Para assinalar o Dia Nacional do Pescador, celebrado no dia 30 de Maio, o Correio dos Açores esteve à conversa com Leonel Moniz. Filho e neto de pescadores da vila de Rabo de Peixe, com apenas 23 anos é mestre da embarcação ‘Goretti Perinho’. Nesta entrevista, o jovem pescador conta o que o levou a escolher esta profissão desde tenra idade e reflecte sobre a necessidade de melhorar as políticas públicas regionais neste sector tão importante para Açores.
Correio dos Açores – O que o fez escolher esta profissão?
Leonel Moniz (Mestre da embarcação ‘Goretti Perinho’) – Sou mestre de uma embarcação há 6 anos, desde os 18 anos de idade. Terminei os estudos e comecei a traçar o meu rumo nestes mares. Fui criado numa família de pescadores. O meu avô materno era pescador e tinha uma embarcação dedicada à pesca do chicharro. O meu avô paterno também começou com uma embarcação dedicada à pesca do chicharro e com o passar dos anos comprou um barco palangreiro maior. Sempre tive um enorme gosto por esta vida.
Durante as férias da escola, saía com o meu pai para o mar. Na altura muito complicado, pois demorei quase 3 anos para me habituar no mar. Durante este período tinha muitos enjoos e era muito difícil trabalhar assim. O meu pai insistia várias vezes para ficar em terra, mas eu nunca desisti. Terminei os estudos e meu pai entregou-me a chave do barco, pois viu o meu gosto e dedicação por esta profissão. Desde então comando uma tripulação de dez homens. Para dizer a verdade, os enjoos só pararam quando comecei a sentir a responsabilidade de ser mestre. E, desde então, venha o que vier pela proa, estou sempre firme.
Qual é a história do seu barco?
A embarcação pertence ao meu pai. Chama-se “Goretti Perinho” e o meu pai comprou-a em Santa Maria. É uma embarcação totalmente equipada com dois geradores de energia, água quente, cozinha, televisão, internet, sistemas de armazenamento e congelação do pescado entre outras mais condições. Comando esta embarcação há três anos, sendo o meu pai o segundo dono.
Como é um dia na vida de um pescador?
O nosso dia começa muitos antes da alvorada, que é a melhor altura para pescar. Continuamos a trabalhar e a pescar arduamente até à pausa do almoço, que é o mínimo de tempo possível pois tempo gasto significa menos peixe no barco. Voltamos ao serviço até ao jantar e ainda aproveitamos o anoitecer, que é quase tão bom como o amanhecer, para pescar. Noutras circunstâncias, o trabalho prolonga-se por muitas mais horas, e, por vezes, terminamos o dia à meia-noite. Tomamos um duche e descansamos para voltarmos ao ritmo em poucas horas.
Quais são os maiores desafios do seu dia-a-dia?
As maiores dificuldades que encontramos são, sem dúvida, as adversas condições meteorológicas, nomeadamente a ondulação alta e os ventos fortes. Também existem percalços durante a pesca, como os predadores que devoram o nosso pescado e afugentam o peixe; avarias inesperadas e, por vezes, a falta de peixe nos pesqueiros.
Qual o tipo de pesca que praticam?
Esta é uma embarcação polivalente. Durante o Inverno trabalhamos de “linha de mão”, uma arte dedicada à captura de lulas e alguns peixes de profundidade. Durante o Verão, quando começa a época do atum, trabalhamos de “salto e vara”, uma arte dedicada à captura de atuns.
Tem uma equipa muito jovem. Acredita que os jovens ainda têm interesse na pesca como profissão?
Tenho uma tripulação de dez homens, desde os 19 até 62 anos de idade, sendo a maior parte jovens adultos. Vejo cada vez menos jovens com interesse na pesca. Com todas as dificuldades, cortes nas quotas, tamanhos mínimos do pescado, zonas reservadas e falta de peixe, torna-se muito complicado atrair os jovens para esta actividade.
Quais são as mudanças mais significativas que observou nosector da pesca ao longo dos anos?
Ao longo dos anos, observei muita degradação de pesqueiros. Lembro-me de ir ao mar com o meu pai em viagens de bem mais curtas do que as que se fazem actualmente, pois havia muito mais peixe.
Qual é a sua opinião sobre as políticas governamentais em relação à pesca na Região?
Na minha opinião, a pesca nos Açores não está a ser bem governada. Este ano, assim como há alguns anos, a quota do atum está a ser muito mal gerida. Com uma abundância de atum patudo nos mares dos Açores, a quota tem-se esgotado muito antes dos meses que, supostamente, eram os mais fortes, quando as águas estão mais quentes e mais propícias à criação de manchas (grandes aglomerações de atum patudo que se abrigam durante muito tempo debaixo das embarcações que se tornam num “íman” atraindo vários cardumes à mancha). No fundo, apanhou-se muito atum e não lucraram nada.
Porque é que não se lucrou nada com tanto atum pescado em pouco tempo?
Quando refiro o esgotamento da quota do atum patudo em tão pouco tempo com muito pouco lucro, estou a falar do descontrolo de descargas diárias. Muitas embarcações saíam para o mar e traziam grandes quantidades de atum diariamente, chegando a uma média de 50 toneladas de atum a serem vendidas em leilão na lota de Ponta Delgada. Quando há muito peixe o preço reduz drasticamente, ao ponto de se vender atum ao preço absurdo de um euro por quilo.
Hoje em dia o pescador consegue rendimentos suficientes para viver da pesca?
Existem diferentes cenários na pesca. Actualmente, as embarcações locais mais pequenas, sem autonomia e condições para pescar mais longe, sofrem muito com as poucas quantidades de peixe capturadas diariamente. Já as embarcações costeiras maiores possuem condições para ir até pesqueiros mais distantes, como no Grupo Central, estas, na maior parte das viagens, conseguem ser mais eficientes e mais rentáveis, mas como o mar é incerto, podem aparecer viagens boas e outras menos boas.
Existem tradições ou superstições que ainda se mantêm vivas entre os pescadores?
Ainda existem várias tradições e superstições, e muitas delas ainda são praticadas. Todas a saídas, após sair o farol, tiramos todos os chapéus e benzemo-nos, pedindo a Deus uma boa viagem e uma boa pescaria. Uma superstição que ouvia os pescadores mais antigos dizer é que não se podia levar amendoins e favas, e também não se podia assobiar no mar pois traria má sorte.
Tem alguma história que tenha passado na faina da pesca e que nos queira contar?
Quem é pescador tem muitas histórias. Uma vez, na pesca de salto e vara, estávamos no último dia da viagem, numa grande mancha de atum, com o porão completamente vazio, foi quando se juntou um grande cardume de atum e em poucas horas conseguimos encher o porão com uma média de 8 toneladas. Numa hora estávamos todos tristes e sem esperança, noutra já íamos alegres para casa.
Que mensagem quer deixar neste dia?
Neste dia especial apelo a todos os pescadores para zelarem pelos nossos mares que é o nosso ganha-pão, a nossa casa e a nossa vida. Desejo um feliz dia a todos os pescadores. Que venham marés de sorte e ventos de bonança.
Daniela Canha