Celebra-se hoje, 26 de Maio, o Dia Nacional do Folclore Português. Nos Açores, o folclore está presente em quase todas as freguesias. Este dia é celebrado desde 2016, quando foi implementado na sequência da deliberação da Assembleia da República, após um pedido da Federação do Folclore Português. Em entrevista ao Correio dos Açores, Filomena Loura, Presidente do Grupo Folclórico de São Pedro da Lomba do Cavaleiro, do concelho da Povoação, que esteve na fundação no grupo que completará três 30 anos, explicou a importância deste dia, a diferença do folclore em cada um das nove ilhas dos Açores e os eventos em que costumam participar.
Correio dos Açores – Qual é a importância do Dia Nacional do Folclore Português?
Filomena Loura – Para mim e se calhar para todos os grupos folclóricos, é um dia de grande importância uma vez que o folclore é sempre o parente mais pobre da cultura. E tendo um dia dedicado a ele sempre mostra e também dá mais importância à cultura do nosso povo. O folclore é uma forma de identificar a cultura de um povo.
Porque o folclore é o “parente mais pobre da cultura”?
Qualquer festa que haja, há sempre dinheiro para conjuntos. Ninguém se importa dar, por exemplo, mais de 1.000 euros ou 2.000 euros a um grupo. Neste momento, por exemplo, o nosso grupo leva 250 euros. É uma diferença muito grande. Mas toda a gente gosta do nosso grupo.
O que representa o folclore enquanto expressão cultural de um povo?
Mostra os usos e costumes dos nossos antepassados. Nós não nos dedicamos somente à dança, também nos dedicamos às cantigas, aos bailes, à forma de vestir e à forma de viver dos nossos antepassados. Nós ainda não fizemos, mas há muitos grupos que fazem sopas para angariar fundos e mostrar às pessoas como se fazia algumas sopas de antigamente. Por exemplo, no ano passado houve uma nas Furnas e este ano já houve nas Furnas e na Ribeira Quente. As sopas de há 50, 60 e 70 anos os nossos jovens não as conhecem e também não as apreciam muitos. Antigamente não havia muitas formas para matar a fome.
O que significa, para si, o Grupo Folclórico?
Gosto muito de folclore. Já tenho 71 anos. Fui criada com o meu pai e os meus tios a tocar guitarra e adorava ouvir o som da guitarra e da viola. De maneira que fui integrada no grupo folclórico da minha terra. Sou da ilha do Faial, e o folclore do Faial é completamente diferente do folclore de São Miguel.
Depois vim para São Miguel para trabalhar como professora do 1.º ciclo. E comecei a me integrar nos usos e costumes de cá, fui aprendendo com outras colegas e amigas de como tratar o folclore micaelense. Com os meus meninos na escola, foi pelas festas do carnaval e Festas do Espírito Santo, que na altura eram muito vividas pelas crianças e pelos jovens, e comecei também a trabalhar nesses costumes. Na altura de uma dessas festas, resolvi fazer na escola um grupo para mostrar às nossas crianças como se dança o folclore daqui – e eu aprendi também.
Como fazia na escola, houve um grupo de pessoas da acção católica que me pediu para fazer um grupo de jovens, primeiro, os tirar dos cafés e assim e segundo, para fazer a inauguração do Centro Social e Paroquial da Lomba do Cavaleiro, por altura das Festas de São Pedro. E aceitei o desafio, formando o Grupo Folclórico de São Pedro da Lomba do Cavaleiro, que fará este ano 30 anos. Nós nunca parámos desde então, excepto durante dois anos, na altura da pandemia. O folclore é uma actividade à qual eu gosto muito e posso dizer que foi onde fui criada.
As entidades públicas apoiam devidamente o folclore enquanto expressão cultural e popular?
Vão apoiando. Não tenho muita razão de queixa. Tenho sempre tido boa relação com a Câmara Municipal da Povoação e da Junta de Freguesia. Apesar da nossa Junta de Freguesia ter poucas verbas e de ser pequena, dão sempre uma grande ajuda ao nosso grupo. Temos tido algumas saídas para cativar os jovens, por exemplo, já fomos a Portugal continental, ao Canadá, a todos os cantos de São Miguel e a Santa Maria. Temos conhecidos os usos e costumes de outras localidades.
Nas freguesias da ilha de São Miguel há pouca diferença na tocada, nas canções e na forma de dançar, enquanto em cada ilha há uma grande diferença no folclore.
Quantos membros têm o Grupo Folclórico da Povoação? Qual é a faixa etária predominante?
Neste momento, temos, aproximadamente, 35 membros. A mais nova tem quatro anos e a mais velha sou eu, com 71 anos. Tivemos uma de três anos que dançava muito bem e que agora já tem 18 anos. Está no nosso grupo há 15 anos.
Tem conseguido renovar o grupo?
Temos conseguido. Todos os anos entram pelo menos duas pessoas novas, mas também saem outras pessoas. Felizmente, o nosso grupo está muito composto agora. Já teve com poucos elementos. Por exemplo, já fui a festas com apenas seis pares e agora vamos com 12 ou 13 pares. É o dobro das pessoas. Estamos muitos bem agora. No entanto, temos poucos tocadores, especialmente na viola-da-terra. Este instrumento é muito importante no folclore micaelense. Há uma escassez de pessoas que tocam este instrumento que até o nosso tocador já ajudou a Água Retorta e a Ribeira Quente. Portanto, nós vamos ajudando uns aos outros.
É importante incutir o folclore nos mais jovens?
Sem dúvida nenhuma. É através do folclore que eles vão conhecendo os seus antepassados, porque ocasionalmente nós fazemos palestras internamente. Alguns dos jovens gostam de dançar, mas não gostam das roupas porque sentem que são muito longas ou muito quentes ou muito pesadas, e outros que não gostam de usar o lenço na cabeça. Nós sempre dissemos que antigamente era assim e temos de representar os nossos antepassados com o máximo de rigor possível.
É importante manter tradições como grupos folclóricos na Região?
Acho que é muito importante. Como disse no início, todas as ilhas têm o seu folclore, a sua forma de vestir e de dançar, por isso temos os nossos intercâmbios para perceber a cultura de cada ilha. Por exemplo, as danças das Flores são muito diferentes; Pico, Faial e São Jorge são um bocado semelhantes entre si, enquanto as restantes ilhas são muito diferentes.
O Grupo Folclórico tem originais ou usa somente as músicas mais conhecidas do Folclórico?
Não temos originais. Usamos as músicas de todo os outros folclores da ilha. Recolhemos as músicas que estão no cancioneiro da ilha. Como não sou de cá, tem algumas músicas e alguns bailes um bocado diferentes conforme que fui interpretando e lendo. Portanto, a forma de dançar é que varia um pouco de freguesia a freguesia em São Miguel. Por exemplo, quem já dança há vários anos, como é o caso das Camélias das Furnas e da Água Retorta, que tem a sua forma de dançar diferente. Apesar de serem do mesmo concelho, cada grupo folclórico tem a sua forma de ser. Há uma grande variedade de danças. Por isso o folclore é rico. Dentro do mesmo ritmo, cada freguesia têm danças diferentes.
Em que eventos participam habitualmente?
Participamos em todos os eventos que a ilha promove. Vamos a festivais, a festas comemorativas de aniversário, a casamentos, a comemorações do 25 de Abril, vamos às Festas do Divino Espírito Santo, fazemos os nossos festivais e fazemos intercâmbio em Portugal continental, sendo que já fomos a vários sítios. Por exemplo, de 11 a 15 de Julho vamos a Coimbra e Coimbra virá cá entre 30 de Agosto a 3 ou 4 de Setembro. Vamos ter também este ano um grupo de França que virá cá entre 16 e 22 de Agosto. E contamos ir também a França no próximo ano ou daqui a dois anos. Já fomos às festas das comunidades no Canadá. Sempre quando somos solicitados vamos às festas. Tivemos um evento de um colóquio que houve entre médicos e dentistas, salvo erro, que fizeram o encontro na Madeira Velha e fomos animar. Ainda animamos as festas de natal dos nossos idosos, o cantar às estrelas.
Pretende acrescentar alguma mensagem no âmbito desta entrevista?
Os jovens têm que participar mais neste tipo de actividade, quer seja folclore ou outra actividade promovida pela freguesia ou concelho. Participarem um pouco mais para perceberem melhor o passado dos seus antepassados, como os seus avós. No Grupo Folclórico de São Pedro da Lomba do Cavaleiro tenho a minha filha e as minhas netas, que foram praticamente criadas pelo folclore, e elas se calhar percebem melhor, às vezes, as tradições de há anos, como a comida que se fazia, a roupa que se vestia, o gosto pela cultura e pela recolha de dados dos nossos avós.
Filipe Torres