Celebra-se hoje o Dia Mundial do Ambiente, uma data implementada durante a Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, em 1972. Em entrevista ao Correio dos Açores, Paulo Borges, professor universitário e coordenador do mestrado em Gestão e Conservação do Ambiente na Faculdade de Ciências Agrárias e do Ambiente da na Universidade dos Açores, explica a importância da comemoração desta data, os principais desafios dos Açores na área do Ambiente e deu a sua visão sobre o futuro da conservação ambiental no arquipélago.
Correio dos Açores – Qual é a importância do Dia Mundial do Ambiente?
Paulo Borges (Professor universitário e coordenador de mestrado na Universidade dos Açores) – O Dia Mundial do Ambiente, celebrado em 5 de Junho, é uma data de grande importância global por diversas razões. Criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1972, durante a Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, este dia tem o objectivo de aumentar a consciência e promover acções em prol da protecção ambiental. Este dia serve igualmente como uma plataforma para aumentar a consciencialização sobre questões ambientais críticas, como a poluição, alterações climáticas, perda de biodiversidade e degradação dos ecossistemas. Este dia é também uma oportunidade para refletir sobre o estado actual do nosso planeta e as medidas necessárias para garantir um futuro sustentável.
Quais são os principais desafios dos Açores na área do Ambiente?
Os Açores abrigam cerca de 450 espécies endémicas terrestres e marinhas. Após a colonização humana há 600 anos observou-se uma enorme perda de habitats, estando a floresta nativa original reduzida a menos de 10% da área das ilhas. Apesar de cerca de 20% das ilhas estar protegida nos Parques Naturais, estas espécies estão sob ameaça devido à degradação dos seus habitats e ao avanço de espécies exóticas invasoras a que se junta o futuro impacto das alterações climáticas. A continuada introdução de espécies exóticas, tem um impacto negativo significativo na biodiversidade local, competindo com espécies nativas e alterando os ecossistemas. A poluição por plásticos nos oceanos é uma preocupação crescente, afectando a vida marinha e os ecossistemas costeiros. O uso excessivo de fertilizantes pode contaminar o solo e os recursos hídricos, impactando negativamente o ambiente.
Quais são os principais impactes das alterações climáticas nos ecossistemas dos Açores?
Num estudo recente de modelação a equipa do Grupo da Biodiversidade dos Açores (cE3c) demonstrou que as alterações climáticas podem levar à redução de habitats e potencial extinção de espécies endémicas que não se conseguirem adaptar rapidamente às novas condições ambientais. As espécies da ilha de São Miguel seriam mais impactadas do que as da ilha Terceira, já que o Parque Natural da ilha da Terceira cobre áreas e habitats mais adequados para um maior número de espécies. Algumas espécies podem ser forçadas a migrar para altitudes diferentes para encontrar condições mais adequadas, alterando a composição dos ecossistemas.
Aumentos na frequência e intensidade de tempestades e furacões podem causar danos significativos aos ecossistemas, destruindo habitats e afectando a fauna e flora. Alterações climáticas podem favorecer também a proliferação de pragas e doenças, impactando as culturas e a vegetação natural.
Mudanças na temperatura da água podem alterar a distribuição das espécies marinhas, com algumas migrando para águas mais frias, impactando a pesca local e a biodiversidade. Por outro lado, o aumento do nível do mar pode acelerar a erosão costeira, ameaçando habitats costeiros, infraestruturas e comunidades humanas.
Há espécies em perigo de extinção nos Açores, em resultado das alterações climáticas. O que se pode fazer para travar esta tendência para uma contínua extinção de espécies?
A estratégia mais adequada será manter estudos de monitorização das espécies e seus habitats. No âmbito da minha investigação tenho estado a coordenar dois desses projectos, nomeadamente o projecto Biodiversidade de Artrópodes da Larurisilva dos Açores (BALA). Este projecto é um dos mais abrangentes em termos de monitorização de artrópodes nos Açores e em ilhas em geral. O BALA tem como objectivo inventariar e monitorar a biodiversidade de artrópodes terrestres nas florestas nativas de sete ilhas dos Açores, com um foco particular em espécies endémicas e invasoras. Realizámos amostragens em 2000, 2010 e 2020 e demonstrámos que apesar de se estar a observar uma degradação da floresta pelas espécies de plantas invasoras, a diversidade de artrópodes endémicos não teve alterações substanciais. Este resultado mostra por agora uma certa resiliência das espécies endémicas de insectos e aranhas endémicas dos Açores.
Refira-se também o projecto LIFE-BETTLES. Este projecto visa a conservação de escaravelhos endémicos dos Açores, que são considerados indicadores importantes da saúde dos ecossistemas. O projecto inclui actividades de monitorização para identificar as populações e os habitats críticos para essas espécies. O projecto iniciou-se há quatro anos e incorpora uma monitorização com armadilhas SLAM com 10 anos de monitorização (2012-2023). Com esta monitorização tem-se observado o aumento da diversidade de artrópodes exóticos e a descida da abundância de algumas espécies endémicas que vivem no solo da floresta.
Os Açores deveriam investir mais nas energias renováveis?
Penso que é claro que investir em energias renováveis não só ajuda a proteger o meio ambiente e combater as mudanças climáticas, mas também traz benefícios económicos e sociais significativos para os Açores. Os Açores têm um grande potencial para a exploração de energia geotérmica devido à sua localização vulcânica. A localização dos Açores no Atlântico proporciona um bom potencial para a energia eólica. Além disso, a energia solar também pode ser explorada, apesar das condições climáticas variáveis.
Há neste momento 21 praias de ‘zpoluição’, nos Açores, o que corresponde a 36% do total do país. A Região está no caminho certo a este nível? Qual o comentário que lhe merece?
Este é um marco notável que demonstra um forte compromisso com a preservação ambiental e traz diversos benefícios para a região. Continuar nesse caminho e procurar melhorias contínuas ajudará a garantir que os Açores permaneçam um exemplo de excelência em gestão ambiental costeira.
Na Universidade dos Açores, há o mestrado em Gestão e Conservação do Ambiente, na qual é o coordenador do curso. Quais são os objectivos da Pós-Gradução? Os interessados neste curso vão ganhar que competências? Qual a sua importância que podem ter na sustentabilidade do ambiente na Região?
O mestrado em Gestão e Conservação do Ambiente da Universidade dos Açores existe desde o ano de 2000, sempre com edições com muitos alunos e grande atracção de estudantes portugueses e estrangeiros. Este mestrado e a sua Pós-graduação associada de Gestão de Meio Ambiente, é crucial para capacitar as novas gerações de profissionais qualificados para enfrentar os desafios ambientais dos Açores e outras regiões do planeta de onde são oriundos os alunos. Através da formação técnica, científica e prática, os alunos adquirem as competências necessárias para promover a sustentabilidade ambiental, proteger a biodiversidade e garantir a gestão eficaz dos recursos naturais, contribuindo assim para um futuro sustentável do nosso planeta.
Os novos mestres poderão influenciar e desenvolver políticas ambientais eficazes, ajudando a assegurar que o desenvolvimento económico da Região não comprometa os recursos naturais. Profissionais bem formados podem contribuir significativamente para a conservação da biodiversidade, implementando estratégias eficazes para proteger espécies endémicas e habitats críticos.
Os espaços verdes nos Açores estão a ser bem conservados? É habitual dizer-se que os agricultores açorianos são os jardineiros da Região. Tem esta opinião?
Os Açores possuem várias áreas protegidas, incluindo parques naturais, reservas naturais e áreas marinhas protegidas. Estas áreas são fundamentais para a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas locais. Os espaços de floresta nativa dos Açores, conhecidos por sua beleza natural e biodiversidade única, têm sido alvo de esforços de conservação que variam em eficácia dependendo da ilha e fragmentos de floresta.
No entanto, as espécies invasoras continuam a ser um grande desafio, afectando negativamente os ecossistemas naturais. Neste momento vários projectos LIFE contribuem para o restauro de muitas áreas de floresta nativa: LIFE IP NATURA, LIFE BEETLES, LIFE SNAILS.
Muitos agricultores adoptam práticas de conservação, como a rotação de culturas, a preservação de muros de pedra (importantíssimos para a fauna e flora locais) e a gestão sustentável de pastagens. Estas práticas ajudam a manter a saúde do solo e a prevenir a erosão. Em ilhas como a do Pico e São Jorge, a integração de sistemas agroflorestais e a preservação de muros de pedra e sebes naturais com urze (Erica azorica) e louro (Laurus azorica) contribuem para a manutenção da biodiversidade e a estabilidade dos ecossistemas.
Acredita que os açorianos estão mais conscientes na preservação do meio ambiente? E esta consciencialização deveria chegar mais às escolas? De que forma?
Introduzir a educação ambiental desde cedo ajuda a formar cidadãos mais conscientes e responsáveis. Crianças e jovens que entendem a importância do meio ambiente estão mais propensos a adoptar comportamentos sustentáveis ao longo da vida.
Por outro lado, o crescimento do ecoturismo nos Açores contribui para a valorização e preservação dos recursos naturais. Turistas conscientes procuram destinos que promovem a sustentabilidade, incentivando a população local a manter esses padrões.
A crescente consciencialização ambiental nos Açores é um sinal positivo de que a população está cada vez mais ciente da importância de proteger seu ambiente único. No entanto, para garantir que essa consciência se torne uma parte integral da cultura local, é essencial investir na educação ambiental, especialmente nas escolas. Há que conhecer mais a nossa flora e fauna nativa e os nossos ecossistemas nativos.
Integrar a educação ambiental de forma mais robusta e prática no currículo escolar, envolvendo alunos, professores e a comunidade em geral, é crucial para formar futuras gerações comprometidas com a sustentabilidade. Dessa forma, os Açores poderão continuar a ser um exemplo de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável.
Na sua visão, qual é o futuro da conservação ambiental nos Açores?
O futuro da conservação ambiental nos Açores pode ser promissor, mas depende de um compromisso contínuo e concertado de todas as partes interessadas. Ter-se-á de fortalecer e aumentar a área das áreas protegidas terrestre e marinhas, promover a adaptação às alterações climáticas, adoptar novas tecnologias na agricultura que sejam amigas do ambiente, educar e envolver a sociedade, promover a sustentabilidade económica e fomentar a colaboração entre os investigadores e os gestores das áreas protegidas.
Quer deixar alguma mensagem neste Dia Mundial do Ambiente?
Gostaria de deixar algumas notas importantes: deveremos continuar a desenvolver estratégias eficazes para o controle e erradicação de espécies invasoras que ameaçam a biodiversidade nos Açores; implementar e fazer cumprir regulamentações ambientais rigorosas para proteger os ecossistemas frágeis dos Açores; incentivar práticas económicas sustentáveis em sectores como agricultura, pesca e energia, alinhando desenvolvimento económico com conservação ambiental.
O Grupo da Biodiversidade dos Açores (cE3c) está neste momento envolvido em dois projectos BIODIVERSA + (DarCo; BIOMONI), em que pretendemos utilizar tecnologias avançadas, como drones, satélites e sensores remotos, para monitorar a biodiversidade e as condições ambientais em tempo real. Pretendemos igualmente aplicar análises de grandes quantidades de dados e inteligência artificial para prever tendências ambientais e orientar decisões de conservação.
Filipe Torres