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Crónica da Madeira: Entre o silêncio e o mar estava a amizade

A grande homenagem ao Poeta Cabo-Verdiano Jorge Barbosa, nos 122 anos do seu nascimento.São as pessoas que me fazem apaixonar pelas terras e nessas descubro até na aridez dos desertos a beleza que dá vida à vida.
Ao Dr. Olavo Correia é um governante que está à altura do povo que governa.
“Porque trago no peito um pássaro fechado, que não posso soltar!… Jorge Barbosa

Começo por si Senhor Vice-Primeiro Ministro, perdoe-me não dizer excelência, mas o seu humanismo é de tal ordem que sei que o tratamento protocolar não o envaidece e, portanto, tratá-lo-ei como um cabo-verdiano, digno de respeito e admiração pela sua forma tão exaltante de governar, assente na sua formação humanista consciente de que para governar é preciso estar à altura dos povos. O Dr. Olavo Correia faz parte da plêiada de governantes que servem os cidadãos eleitores e não se servem a si mesmos. Como está agora muito em voga, corruptos. Não vou falar de si como Ministro das Finanças, de Cabo Verde, já escrevi, numa das minhas crónicas, da sua habilidade e talento, em como tendo orçamentos tão reduzidos consegue fazer tanto! O que me entusiasma em si é a sua teimosia pela cultura; esse seu olhar entornado num setor tão sensível quanto fundamental na vida dos cabo-verdianos; na vida de todos os povos. Tive ocasião de lhe referir que jamais encontrei um Ministro das Finanças que se interessasse tanto pela cultura e dela fizesse “cavalo de batalha”. Porque a cultura é um alicerce para a formação das pessoas e porque o Senhor Ministro sabe o que isso representa como um bem maior para o seu povo. Fá-lo certo de quanto mais cultivado ele estiver, mais humanizado estará; melhor saberá resolver os seus problemas e mais interveniente será, porque elucidado, na democracia, ajudando a construí-la mais sólida, saudável e justa. Há um aspeto que não posso deixar de louvar: a colaboração valiosa e frutífera, com o seu colega da cultura, um Ministro jovem que, certamente, fará da sua carreira uma caminhada de amor e de sabedoria, pelo país e pelos cabo-verdianos. Dr. Abraão Vicente governar não é fácil, sobretudo onde os meios materiais são escassos, mas a vontade de fazer; de ajudar a construir um país melhor, mais justo socialmente, é muita. A triologia: Ministro das Finanças, da Cultura e Presidente da Assembleia da Câmara da Praia, dra. Clara Marques, resultou não só na grande homenagem ao Poeta Jorge Barbosa, poeta do mundo, mas também na “Rampa dos Poetas mortos”. Em tudo isto há subjacente o pensar dessa grande mulher, poeta e escritora Vera Duarte. Alias, em tudo o que é de cultura o seu nome, o de Daniel Medina e João Lopes Filho, estão ligados, para bem do país.
A Rampa dos poetas mortos, não é apenas um enorme muro, com os retratos pintados, dos grandes poetas cabo-verdianos; é muito mais do que isso: é uma viagem espiritual ao mundo da cultura, e nessa colocam-se os que tanto contribuíram, com as suas sabedorias, para um enriquecimento cultural do país e que com as suas vozes cantaram-no, na sensibilidade das palavras, arrancadas, em momentos diferentes, das suas almas. Mas sendo uma homenagem póstuma é de um alcance extraordinário sobressaindo a pedagogia e recordando às novas gerações e, às futuras, a importância da poesia, como mensagem que incentiva e desperta talentos. Louvar e exaltar os poetas, os escritores é colocá-los em destaque nas ruas, ao alcance de todos. É um ato de grande sensibilidade de quem governa e decide avivar a memória a um público mais vasto que se esquece dos seus escritores, dos poetas, dos artistas. Um povo que não lê e não conhece os seus escritores é um povo que não entende a própria vida. Os governos apoiam, não traçam diretrizes culturais. A liberdade de expressão, de criar, não se circunscrevem a regras…
Senhores Ministros felicito-vos por essa vossa sintonia em proporcionar aos cidadãos esse mundo da cultura. Enquanto tantos governos arrumaram em gavetas, escritores, poetas, músicos, artistas, deixando-os na escuridão do esquecimento, proporcionando a aridez a uma juventude divorciada dessa realidade. Os Senhores Ministros, trazem para a rua os poetas e os escritores para que sejam admirados e respeitados.
Nos 122 anos do nascimento de Jorge Barbosa, quis o governo cabo-verdiano que esta data não passasse em branco. Era imprescindível celebrar o grande poeta de Cabo Verde, de Portugal, do mundo. No prefácio do “Arquipélago”, Ondina Ferreira, numa excelente prosa, interpreta de maneira sábia a poesia de Jorge Barbosa: “É bom que a geração de hoje saiba que Jorge Barbosa, tal como Osvaldo Alcântara, Baltazar Lopes da Silva, Manel Lopes, António Aurélio Gonçalves entre outros, todos eles cedo conheceram o respeito a admiração das gentes das ilhas, como homens de saber, os sábios das ilhas. Eram os seus verdadeiros heróis, que se distinguiam do comum dos conterrâneos. Eram reconhecidos nas ruas e nos sítios por onde passavam, quase venerados e estimados por aquilo que representavam para estas ilhas.”
O livro “Arquipélago” é um hino de amor às ilhas, retratados nas suas diversidades.
Jorge Barbosa, envolto de um sentimento arreigado na alma e dependurado na beleza da poesia, oferece-nos momentos altos e inesquecíveis de uma obra extraordinária e única.
Elisa Rodrigues dos Santos: “a insular idade em Jorge Barbosa que é antes de mais nada, cabo-verdiana e, desse modo se particulariza. A ilha pela sua própria definição contém uma dicotomia na perspetiva espacial fechado / aberta; dentro/ fora, instaurado outras dicotomias a nível psico”.
Falar de Jorge Barbosa é trazer a força e a beleza da sua poesia que transporta num abraço fraterno o desenho das ilhas e a doçura das suas gentes.
O seu busto, artisticamente conseguido, pela semelhança, colocado na porta do Ministério das Finanças, casa onde viveu o poeta, será uma razão para ali se deslocarem os que fazem da cultura uma peregrinação de esperança e enriquecimento espiritual.
Destroços de que continente,
de que cataclismos,
de que sismos,
de que mistérios?…
Ilhas perdidas
no meio do mar,
esquecidas
num canto do mundo

  • que as ondas embalam,
    maltratam,
    abraçam….
    Jorge Barbosa

Debruçados sobre o Oceano Atlântico
o olhar fixou-se na linha do horizonte
e a tarde vestiu-se de noite

À tarde, envolta naquela luz que nos faz escravos da saudade, até que a noite chegue e o vento faça trémulas as luzes, refletidas no mar imenso, povoado pelos pequenos barcos dos pescadores, em partida para a fauna noturna da pesca. Ali onde cheguei, aquela pequena praia, semideserta, onde incrivelmente três suínos brancos corriam de um lado para o outro, a poeta e querida amiga Vera Duarte e seu simpaticíssimo marido Prof António Lobo de Pina, um prestigiado investigador, levaram-me e ao jovem poeta Vítor Sousa, para desfrutarmos das nossas amizades, num restaurante construído sobre paus, mergulhados no mar. Os nossos pés pisaram as tábuas gastas do soalho marcadas pelo sal de tantos anos. Sentei-me e entre o silêncio e o mar estava a nossa amizade. Olhei para a poeta, que mantinha, aquele seu sorriso, bem característico. Nada lhe disse e aí compreendi que tendo sido ela a primeira mulher magistrada de Cabo Verde, marcada por uma inteligência brilhante, tenha recusado todos os convites que lhe fizeram, para lugares de destaque, em Portugal e na Europa. Pensei ela jamais trocaria Cabo Verde, fosse porque fosse. O seu destino estava traçado no seu país: competia-lhe, como escritora e poeta, universalizá-lo, exaltá-lo não como terras feitas de rochas e abismos, mas como um universo espiritual que se agiganta “todos os dias”, no povo derrubando todas as fronteiras. Sentado olhei o mar na sua inquietação da tarde varrida por uma brisa que batia nos nossos rostos. Uma tarde que morria, no olhar de um marinheiro vadio, nadador solitário, lutando contra as ondas: ergue-se de tronco nu e caminha serenamente, já perdido na noite, meteu-se na distância, até que a sua sombra se confundisse com a areia banhada pelo mar.
A força do poema que na manhã solarenga, eu tinha lido, e me encantara, da minha amiga poeta, vêm-me à mente e sem que ela se apercebesse, vou dizendo palavra a palavra:
Queria
sobre a relva verde dos campos
sentir teu corpo junto ao meu
Queria
nos doces lençóis da areia
ouvir tua voz marinha sussurrante
Queria apertar teus lábios
teus olhos, tuas mãos
E falar de amor
quando tudo em mim grita liberdade.
Numa gentileza que tanto me sensibilizou, o casal mandou preparar moreia frita e outras iguarias que saboreamos naquele recanto perdido do mundo ainda não poluído, enquanto a maré, aos poucos ia subindo.
Há uma fortíssima relação da escritora com o país; as suas caminhadas pelo mundo, como conferencista, escritora e poeta leva o olhar das crianças em que ela deposita a esperança de um Cabo Verde mais florescente, mas jamais atraído pelo descontrole de um turismo que prejudique as ilhas e as suas populações. Diz-me: tudo quanto se fizer terá de ser inteligentemente programado.
Digo à poeta: não sei como agradecer, aos dois, este entardecer tão romântico em que o silêncio só se rompe com o cântico das ondas. Este lugar tão longínquo da cidade, eleito para a alma dos poetas. A noite tatuada nos nossos olhos, iluminados por luzes correndo para que o vento não lhes roubasse o brilho e as fizesse tremer, alertou-nos para um regresso à cidade, já o mar então respingava os nossos pés. Foi assim que no dia 23 de maio se celebrou a amizade entre o mar e o silêncio.
Querida Vera, ter-te como amiga é uma dádiva divina. Estou felicíssimo porque no Sal inaugurarão uma biblioteca com o teu nome e, na Praia, a sala de leitura Vera Duarte. É uma justa homenagem à tua pessoa. Com a abertura destes dois locais de leitura que levam o teu nome a cultura do arquipélago mais se prestigiará e divulgará.

O almoço da despedida
O almoço da despedida, aconteceu na véspera do meu regresso e do poeta Vítor Sousa à Madeira. No restaurante “Lotus”, da cidade da Praia, reuniram-se Vera Duarte, poeta, escritora e ex-ministra da Educação do Governo de Cabo Verde, Daniel Medina, escritor, Presidente da Academia de Letras, João Lopes Filho, escritor, a cantora cabo-verdiana Gardénia, residente nos Estados Unidos da América, o poeta Vítor de Sousa e o subscrito. Independentemente do menu escolhido, os temas das conversas incidiram à volta dacultura Cabo-Verdiana; os seus poetas e escritores e como esses são respeitados no contexto da sociedade de que fazem parte. Recordei a minha experiência vivida no Irão: na realidade na Pérsia antiga os poetas eram considerados sábios e neles os Persas acreditavam com um respeito e admiração; neles depositavam o seu voto de total confiança. Durante o agradabilíssimo convívio fiquei a saber que a cadeira nº16 da Academia de Letras que ocupou o grande poeta Jorge Barbosa é agora ocupada pela Vera Duarte.
E fiquei a saber, também, que o Professor jubilado da Universidade Nova, João Lopes Filho tinha uma vasta bibliografia: a publicação de trinta e cinco livros e que a cantora Gardénia tem, em muitas cidades americanas, com a sua bonita voz tem divulgado as “Mornas”.
Naturalmente que o mais jovem dos ali presentes era o poeta Vítor Sousa, madeirense, viveu na Itália e Brasil, por curtos períodos e durante três anos fixou-se na Roménia. No seu regresso à Madeira encarregou-se dos Festivais Literários.
O que surpreendeu os presentes, foi quando o jovem poeta, declarou que já na sua primeira visita, tinha experimentado o mistério inexplicável do país e que nesta segunda, estava ainda mais atraído pela terra, isto é: gostaria de se fixar na cidade da Praia. Aproveitei a oportunidade para pedir à Vera Duarte, que o ajudasse a concretizar este seu sonho.
Falou-se ainda dos Encontros Internacionais de Poesia da Macaronésia – EIPOEMA. De que maneira os estruturar para que ganhem maior projeção. Para além dos Comissários, oficializados, constituir-se-á um concelho de cultura.
Chegou ao momento de nos despedirmos.
Não é nunca fácil deixar um país, quando encontramos pessoas extraordinárias, sobretudo, quando temos interesses comuns. Jamais dizemos, adeus, mas sim até próxima. Isso será uma realidade quando em outubro se iniciarem os voos da EasyJet, com preços muito mais acessíveis e não a exploração da TAP que um bilhete de ida-volta custou cerca de 1.300 euros.

João Carlos Abreu

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