Tiago Amaral e Eulália Amaral conhecem-se desde sempre e estão juntos há quase 20 anos. Este ano serão os mordomos da irmandade da Lomba do Carvalho, nos Remédios da Bretanha. Ao Correio dos Açores explicam o gosto pela mordomia, a importância de se transmitir as tradições aos mais novos e deixam um desejo: “esperamos que esta tradição não acabe”.
Conhecem-se desde quando?
Conhecemo-nos desde crianças. Somos ambos da freguesia dos Remédios. A Eulália sempre me chamou a atenção, mas não havia o momento certo para falar com ela. Até que um dia ela foi ver um jogo meu onde agora é o Polidesportivo dos Remédios, que antes era um campo de cimento, só com as irmãs. Eu aproveitei e começamos a falar nesta altura.
Já estamos juntos desde 2006 e temos um filho.
Porque foi mordomo este ano?
Principalmente o gosto. É algo que já vem de família. Eu e os meus irmãos fomos criados com o Divino Espírito Santo.
O que é que um mordomo faz?
O mordomo tem que ser alguém que goste muito do Espírito Santo. Fazer uma mordomia dá muito trabalho, tanto para os mordomos como para aquelas pessoas que vão ajudar. Senão tivermos gosto, fica mais difícil. Sempre ajudei nas mordomias mas não tinha esta responsabilidade.
Olhava para os mordomos, nas mordomias em que ajudei, e dizia que um dia queria fazer uma festa dessas, queria fazer uma coroação dessas, queria fazer uma mordomia dessas.
Em que consiste uma mordomia?
Para mim significa família, união, festa, comida e bebida, trabalho. Antes de mais, tem a parte religiosa também, que me diz muito. É algo que vem de família. Tenho muita fé no Divino Espírito Santo.
É o primeiro mordomo da sua família ou já houve algum antes de si?
Já houve mais mordomos na minha família. De seis irmãos apenas dois ainda não foram. E o meu pai também já foi mordomo.
Podem explicar como é o funcionamento de uma mordomia?
Na próxima Segunda-feira vão haver as sopas do Espírito Santo. Acolhemos as pessoas, que nos vão ajudar, para um churrasco. Tivemos de percorrer a Irmandade da Lomba do Carvalho, que é onde moramos, para convidar as pessoas a ajudarem-nos durante esta semana. Sem ajudas não se consegue fazer a mordomia. As sopas são para toda a gente que quiser ir.
Na Terça-feira chega a carne do matadouro, a massa e o pão. O senhor padre benze a carne e o pão e começamos a distribuir as pensões que são para fora da freguesia. Quem encomendou a pensão grande, tem direito à ceia dos criadores, que será na Quarta-feira.
Como são muitas pensões, na Quinta e Sexta-feira continuamos a distribuir pensões. Fazemos a distribuição sempre durante a noite e a madrugada. Durante o dia todos temos o nosso trabalho.
A distribuição das pensões é sempre acompanhada por um grupo de foliões, que é a chamada folia. Sexta-feira também iremos fazer o almoço das crianças. Damos almoço às crianças da freguesia e da freguesia de Santa Barbara, onde o meu filho estuda, e também aos idosos de ambas as freguesias.
No Sábado distribuímos as esmolas pela irmandade. Corremos a freguesia com os foliões e as carrinhas enfeitadas. Já não há carros de bois como antigamente, agora são só as carrinhas. No Domingo temos a coroação e a nomeação do novo mordomo.
Quais são as diferenças entre as pensões grandes e as esmolas?
A principal diferença reside nas quantidades de carne e de pão. Na grande vem mais, como o nome indica. E na grande também vem vinho, algo que não vem nas esmolas.
Em media qual é o custo de cada pensão?
A grande custa 140 euros. A mais pequena tem dois custos, um dentro da irmandade e outro fora. Dentro da irmandade custam 50 euros e fora 70 euros.
Quantos quilos de carne são usados nas pensões?
Não posso dar um número ao certo dos quilos de carne. Mas são 17 gueixos que vão para o matadouro.
A irmandade tem algum custo com as pensões?
A irmandade paga as suas despesas. O dinheiro das pensões serve para pagar as despesas que temos com a carne, os foliões, a filarmónica e o fogo-de-artifício, ou seja, tudo o que se gasta com a festa.
Tudo o que são extras, e que nós queremos fazer, é pago pelos mordomos. Por exemplo, na quarta-feira vamos ter os “Trio de Deus”, vamos ter os pula-pulas para as crianças e isto é pago da nossa parte.
Então para além do dinheiro gasto pela irmandade, os mordomos também costumam investir do seu dinheiro na mordomia…
Se quiserem sim. Levamos um ano a poupar, a fazer um pé-de-meia para podermos pagar os extras. Assim temos algum dinheiro separado numa poupança que foi feita para a mordomia.
Como é que é nomeado um novo mordomo?
Por acaso já temos apalavrado quem vai ser o mordomo do próximo ano. Mas tem de ser alguém que tenha gosto pela mordomia. O ano passado, quando nos convidaram, já sabiam que isto vinha de família. E foi uma emoção muito grande quando fomos os escolhidos para ser mordomos este ano.
Então não é decidido através de sorte?
Não, é sempre por convite. Só se não houver ninguém que queira ficar com a mordomia.
No nosso caso, já escolhemos e eles aceitaram. Posso-lhe dizer que é um alívio saber que já temos mordomos para o ano.
E caso ninguém aceite ficar com a mordomia…?
Esta hipótese existe, e pode acontecer brevemente. Neste caso o mordomo avisa, no fim da mordomia, que o mordomo e o Espírito Santo fica entregue no local próprio.
Caso depois alguém queira, pode ir pegar. Senão tira-se as sortes nas Domingas, da primeira à sétima, onde a ultima cabe sempre ao mordomo. As pessoas tiram as sortes até sair uma Dominga. Normalmente a lista para tirar as Domingas é de mais de 100 pessoas.
Qual é a diferença entre uma das primeiras seis Domingas e a Dominga do mordomo?
Hoje em dia é completamente diferente do que se fazia antigamente. Antes, faziam-se quartos de Espírito Santo, fazia-se uma coroação. Agora não se vê nada disso. Agora, normalmente, temos um canto da casa com a bandeira e a coroa, onde se canta o terço. Já não se fazem coroações, tirando o mordomo.
Em sua opinião, porque é que acha que isto mudou ao longo dos tempos?
A mentalidade das pessoas mudou. Já não há o mesmo amor e a mesma vontade. A geração mais nova não está tão ligada. O mordomo para o ano, quando for para arranjar um novo mordomo vai ter alguma dificuldade. Praticamente toda a gente da irmandade já foi mordomo.
Porque é que este tipo de tradições está mais associada às freguesias e não e não tanto à cidade de Ponta Delgada?
As pessoas que vivem em Ponta Delgada, vivem para o trabalho. Ainda se vê em algumas freguesias perto, como por exemplo na Relva e em São Roque. Se morasse, em Ponta Delgada, a nossa vida seria outra. É outro tipo de vida.
É importante que estas tradições não se percam?
Claro. É tradição do açoriano viver as festas do Espírito Santo. Senão continuarmos com as tradições ,elas acabam por desaparecer. Tem de haver alguém que goste, que fique à frente das tradições para poder ir passando para os mais novos.
Que diferenças existem, entre as mordomias antigas e as de hoje em dia?
A principal diferença é as pessoas. Antigamente aparecia a freguesia toda. Nós discutíamos para ir repartir, para servir às mesas e para ajudar. Hoje em dia já não se mostram tão disponíveis. Especialmente os mais novos. Esperemos que esta tradição não acabe.
Frederico Figueiredo