regional, então presidida pelo Dr. Mota Amaral. Foi assim em 1986, via eleições indiretas na Assembleia da República, num curto mandato de ano e meio; em 1987, nas diretas europeias para Portugal e Espanha, num mandato de 2 anos; em 1989, nas eleições gerais de 18 de junho, mais 5 anos. Foram tempos de intenso trabalho, principalmente os primeiros, que permitiram uma atividade e visão suprapartidárias da política, considerando ter estado sozinho a representar os Açores. Pude aperceber-me da “armadilha” da representação em lista partidária nacional, o que levou o PSD/Açores a defender a criação de um círculo próprio para os Açores nas eleições para o Parlamento Europeu. A realidade veio confirmar os receios em 2019, quando ficámos sem eurodeputados, devido à conjunção de 2 tristes fatores: um, a inqualificável atitude dos dirigentes nacionais do PSD relativamente ao candidato indicado pelos Açores, colocado em oitavo lugar na lista; outro, o trágico falecimento do candidato do PS, logo após ter sido eleito. Quanto à morte, é uma fatalidade biológica e nada podemos fazer, mas quanto às jogadas político-partidárias, é possível prever e antecipar soluções, se as houver. O que acontecerá dentro de dias, nas eleições europeias de 9 de junho, onde o PS deu ao candidato açoriano um lugar elegível (5º) enquanto o nome do PSD vai em zona cinzenta (7º), será determinante para esclarecer muitas dúvidas acerca do modo como abordamos estas eleições.
Eleições que irão aumentar as responsabilidades políticas do Parlamento Europeu, numa altura em a União Europeia enfrenta uma fase crítica da sua vida. Para além da guerra na Ucrânia, cujo termo está longe de se vislumbrar, ou do otimismo pouco consequente quanto aos novos alargamentos, é essencial seguirmos as projeções de dois dos principais atores económicos mundiais, os Estados Unidos e a União Europeia. Que em 2024 corrente, somarão conjuntamente cerca de 44% da riqueza mundial produzida (PIB nominal, em dólares internacionais) ou 30%, se expressa em paridades de poder de compra (PPP). Em termos relativos, a comparação entre os EUA e a UE-27mostra uma clara predominância da economia americana, que em PIB nominal, suplantará este ano a europeia em quase 10biliões de USD(EUA=28,8 biliões; UE-27=19 biliões). Significando que, para a economia europeia igualar a americana, teria de aumentar 50%, sendo que o FMI prevê até 2029 um aumento do diferencial para 12 biliões. O “gap” em valores PPP, pelo contrário, permanecerá em torno dos 3 biliões, se os fatores negativos resultantes das guerras em curso (migrações, terrorismo interno, fragmentações políticas, extremismos e outros da panóplia das dúvidas) não afetarem o rumo da Europa. Tudo porque os dirigentes políticos europeus, agora como em 1938 – o ano fatídico que formatou a II Guerra Mundial – cometeram erros imperdoáveis, de que o atual brexit (com b minúsculo, correspondente à dimensão política dos seus ideólogos) é exemplo.
Retornando à comparação das economias dos EUA e da UE-27, deve notar-se que em 1987, aquando das eleições diretas destinadas apenas a Espanha e Portugal, os 12 Estados Membros da CEE ficaram comum PIB nominal praticamente igual ao americano(CEE-12=4,63 biliões USD; EUA=4,85),situação que foi alterando para um e outro lado ao longo dos anos, até à atual supremacia americana atrás indicada, apesar do PIB per capita crescer mais rápido na UE-27, graças ao acelerado crescimento dos países do leste. O famigerado brexit, a pandemia e a guerra na Ucrânia pioraram o cenário, agravado pelas sanções à Rússia, causando um endividamento público que atingiu 15,3 biliões USD no fim de 2023, uma subida próxima de 5%em apenas 3 meses. Ainda assim, esta dívida representa uns 80,5% do PIB dos 27 Estados Membros, uma percentagem que estamos procurando atingir em Portugal, que conseguiu reduzir a dívida pública para 99% em 2023. Se os números divulgados estiverem corretos, é um abaixamento notável, mas feito à custa de sacrifícios tais, que deixaram mazelas nas pessoas e nas infraestruturas. Aqui reside uma dúvida da forma como encaramos a integração europeia, porque os 160.000 milhões de euros de fundos europeus recebidos desde a adesão, levam a um facilitismo que tem o seu preço, se tivermos de enfrentar tempos adversos. Poderá acontecer com o regresso do protecionismo e as dúvidas europeias sobre as vantagens da globalização, possibilitando uma guerra comercial com os Estados Unidos, caso Trump volte à Casa Branca. Para Portugal, país maioritariamente importador de bens (especialmente alimentares e industriais), o aumento dos preços iria penalizar ainda mais os consumidores. Será que, para além da retórica habitual, os nossos governantes já pensaram que a União Europeia pode mudar bruscamente de políticas? Cansados das euro-dívidas, ficamos pelas euro-dúvidas.
Vasco Garcia