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O 6 de Junho e a Autonomia

1.Os antecedentes
No dia a dia, correlaciona-se a Autonomia com tempos muito próximos. Na verdade, os populares descobrem a sua origem nas transformações democráticas de 1974 a 1976, do surto da Revolução à promulgação da Constituição. Já os estudiosos recuam à década de 1920, de concreto, ao alvoroço da 1ª República e ao assomo do Regionalismo, ou ainda às reivindicações de finais do século XIX, devidas à dupla crise insular e continental e aos movimentos mais tardios de emancipação colonial.
Antes das incidências dos nossos dias, identificamos efetivamente dois movimentos autonomistas, no termo de oitocentos e no 1º terço de novecentos. Ambos eles padecem, entretanto, da mesma omissão, isto é, da ausência de resultado bastante. Na prática, originam somente tímidos processos de descentralização administrativa, de todo indefesos perante a inversão dos objetivos da política e a sucessão dos mandantes da política. Na teoria, originam muitos e acesos debates de ideias, convertidos em prolífera e esplêndida bibliografia, a evidenciar um elevado gabarito intelectual, próprio de individualidades e de elites ilustradas, que demandam destaque no melhor álbum da nossa memória.
A Autonomia Constitucional de hoje é, entretanto, uma dádiva do 25 de abril. E porquê? Porque nos Açores, em 1974, identificávamos partidários do Estado Novo, poucos opositores do Estado Novo, sem enxergarmos ninguém que verdadeiramente se reclamasse da Autonomia. Os autonomistas brotam depois em catadupa, muitos deles por manifesto oportunismo, alguns deles dedicados serventuários da extinta ditadura.

  1. Do 25 de abril de 1974 ao 6 de junho de 1975
    Após o 25 de abril, à semelhança do ocorrido nas campanhas autonómicas de antanho, surge entre nós uma vontade de subtração dos Açores à desordem de Portugal, um propósito muito alimentado pelos maiorais, sempre tementes da perda de estatuto, isto é, de privilégios. No entanto, sobejam as razões para a generalizada contestação dos açorianos. Entre elas, o radicalismo da revolução de Lisboa, ameaça séria à manutenção de relações com a América, albergue de uma numerosíssima comunidade açoriana, e o exemplo da emancipação colonial, que suscita a revivescência de um sentimento autonomista, e inclusivamente independentista, já secular.
    Mesmo que infiltrada por apaniguados da velha ditadura, a manifestação do 6 de junho de 1975 em Ponta Delgada é quiçá a causa principal da institucionalização da Autonomia Constitucional em 1976. Aliás, à época, a FLA, também refúgio e disfarce de agentes de partidos legais, exerce um papel fulcral para o futuro dos Açores. Sem a pressão separatista, sobretudo sem o temor do 6 de junho, jamais os Açores e a Madeira teriam alcançado uma autonomia política tão ampla e tão avançada, responsável pelo maior surto de progresso material de toda a nossa história já velha de mais de meio milénio. Na ressaca do 6 de junho, logo em agosto, o V Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, cria a Junta Regional, a antecâmara do subsequente Governo Regional dos Açores, responsável perante a Assembleia Legislativa Regional, eleita por sufrágio universal.
    O 6 de junho é, portanto, um verdadeiro dia da Autonomia, como o 2 de março (de 1895) e o 16 de fevereiro (de 1928). Mas todas estas datas carecem de carisma, uma prova de que o projeto autonómico é frágil, demandando uma construção permanente, para que jamais esmoreça sob o descanso das vitórias alcançadas. Por isso, convém que comemoremos a Autonomia na segunda-feira de Pentecostes, porque o Espírito Santo é a religião dos Açores, pelo menos do povo, mas à qual aderem, um tanto contrafeitos, os céticos mais inteligentes.
    A propósito do 6 de junho, a proximidade do evento ainda divide as opiniões dos analistas, alguns participantes ativos da viagem autonómica. Recentemente, na apresentação de um livro de José Andrade, depois convertida em programa televisivo, Mota Amaral e Carlos César, construtores mores da Autonomia açoriana, divergiram, e um tanto estranhamente, sobre a decorrência da grande manifestação de Ponta Delgada. O ex-presidente Mota Amaral, aquele que mais e melhor utilizou o papão do separatismo para amedrontamento dos mandantes de Lisboa na concessão de maior Autonomia aos Açores, relativizou um tanto o impacto do 6 de junho. De facto, contra inconfessáveis “… tentativas mesquinhas de reescrever a História”, contestou todos quantos querem “… atribuir ao 6 de junho a paternidade da autonomia democrática, quando na realidade esta questão é uma questão que já vem detrás e que já estava a correr após o 25 de abril …”. O ex-presidente Carlos César, então vítima de várias surras dos “operacionais” da FLA por manifesta discordância de opiniões, realçou um tanto o impacto do 6 de junho. De facto, referiu que “… o entendimento que hoje faço do 6 de junho não é de uma data indiferente à afirmação do processo autonómico, eu creio que o 6 de junho constituiu, digamos no mínimo, um fator de alarme perante os decisores e na formação da decisão que foi posterior a esse movimento…”, acrescentando que “… a simples ocorrência desse fator perturbador terá certamente despertado algumas consciências do plano nacional, eu percebi isso […] e, portanto, peço desculpa, mas eu não posso destituir da construção autonómica aqueles que advogando ou não a Autonomia que hoje temos, ou a Autonomia que entretanto fomos construindo, estiveram nesse momento a pontuar a evolução política na nossa região”. Arguto, o moderador do debate, o jornalista Rui Goulart, procurou o confronto dos desencontrados presidentes. Sem sucesso, infelizmente! Se não me engano, sem o acobardamento de Lisboa, resultante do temor da FLA, nem Amaral nem César teriam alguma vez sido presidentes do governo dos Açores, pelo menos na fruição das amplas prerrogativas de que todos nós beneficiamos.
  2. A conquista da Autonomia de hoje
    Entre 1974 e 1976, o PPD, maioritário no arquipélago, e o PS, maioritário no país, exerceram papéis determinantes na institucionalização da Autonomia, convertida em preceito da Constituição da República Portuguesa. Mesmo assim, nos Açores, a paciente construção da Autonomia, entre as legítimas garantias constitucionais e os torpes empecilhos centralistas, foi mais obra da direita política, eleitoralmente beneficiada por maiorias generosas, dadas ao menosprezo das oposições, contra as melhores práticas democráticas. Aliás, do lado da esquerda política, transparece uma relativa desconfiança pela solução autonomista, por algum tempo equiparada a um meio de perpetuação do domínio dos grandes sobre os pequenos, contra a fruição das benfeitorias de abril. Só a alternância política de 1996 inverte por completo esta dicotomia, convertendo todos em guardiães da utensilagem autonómica.
    E, dito isto, importa acrescentar que a bondade das políticas se mede pelo índice de felicidade dos homens. Nos Açores, é também esse o barómetro de aferição do desempenho da Autonomia. Em tal avaliação, ressalta a felicidade e o desencanto. E porquê? Porque hoje vivemos muito melhor do que há cerca de 50 anos. Logo a Autonomia cumpriu de todo a promessa de melhoria das nossas condições de vida. Porque hoje continuamos afastados dos padrões de bem-estar nacionais e internacionais. Logo a Autonomia não cumpriu de todo a promessa de anulação do nosso atraso.
    Nos Açores, o principal sintoma do atraso consiste na persistência da pobreza, acentuada na comparação nacional. De facto, a partir de 1995, no continente, diminuiu sustentadamente a taxa de incidência da paupérie, atualmente ao nível da média da União Europeia. Ao invés, nas ilhas, na Madeira, e particularmente nos Açores, o flagelo é mais gritante, perdurando indicadores de indigência muito elevados, em modo de estagnação, episodicamente de subida. Constituirá esta análise um pretexto para a proclamação do falhanço da Autonomia? Não sabemos! Pelo menos, que sirva de alerta para a prioridade do desenvolvimento humano.
  3. Avelino de Freitas Meneses

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