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Viagens de uma açoriana por 15 países da América Central vivenciando a cultura dos seus povos

Nesta crónica, a jovem açoriana Cláudia Viveiros partilha alguns momentos que marcaram as suas viagens pela América Central, com passagem por vários países: Belize, Guatemala, Panamá, El Salvador, Honduras, Haiti, República Dominicana, Nicarágua, Bahamas, Cuba, Jamaica, Trinidad e Tobago, Santa Lucía, São Martinho e São Cristóvão. A micaelense, que já visitou mais de 100 países, intitula-se como “escrevivente”, tendo já publicado cerca de 20 livros, dos quais 13 são de viagem.

“Hoje partilho alguns momentos que marcaram as nossas viagens pela América Central.
O Belize é um país que destaco pelo primeiro contacto com o afamado mar das Caraíbas onde fomos surpreendidos por cardumes de peixes voadores, mas foi nos Barbados que os saboreámos.
Na Guatemala, aliei-me a um ritual ministrado por um sacerdote maia que comunicava com o fogo, colhendo das labaredas informações sobre a nossa vida privada que ninguém teria como saber de antemão. Neste país da Mesoamérica, atraída pela envolvência incógnita da Deusa do Chocolate, participei também numa cerimónia do cacau e, ainda nos arredores do Lago Atitlán, fiz oferendas a um duvidoso santo afundado em vícios corrosivos.
Na Cidade da Guatemala, em 2019, sentimos um terramoto de magnitude 6,3 na escala de Richter. Estávamos instalados num dos últimos pisos de um luxuoso hotel e, ao preparar-nos para adormecer, o nosso entorno abanava como nunca tínhamos sentido antes.
No Panamá, em 2021, explorei um pouco do Darién, considerada a selva mais perigosa do mundo. Ao recebermos a autorização de um cacique, que julgava que estávamos perdidos, fomos acolhidos por uma tribo que encara os pássaros como mensageiros. Mais tarde, juntei-me a três indígenas para uma caçada num manguezal. Fiquei atolada em areias movediças que me sugavam e, ao comunicar com a população local, vi nos olhos das pessoas o temor que as FARC promovem naquela região.
Visitámos El Salvador durante o decreto de um estado de emergência que visava conter a violência de gangues. Para controlar as altas taxas de homicídios, em 2022, o presidente vigente tomou várias medidas e éramos constantemente vigiados e protegidos pelo exército e pela polícia de turismo.
Em 2022, no dia em que embarquei para as Honduras, só me apercebi que celebrava o meu aniversário porque reparei que, durante o processo de check-in, escreveram-me uma nota no bilhete de avião a desejar-me os parabéns. Infelizmente, o principal motivo que me levou a visitar este país não se concretizou. A inexplicável chuva de peixes, que ocorre em Yoro, só aconteceu alguns dias após a minha partida. Mas aqueles dias de espera atribuíam à incerteza um doce trago a aventura.
Testemunhei o lado mais duro da existência humana ao pisar o Haiti. Um país que ficará para sempre marcado pela sua hostilidade.
Só em 2022, na República Dominicana, é que contraímos a covid-19. Fomos contagiados pela variante Ómicron, ironicamente, quando já estávamos vacinados há cerca de quatro meses com as duas doses da pfizer.
Em 2023, visitámos o mercado mais perigoso de Nicarágua onde consegui adquirir um ovo de tartaruga e comi uma medicinal sopa de iguana. Qualquer pessoa que seja encontrada na posse de um ovo de tartaruga pode estar sujeita ao pagamento de uma multa e a uma sentença de até dois anos de prisão. O ovo ilícito, que parecia uma flácida bola de pingue-pongue, ingere-se praticamente cru e é uma experiência completamente distinta e potencialmente perigosa para a saúde. O meu primeiro almoço nestas bandas foi uma bizarra sopinha de testículos de boi acompanhada de cérebros e medulas de vaca. Já agora, gostava de anunciar que na Dominica provei um dos pequenos-almoços mais exóticos da ilha: a asquerosa e gelatinosa pele de bovino.
Nas Bahamas, fomos convidados para um requintado casamento no magnificente Atlantis. Qualquer um dos convidados masculinos poderia facilmente ser confundido com o noivo. Um dos pontos mais altos foi assistir aos fogos indoor durante o copo de água. Abençoar os noivos com as mãos estendidas na direcção deles, durante a união do casal, também foi um momento de destaque. Foi neste país insular que descobrimos que o nosso voo com destino a Havana nunca existira. Como comprámos uma passagem aérea que nunca existiu, enviaram-nos para um hotel com refeições incluídas e só no dia seguinte colocaram-nos num voo para Cuba. Em Nassau, tivemos de ficar por terra para percebermos que nas Caraíbas éramos piratas sem barco. Queríamos saltar de ilha em ilha, roubando experiências a cada desembarque, mas o nosso plano já se começava a moldar numa série de imprevistos.
Havana é uma bela dama envelhecida sentenciada ao suplício dos seus habitantes. Nesta cidade, eu vi a chocante realidade em que a maioria dos cubanos se encontra a viver. Pude ver pessoas de pé, aguardando a noite inteira o seu lugar em longas filas de espera na esperança de, no dia seguinte, conseguirem ter acesso a bens de necessidade básica. Todos os cubanos têm uma caderneta de racionamento que estipula quantidades irrisórias de víveres por cidadão. De Cuba, guardo identidades cujas histórias não poderei compartilhar para não comprometer a integridade física de ninguém. Cuba abraçou o comunismo e mantém o seu povo oprimido desde então.
Em Trinidad e Tobago e em Santa Lúcia tivemos encontros muito especiais com rastafáris. Percebi porque é que a cannabis pode ser considerada sagrada.
Em Ocho Ríos, alugámos um quarto a uma típica família jamaicana que nos preparou bolachas e gomas com elevadas doses de THC. Numa fase inicial, eu permaneci alguns minutos paralisada da cintura para baixo e em todo o lado direito do meu corpo. Depois, o meu braço destro começou a ganhar vida. Sem qualquer controlo, vi a minha mão não dominante a ter vontade própria e a demonstrar-me amor. Eu e o meu marido, a certa altura, até conseguimos falar telepaticamente um com o outro. Foi surreal ouvir as nossas vozes fluírem sem movermos a boca. Acabámos por ter uma série de revelações que nos levaram a interromper alguns planos de viagem para voltarmos ao Médio Oriente antes de renovarmos o nosso casamento no Peru.
Em São Martinho, no lado holandês, experimentei vários jet blasts na única praia do mundo onde é possível senti-los. Para aterrarem, os aviões também transitam poucos metros acima de nós, proporcionando-nos uma adrenalina invulgar. Foi desta ilha que, rumo a São Cristóvão, voámos numa avioneta que esteve a ponto de despenhar-se no mar. Senti imenso medo de não morrer com a queda. Ficar à deriva, naquele mar agressivo, parecia mais assustador do que falecer na sequência de um impacto. Poucos meses depois, constatei que este episódio me deixou sequelas.
É toda esta imprevisibilidade que me faz colocar a mochila às costas à procura de mais mundo do mundo.”

Cláudia Viveiros 
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