A Esclerose Múltipla é uma doença que, em estimativa, em 2021, afectava cerca de 8 mil portugueses. É uma doença que surge, habitualmente, entre os 20 e 40 anos e afecta o cérebro e os nervos do corpo. Hoje, 30 de Maio, comemora-se o Dia Mundial da Esclerose Múltipla. Em entrevista ao Correio dos Açores, Sofia Correia, médica de família, explica quais são os primeiros sintomas e sinais da doença e o papel que o médico de família tem no acompanhamento dos portadores desta doença.
Correio dos Açores – O que é a es-clerose múltipla?
Sofia Correia (Médica de família) – A esclerose múltipla é uma doença auto-imune. Isto significa que o nosso sistema imunitário ataca o organismo em vez de defendê-lo de ameaças, não se sabendo bem, no caso da esclerose múltipla, o que provoca esta reação anormal.
Quando habitualmente surge esta doença?
Habitualmente surge entre os 20 e 40 anos e é mais frequente em mulheres. Afecta o cérebro e os nervos do nosso corpo. Os nervos são estruturas que transmitem mensagens entre o cérebro e o resto do corpo. Estão revestidos por uma camada protectora constituída por uma substância chamada mielina. Nas pessoas que têm esclerose múltipla, esta camada protectora fica danificada em diferentes locais, o que impede os nervos de funcionarem normalmente.
Quais são os principais sintomas e sinais desta doença?
Algumas pessoas com esclerose múltipla podem ter poucos sintomas. Outras apresentam sintomas mais importantes e debilitantes, sendo a evolução da doença imprevisível.
Para muitas pessoas, os primeiros sintomas podem afectar a visão. Vêem imagens a duplicar ou têm dificuldade em ver as cores. Outros sintomas são alterações da sensibilidade, como adormecimento ou formigueiro em partes específicas do corpo. Pode também acontecer a perca de força num ou mais membros, eventualmente acompanhada de contratura em diversos músculos, que pode provocar dor.
A variabilidade de sintomas é uma das suas principais características, o que torna o seu diagnóstico complexo e desafiante. Perante a existência de queixas, deverá haver uma avaliação pelo médico assistente, pois várias doenças podem ser confundidas com esclerose múltipla. O facto do médico de família acompanhar, de forma continuada, ao longo do tempo, as pessoas de quem cuida, pode ajudar a aumentar o grau de suspeição desta doença, com subsequente encaminhamento para consulta de neurologia para estabelecimento do diagnóstico, terapêutica e posterior acompanhamento.
Há uma panóplia de sintomas associados à esclerose múltipla, mas, com frequência, as pessoas sentem apenas alguns. Os sintomas podem não estar sempre presentes. Depende do tipo de esclerose múltipla. Cerca de 85 em cada 100 pessoas com esclerose múltipla apresenta, inicialmente, surtos (períodos de agravamento dos sintomas da doença que podem durar desde poucos dias a semanas) e remissões (períodos em que os sintomas da doença desaparecem ou não existem novos sintomas). Podem ficar sem sintomas meses ou mesmo anos. No entanto, ao longo dos anos, pode acontecer que alguns sintomas não desapareçam completamente após cada surto.
Actualmente, não há cura para esta doença. Quais são os tratamentos disponíveis?
Não existe um tratamento que consiga curar completamente a esclerose múltipla, mas há tratamentos que aliados a cuidados adequados podem melhorar os sintomas e a qualidade de vida, diminuir a velocidade de progressão da doença e ajudar as pessoas com esclerose múltipla a viver vidas activas e saudáveis. É uma doença muito variável e com evolução diferente entre pessoas, sendo necessário ajustar o tratamento a cada caso.
Quais são os cuidados que se deve ter no dia-a-dia?
No acompanhamento das pessoas com esclerose múltipla é frequente a necessidade do envolvimento de várias especialidades médicas, para além da neurologia, consoante os problemas apresentados (medicina física e reabilitação, oftalmologia, urologia, psiquiatria), e de outros profissionais, tais como psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, entre outros. O médico de família pode ajudar nesse sentido ao identificar determinadas necessidades e proceder ao encaminhamento e coordenação entre profissionais. Tem também um papel importante ao incentivar a adopção de hábitos de vida saudáveis com o intuito de melhorar a qualidade de vida destes doentes. Está recomendado, no que toca a cuidados a ter no dia-a-dia, a prática de uma alimentação variada e equilibrada, uma adequada hidratação, a prática de exercício físico regular, a gestão do stress, o não fumar, e a evicção do calor.
Esta doença, ao atingir adultos jovens na fase mais produtiva das suas vidas e sendo uma doença com evolução imprevisível, é habitual que provoque sentimentos de insegurança e angústia nos doentes e nos seus familiares. A possibilidade de incapacidade e as incertezas que o diagnóstico acarreta podem gerar atitudes defensivas, quadros depressivos e alterações na dinâmica familiar. O médico de família, ao acompanhar o doente e a sua família, encontra-se numa posição privilegiada para identificar esta problemática e intervir atempadamente.
O médico de família pode também apoiar estas famílias na programação da sua vida futura. É importante o aconselhamento sobre métodos contraceptivos, quando não existe desejo de expandir a família. Isto significa que deverá ser promovido o agendamento de consulta de planeamento familiar nas unidades de saúde a que pertencem. Havendo desejo de uma gravidez, mantém-se a importância da frequência deste tipo de consulta, pois apesar de a gravidez não estar habitualmente contra-indicada na esclerose múltipla, há vários factores a ter em consideração no seu planeamento e acompanhamento, havendo necessidade de referenciação a consultas hospitalares por ser imprescindível o envolvimento do neurologista e obstetra na fase da pré-concepção, gravidez e no pós-parto.
Quais são os principais problemas dos portadores da esclerose múltipla?
É difícil de prever de que forma a esclerose múltipla irá afectar cada pessoa individualmente. Diferentes pessoas são afectadas de formas diferentes. Os sintomas de esclerose múltipla podem parecer bastante assustadores, mas há muito que se pode fazer para ajudar estas pessoas e respectivas famílias a sentirem-se melhores.
Filipe Torres