Quando se discutem situações humanas não se pode partir de pressupostos de avaliação. Teremos de entrar sempre no campo da compreensão. É urgente compreender o ser humano. Há sempre razões que determinam a razão.
A amizade é uma filigrama de encontros. O encontro é sempre importante, porque é um momento de autenticidade.
Tenho amigos em vários países do mundo. Eles amam-me e eu amo-os. Uma cumplicidade que nos fortalece.
Sinto-me entre vós e surjo tal como sou, caminho até onde descubra a minha viagem interior para poder trazer até vós, o somatório das minhas experiências, no que se refere às amizades e à importância que essas têm tido no meu percurso da vida. Eu diria na vida de todos aqueles que cultivam estes sentimentos. O que me traz aqui transcende o pensamento que se formula quando nos referimos às relações entre pessoas; o que me traz aqui é a amizade verdadeira, como tema, desta crónica, para que se reflita e se aprenda que os caminhos dos amigos são nossos também; para que se saiba que a amizade é um bem mais precioso que se conserva no tempo e ilumina-nos, nas ocasiões mais difíceis. Aos amigos recorremos sempre que necessitamos para lhes confidenciar segredos, mais íntimos ou transmitir-lhes momentos de felicidade vividos. Há poucos dias um amigo, que muito prezo, mandou-me os textos para que os lesse antes de imprimir o seu libro. Li-os com imenso prazer e senti-os na força das suas palavras, reveladoras de um sentimento, assento na sua sensibilidade que faz dele um grande homem, um grande amigo. Então respondi-lhe, por carta:
“Meu caro Poeta, recebi os teus textos e li-os num folgo com receio que o tempo fugisse e eu não tivesse a oportunidade de os saborear. Quando acabei, iniciei de novo a viagem das palavras, tão transparentes e acessíveis, para os teus futuros leitores. Carregadas de sentimentos enriquecedores, naturalmente levará, estou certo, aos que terão o privilégio de lerem estes textos a curiosidade de conhecerem o autor. Como poeta, vives na plenitude da palavra, razão dos teus sonhos e paixões. Deixo-te com a certeza de que o teu livro apaixonará muitas jovens, levando-as a uma leitura que lhes proporcionará beleza e tranquilidade.
Da minha parte estou felicíssimo, com esta tua nova obra. Agradeço-te teres enviado estes teus textos.
Um forte abraço,
João Carlos
PS – Esqueci-me de te dizer que, tal como Eramos quando entregou nas mãos de Morus o seu livro “A Eloquência da Loucura”, disse-lhe: ele agora é teu. Assim sucedeu o mesmo comigo: agora o teu livro é meu, tal o vivi, tão intensamente. Recordo-te: tal como o amor é parte da poesia da vida, a poesia é também parte do amor da vida. É neste amor que está a verdadeira amizade.”
Recebi há anos uma mensagem de dois meus grandes amigos, duas figuras conhecidas da TV: Alice Cruz e Rui Romano. Infelizmente, já não estão connosco.
Meu querido amigo,
“A amizade é apenas um modelo ideal que pede para ser respeitado. Para que – desde que nós o sigamos – o mundo se encha de amigos. E estes ao unirem-se, sorriam”.
Mas, ao falar de amizades, muitas nasceram de interesses comuns e conservaram-se, no tempo, até à morte. Por exemplo, três grandes poetas, dos anos 1200, de Florença: Dante, Cavalcanti e Lapo Giani, mantiveram uma forte amizade – interesses culturais. O mesmo aconteceu, nos anos 1500, entre dois escritores franceses: Michel de Montaigne e Etienne da La Boétie. Mas, mais recentemente, encontramos a amizade entre Marx e Engels e a que existiu entre Max Horkheimer e Theodor Adorno. A primeira influenciou toda a política contemporânea e a segunda o pensamento sociológico.
Já há 2000 anos, Aristóteles fazia uma distinção entre os vários tipos de amizade. Para ele a única que merece nome de verdadeira amizade é a que se apoia na virtude. Quando me ocupo de um assunto tão apaixonante, não posso deixar de mencionar Reisman que, no seu livro, define a amizade: “Amigo é aquele a quem agrada e que deseja fazer o bem a outro e espera que os seus sentimentos sejam retribuídos”.
São Tomás de Aquino deixou-nos este pensamento: amar é querer fazer o outro feliz.
Henry Miller, no seu maravilhoso livro “Trópico de Capricórnio” fala de um amigo seu. “Hamilton, escreve, abriu-me os olhos e deu-me novos valores, embora, depois, tenha perdido a visão que me tinha dado. No entanto, nunca mais voltei a ver o mundo ou meus amigos como os tinha visto antes da sua chegada. Hamilton mudou-me completamente, como o pode fazer com um livro extraordinário, ou uma experiência extraordinária, ou uma personalidade extraordinária. Pela primeira vez, na minha vida, qualquer coisa pode ser a experiência de uma amizade vital, sem, todavia, me sentir servil ou obrigado por via daquela experiência. Mas, depois de nos separarmos, sentia a necessidade física. Ele tinha-se dado completamente e eu possuí-o sem o ter possuído. Foi a primeira experiência de amizade clara e total e nunca mais se repetiu com nenhum outro amigo. Mais do que um amigo, Hamilton era a própria amizade”.
Poderíamos encher páginas sobre a amizade e a sua importância, e como essa influencia e muda tantos amigos. Eu próprio demonstrei aos meus alunos, nas aulas de relações humanas e relações-públicas, que todos os seres necessitam de amizades verdadeiras. E que o reconhecimento do que é justo é a amizade. Felizmente que assisti à mudança de muitos deles e, anos mais tarde, quando os encontrei, disseram-me: tinha razão, a amizade é necessária nas nossas vidas. A amizade, como tantas vezes nos repetiu, é uma filigrama de encontros que nos enriquece e dá-nos equilíbrio. Hoje, que temos amigos, avaliamos a importância da amizade.
Um dia recebi o livro sobre a amizade de Francesco Alberoni – eu sou um fã deste escritor – desde que vivi em Itália. A sua escrita e o seu pensamento sociológico, ajudaram-me a ver as questões sociológicas por outro prisma; ajudaram-se a aprofundar os meus conhecimentos sobre o ser humano.
Como seria bom que o mundo se enchesse de amigos! A amizade é um gesto de amor e a “grande maravilha é ser maravilha de nos surpreendermos que não há outra maravilha que não à maravilha própria”. Mas a grande maravilha é também amarmo-nos uns aos outros, porque a amizade ajuda-nos a atravessar, confiantemente, os desertos da vida e traz a felicidade.
João Carlos Abreu