Jorge Rita, no Dia Mundial do Leite
Correio dos Açores – Qual é o estado actual da ‘fileira do leite’?
Jorge Rita (Presidente da Federação Agrícola dos Açores) – Neste momento, estamos numa situação de uma aparente acalmia devido à situação actual do sector. As perspectivas europeias e internacionais em relação ao leite são de ligeiras subidas de preços. Portanto, já começa a haver algumas indicações de subida de alguns países da Europa, com o caso concreto dos Países Baixos e de outros, e isso é sempre algo positivo.
Obviamente que, na Região, o leite, sendo um sector vital na nossa economia, nem sempre tem tido o devido acompanhamento na sua valorização. É esse o nosso grande problema quando se fala de leite nos Açores.
Temos algumas deficiências na produção devido a algumas situações que temos de melhorar. Aqui tem se falar de investimentos do Governo Regional, que não têm sido poucos, mas ainda têm que ser muito mais. Estamos à espera do próximo Quadro Comunitário de Apoio, porque há muita necessidade de modernizar as explorações agrícolas, de investir nas infra-estruturas agrícolas a nível de caminhos, abastecimento de água e luz ainda há muito para fazer em muitas ilhas em relação a essa matéria. E, claramente, isso prejudica o custo de cada leite produzido derivado.
A falta da mão-de-obra começa a ser um problema gritante em muitos sectores da actividade, e mesmo no sector leiteiro é em demasia. Depois, há alguma desilusão de muitas famílias com grande tradição que faz com que os jovens tenham dificuldade em acreditar nesse sector. Penso que temos de inverter esse paradigma.
Em relação ao preço do leite, continua a existir um diferencial muito acentuado dos preços à produção praticados nos Açores e os que estão em vigor em Portugal continental e na Europa. Sabendo que existem custos que estão alocados essencialmente a nível de transportes, isso faz com que tenhamos sempre algumas dificuldades na Região.
A indústria, ao invés de imputar estes custos acrescidos que têm ao preço da matéria-prima, ou seja, à compra do leite, devia organizar-se e reivindicar perante os Governo Regional e da República e até a própria União Europeia, se for possível, para fazer com que os transportes sejam mais baratos e a energia mais barata. Ou seja, é determinante que os combustíveis e transportes sejam mais baratos para a indústria para que, depois, os industriais possam replicar esta baixa de custos, de forma positiva, no preço do leite.
A indústria tem evidenciado, ao longo dos anos, pouca apetência para este tipo de conversações. Só ultimamente é que tem mostrado alguma disponibilidade para falar sobre isso. Ao reduzir os seus custos e tornar as suas fábricas mais eficientes, esta é uma forma de poderem compensar melhor os produtores.
Portanto, começa-se a criar condições para o preço do leite aumentar nos Açores…
Isso seria importante. A expectativa legítima que os produtores têm, neste momento, é esta. Começa a haver indicações positivas e não há mais produção na Europa. Ou seja, há todas as condições, neste momento, para os agricultores e produtores de leite começarem a pensar numa subida do preço do leite nos próximos tempos.
Há um impacto considerável dos transportes marítimos na matéria-prima importada e nas exportações dos produtos transformados…
Há algo que a indústria tem de fazer rapidamente: agir perante o Governo Regional, Governo da República ou até a União Europeia para que os seus custos também baixem. E, quando estamos a falar de custos, estamos a falar daquilo que eles consomem em termos de combustíveis, energia e dos transportes. Penso que essa é uma boa bandeira de reivindicação para que eles possam e devam pagar mais pelo preço do leite.
Hoje em dia há, cada vez mais, a consciência de que os industriais de lacticínios não podem apertar muito mais com os produtores porque a situação já é muito difícil. Os industriais conhecem as dificuldades da produção de porque os produtores também recorrem a eles e algumas dessas indústrias de lacticínio têm servido até como banco para alguns deles. Não era isso que nós pretendíamos nem o que nós gostávamos. Mas, de qualquer forma, este é o cenário actual.
Estamos mais ou menos no limite de produção de leite do último ano. E, não há muitos alimentos disponíveis novamente. Devido às alterações climáticas que se fazem sentir na Região, este tem sido um ano com algumas dificuldades ao nível do corte de ervas. Não vamos ter um ano de grande abundância de alimentos em termos de ervas. As sementeiras dos milhos agora é que começaram e, em alguns casos, estão um pouco atrasadas derivado às questões climatéricas.
Sabemos que, em relação aos custos de produção que estão muito altos, ao nível dos fertilizantes os preços estão a baixar e as rações também. Ou seja, há uma melhoria do rendimento que os agricultores não previam, essencialmente, pela baixa dos custos de produção que é boa. É bom frisar que estes custos de produção ainda estão em alta, mas que houve uma melhoria comparativamente ao ano anterior.
Acredita no POSEI Transportes?
Acredito e essa deve ser uma bandeira da Região Autónoma dos Açores. Não percebo o que se irá passar nas próximas eleições europeias. Tínhamos a expectativa, de a Região voltar a ter dois deputados ao Parlamento Europeu. Pelo menos, a Região Autónoma dos Açores tem a obrigação de reivindicar a eleição de dois deputados, como já aconteceu no passado.
Vimos as sequelas que se fizeram sentir em todos os sectores da actividade económica do facto de a Região não ter deputados ao Parlamento Europeu. Sabemos que são dois no meio de muitos, mas obviamente que esses dois têm que ser inseridos sempre em famílias políticas a nível europeu com grande capacidade de decisão e depois têm os seus próprios gabinetes que ajudam a influenciar algumas medidas.
Sabemos que houve eurodeputados eleitos pelos Açores que fizeram trabalhos excepcionais. Tivemos eurodeputados brilhantes na União Europeia. Basta fazer uma retrospectiva das reivindicações que eles fizeram e conseguiram para a Região.
Se não se eleger deputados ao Parlamento Europeu pela Região Autónoma, esta será uma situação no muito desagradável, principalmente a nível da AD. A colocação do nosso eurodeputado no oitavo lugar na lista da AD, que pode não ser eleito, representa um retrocesso a nível regional inaceitável. Pela dimensão e conhecimento que a pessoa indicada tem, a nível europeu, penso que seria uma mais-valia ter ido num lugar muito mais seguro em termos de elegibilidade. Obviamente que o PS tem o seu deputado pelos Açores quase garantido. Ou seja, poderemos ter um ou dois eurodeputados. Um terá sempre o seu mérito de lá estar, mas dois seria sempre o ideal.
Em relação à defesa da bandeira do POSEI Transportes, é notório que os custos dos transportes oneram toda a nossa economia.: Tudo aquilo que nós importamos, tudo aquilo que nós exportamos, tudo aquilo que nós consumimos.
Todos sabemos que temos os transportes marítimos mais caros do país. Para a nossa economia isso não é bom sabendo o quanto onera cada produto que se exporta e se importa. Por isso, faz todo o sentido que o POSEI Transportes seja uma das grandes bandeiras da Região Autónoma dos Açores.
Os Açores e a Madeira dão muito mais Portugal a Portugal e muito mais Europa à Europa até pela dimensão oceânica que nós temos. (…) Portanto, os Açores dão muito mais a Portugal e à Europa e devem ser compensados nesta área dos transportes marítimos.
Começa a haver, nos Açores, pais com dificuldades em manter as lavouras na família porque os filhos se estão a afastar…
É verdade. Todos nós temos tido um discurso, ao longo do tempo, – o meu também inclusive -, de que uma das grandes preocupações do sector está muito relacionada com o rendimento. Ou seja, produzir leite nos Açores ou em qualquer parte do mundo é extremamente difícil porque é uma vida de 365 dias por ano. Não há muitas profissões com 365 dias de trabalho por ano e quando essas profissões não são bem remuneradas e esses rendimentos não dão sustentabilidade e confiança, causa pânico em cada um das famílias.
Por exemplo, em Dezembro, que é um mês em que quase todas as pessoas recebem mais um ordenado, é um mês em que quase todos querem a pacificação e paz na família em todo o lado. Ora, quando uma indústria baixa o preço no mês de Dezembro, que indicação está a dar aos lavradores e às suas famílias? Está a levá-los para o abismo, psicologicamente está a arrasar essas famílias que vivem destes rendimentos. Depois, os pais em casa começam a ter dificuldades a comunicar com os filhos de que esta é uma vida excelente quando todos os dias estão preocupados. A preocupação com que vivem o dia-a-dia, a complexidade que existe em termos burocráticos, de papéis, tudo aquilo que são as exigências da comunidade, das indústrias e da sociedade para ter um produto de excelência, os produtores percebem tudo isto. O que nós pretendemos é, precisamente, que o leite que produzimos tenha a devida compensação e valorização, que é aquilo que não acontece. Ou seja, na prática, temos sempre um dilema que é a falta de valorização do nosso produto
Temos de estar todos integrados, as indústrias, o governo, a produção, a distribuição no sentido de valorizar o que produzimos. E é isso que estamos a tentar fazer, mas o discurso constante de dizer que é uma vida difícil surge pelo desconforto, descontentamento, por falta de confiança e por falta de segurança num sector tão importante quanto o nosso.
E não há um sentido de esperança?
Há, obviamente. Sou daqueles que, apesar de não ser do Sporting, sou um homem de muita esperança… E acredito. Este sector vai ter sempre muitas dificuldades mas ninguém é capaz de pensar em qualquer tipo de economia na Região Autónoma dos Açores sem o sector leiteiro. É impensável. Daquilo que conhecemos, não há sector mais importante, em termos de economia e em termos de fixação nos meios rurais, do que a agricultura porque nós produzimos bens transaccionados com excelente capacidade de exportação, com produtos reconhecidos no mercado e com a marca Açores associada. Portanto, um leite como matéria-prima de excelência e produtos lácteos de excelência.
Tem defendido um maior investimento na produção e internacionalização dos produtos lácteos.
Com certeza. Esse é um trabalho de que o Governo Regional não pode ficar isento. A Região vai valer sempre por aquilo que exporta e não por aquilo que importa. Nós temos produtos de excelência já com alguma capacidade de exportação, como o ananás, o chá (…). São produtos gourmet ligados à marca Açores. Depois temos os nossos produtos, que são os leites e os derivados do leite, que ganham prémios em todos os concursos onde vão. O que precisamos é de valorização e nisso temos de ser muito mais consistentes, persistentes e acreditar que estamos bem.
O Governo precisa de agarrar estes produtos, esta âncora que temos na Região, e colocá-la em patamares muito acima do que estamos, com boas campanhas de marketing durante 365 dias por ano, tal como os 365 dias em que produzimos.
Se o Governo conseguir ajudar as indústrias a valorizem melhor o seu produto no mercado, a indústria, de certeza absoluta, poderá pagar mais aos seus produtores, que é isso que pretendemos: que toda a fileira ganhe.
Que estímulos deveriam existir para os jovens se ligarem mais à produção de leite?
Falamos dos jovens porque eles são o futuro. Todos temos a responsabilidade de tentar agarrar os jovens. Eles percebem que hoje temos um sector modernizado. E o PRR – Plano de Recuperação e Resiliência poderá premiar alguns jovens agricultores em algumas áreas. Sabemos que eles estão muito preocupados com a questão da tributação da Segurança Social. Nós estamos a tentar inverter esta situação, com ajudas que lhes possam compensar. Isto está mais ou menos concertado com o Governo Regional.
Além disso, um jovem para vir hoje para um modelo de produção de leite não vai querer ir para o modelo do passado. Já pensa muito na digitalização, já se fala muito nos robôs e nos drones, ou seja, algo que possa vir a ser diferenciador do que era há 20 ou 30 anos nas nossas explorações de leite. E aí sim, é com este interesse, pela parte informática, pela área da digitalização que se faz hoje na modernização das explorações que se pode atrair os jovens. Não é apenas no leite, mas também já acontece na área das produções hortícolas e frutícolas já começa a haver uma grande monitorização a nível do sistema informático. E isso fará a diferença para que os jovens possam vir. Deixam de ter aquele comportamento que os pais tinham durante muitos anos que era apenas trabalho e hoje podem ter trabalho mas, com algum ciclo de conhecimento científico. Esta será uma ferramenta muito importante para cativar os jovens.
Está a colocar a questão entre o tempo em que se tirava o leite à mão e a robotização da uma ordenha…
A falta de mão-de-obra pode levar a isso, a possibilidade da robotização nas ordenhas, na alimentação dos animais. Ou seja, estamos a falar de tecnologia de ponta. Ainda não pode ser generalizada a todos os produtores, mas, algumas explorações de topo que temos podem ir neste caminho e esta também será uma forma de agregar alguns jovens. Se há forma de os cativar a vir para o sector é pela via do crescimento tecnológico que a própria exploração teve. Todos sabemos que os mais jovens têm uma facilidade incrível a nível da digitalização. Isso poderá ser um clique que poderá fazer diferença em algumas explorações e depois iremos chegando aos outros. É preciso criar muitas condições atractivas para que os jovens se sintam úteis e fazer algo diferente que foi feito durante uma vida inteira pelos pais.
Tem que se reconhecer o mérito pelo trabalho que foi feito, mas com a evolução e os pais a passarem para os filhos o que fizeram até ao momento, obviamente que os filhos podem dar continuidade ao trabalho dos pais com um salto qualitativo nessas áreas da digitalização e das novas tecnologias. Já sabemos que nem todos vão investir para ter robôs. Alguns poderão ter robôs e outros drones. Há muita ferramenta disponível e vai haver apoio para a área da digitalização. Para além do rendimento e da confiança que queremos transmitir aos jovens, é importante eles sentirem que podem ser importantes e úteis para além da importância que podem dar na nossa economia. Isto também é um desafio para as escolas em termos pedagógicos, que a agricultura é importante e essencial na sustentabilidade humana, do ambiente, do planeta, e da alimentação.
As pessoas já pensaram em alimentação sem agricultura? Isso não existe…
João Paz