Carlota Blanc e Cláudio Hochman, fundadores da Companhia de Teatro Se não Chove e do festival MALA, estão a tentar reunir apoios para recuperar o emblemático Cine-Teatro Açor para acolher um projecto cultural para a comunidade da costa Norte de São Miguel. “Entramos lá e parecia que tínhamos parado no tempo, pareceu-nos algo tirado do filme ‘Cinema Paraíso’ ”, afirmam.
Correio dos Açores – Qual a vossa ligação aos Açores e como é que se depararam com o cineteatro?
Carlota Blanc (Designer e co-fundadora do Festival MALA) – Vivemos em Lisboa, mas em 2021 passamos duas semanas no Nordeste e apaixonamo-nos pela ilha. Começamos a imaginar como seria a nossa vida por cá pois sentimos uma ligação muito forte à Região. Nos últimos dias dessa viagem, estávamos a passar pelas Capelas e o Claúdio reparou no Cine-Teatro Açor. Ao longe parecia qualquer coisa como um fantasma; fomos até lá e, entretanto, conseguimos o contacto da proprietária, Fernanda Melo, e ela mostrou-se logo disponível para nos mostrar o espaço. Quando entramos, percebemos que parecia ter parado no tempo, ainda com as máquinas, películas e cartazes de filmes antigos. Foi neste momento que começamos a imaginar o projecto que poderíamos desenvolver nos Açores.
Claúdio Hochman (Encenador e co-fundador do Fetival MALA) – A proprietária é neta do fundador do teatro, Henrique Costa Melo, que nos anos 40 construiu um cineteatro no celeiro da sua casa. Ele chegou à conclusão de que a Costa Norte de São Miguel era pouco cultural em relação a Ponta Delgada. E, claro, um cinema nos anos 40 foi um grande ponto de atracção para a comunidade. Quando entramos no cineteatro foi como entrar dentro do filme ‘Cinema Paraíso’ e quando a Fernanda começou a contar as histórias do seu avô, aí tive a sensação que eram iguais às do filme. Ao longo dos anos o cineteatro passou por várias utilidades, como uma discoteca e um bar de karaoke, mas quando o encontramos estava fechado há 20 anos. Acreditamos que um lugar assim não podia ficar ao abandono e, ao reavivar a memória do seu avô, tocamos na sensibilidade da proprietária que neste momento está muito entusiasmada com a ideia de recuperar o cineteatro como um espaço cultural.
Há alguma história do Cine-teatro Açor que vos tenha marcado em particular?
Claúdio Hochman – No ano passado, com o apoio do Archipel.eu, que é um organismo da União Europeia, fizemos um documentário onde trabalhamos o passado, o presente e o futuro do Cine-Teatro Açor. Dentro do passado, montamos uma investigação através dos vizinhos que ainda estão vivos e recolhemos muitos depoimentos e fotografias de como funcionava o cineteatro.
Quando se inaugurou, não havia luz eléctrica nas Capelas e os filmes eram exibidos através de um gerador de carvão. Entretanto, encontramos o maquinista da época, que a princípio não queria falar, mas depois acabou por nos contar todo o tipo de histórias caricatas que estão no documentário. Por exemplo, quando chovia e ele tinha de acender o gerador a carvão, este encravava e o público começava todo a bater com os pés e exigia do dinheiro do bilhete de volta, começavam todos a gritar, batiam nas cadeiras, etc. O maquinista acabou por mos contar uma série de histórias curiosassobre o cineteatro e da freguesia, que foram parar ao documentário.
Realizamos o documentário em conjunto com a Isabel Medeiros, que filmou e editou connosco. Há poucos dias, recebemos um apoio da Direcção Regional da Cultura para mostrar o documentário não só não só em São Miguel, mas também nas outras ilhas. Portanto, durante os próximos dois anos vamos tentar mostrar esta história que, no fundo não é apenas sobre o Cine-Teatro Açor, mas também sobre a recuperação de dos espaços que foram importantes para a comunidade. Neste caso, é sobre recuperá-los para a comunidade, como um espaço que podem utilizar e não como um museu. Antigamente, este cineteatro era usado para muitos propósitos e teve um grande impacto para a comunidade.
Qual foi o acordo que fizeram com a proprietária? Que apoios têm recebido para a concretização das obras?
Carlota Blanc – Neste momento, um acordo informal com a proprietária. Podemos fazer alguns eventos, mas como um limite pois o cineteatro precisa de obras e estamos à procura de apoios para as concretizar. A partir do momento que reunirmos condições, o cineteatro será aberto ao público. Em princípio, serão dez anos em que a proprietária cede o espaço para este projecto. A questão dos apoios tem sido muito difícil, porque, apesar de não envolver assim tanto dinheiro, trata-se de um espaço privado. Já tentamos o orçamento participativo e outros programas, mas não resultou. Agora temos em vista a candidatura dos Açores 2030.
Claúdio Hochman – Também estamos a considerar a opção de apoio privado. Por um lado, o nosso foco é recuperar o cineteatro, mas, por outro lado, não é apenas paredes, é também as pessoas. Mesmo não tendo o cineteatro recuperado, neste momento estamos a fazer muitas actividades para a comunidade.
Que actividades culturais pretendem desenvolver neste espaço a longo prazo?
Claúdio Hochman – Nós começamos esta aventura com aulas de teatro. Neste sentido, o nosso projecto passa por dar formação, por um lado, e por dar continuidade à nossa companhia de teatro, por outro. No ano passado, organizamos o festival MALA e uma das actuações foi no cineteatro, mas como um dos objectivos do festival é chegar a onde ninguém chega, andamos por várias escolas e freguesias. O festival chama-se MALA porque é um espectáculo que entra dentro de uma mala. Por um lado, é uma forma de tornar possível a chegada à ilha – de um espectáculo que vem de fora – e, por outro lado, também apela à criatividade por ser um espectáculo onde com pouco se pode fazer muito.
Estamos a trabalhar em duas frentes. Por um lado, gostaríamos de poder recuperar este espaço para que esteja em condições de ser utilizado pela comunidade. E o outro objectivo é continuar a desenvolver actividades para todos os públicos. Não queremos falar só para a elite, mas para toda as pessoas. E, sobretudo, queremos trabalhar com as crianças e os jovens pois sentimos que é uma forma de criar um futuro. Não só trabalhar para o presente, mas a criar seres humanos melhores. Sentimos que através destas actividades despertamos a sensibilidade, abrimos os corações e as pessoas podem viver melhor e ser mais felizes.
Esta Sexta-feira vão lançar um livro Cine-Teatro Açor. O que podemos esperar deste evento?
Claúdio Hochman – Esta Sexta-feira, pelas 19h00, vamos lançar o terceiro volume de uma antologia de textos teatrais intitulado “Adaptações de Textos Teatrais” no Cine-Teatro Açor. Haverá uma pequena apresentação da Companhia de Teatro Se Não Chove e, de seguida, faremos uma visita guiada ao cineteatro.
O livro consiste em adaptações de textos criativos como peças de Shakespeare, de Molière, de Rostand. O curioso é que foi editado aqui, nos Açores, pela Araucária Edições, uma editora de São Vicente Ferreira. O design é da Carlota Blanc e José Albergaria, que também é São Miguel. E as ilustrações são de Greg Lele que também morava aqui em Ponta Delgada. É um livro bastante açoriano.
Daniela Canha