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“A liberdade que nos foi dada deveria ter sido usada para lutar contra as desigualdades sociais,”afirma Monsenhor Weber Machado

Sacerdote, professor do Seminário de Angra, foi vigiado pela PIDE durante vários anos; a revolução de 74 apanhou-o a dar uma aula de matemática, na Povoação. O discurso de padre Weber Machedo pós 25 de Abril foi sempre em defesa das famílias mais carenciadas dos Açores. É por isso que tem uma vivência incomparável com a pobreza na Região. Pela sua intervenção cívica, deu condições de vida dignas em termos de bens essenciais e habitacionais, sobretudo a muitos micaelenses. Foi sempre um crítico das desigualdades sociais que se têm vindo a acentuar no arquipélago. Por isso, o seu discurso, as suas palavras ditas em vários contextos, são sempre actuais, são sempre notícia.
A primeira vez na PIDE

Foi em Maio de 1969 que Monsenhor Weber Machado foi chamado pela primeira vez à PIDE e a conversa com o Director foi de tal maneira intimidatória que optou por se resguardar um pouco mais no seu activismo cívico, a anunciar a Doutrina Social da Igreja.
“Eu sentia-me com força interior, estava a anunciar o evangelho e a Doutrina Social da Igreja, mas, na verdade, a conversa que tive com o Director da PIDE, quando me disse que ir lá muitas vezes ou poucas dependia mais de mim do que dele, mexeu comigo”, afirma Monsenhor Weber Machado, um dos poucos sacerdotes açorianos vivos que viveu intensamente no anterior regime e teve problemas com ele.
“Nunca senti um grande entusiasmo nem apoio dos meus colegas; havia alguns padres que seguiam e regiam o seu ministério pela Doutrina Social da Igreja, mas a maioria estava acomodada e nem sequer os livros que estavam na prateleira os liam”, refere numa entrevista ao Igreja Açores, que vai para o ar na íntegra hoje, domingo, na Antena 1 Açores e no Rádio Clube de Angra, às 10h10 e depois do meio-dia, respectivamente.
O sacerdote, natural de Água Retorta, no concelho da Povoação é conhecido como o padre dos pobres e, antes do 25 de Abril, era considerado um agitador, epiteto que recorda com alguma graça, quando interpelado sobre se era comunista .
“Se comunismo era defender a Doutrina Social da Igreja então eu era um enormíssimo comunista” refere, reconhecendo que “fazia muitas coisas” e por isso o consideravam um agitador.

“Lutava pelo direito às folgas…”

“Lutava pelo direito as folgas das empregadas domésticas, dos estivadores… Quando defendi numa palestra que as empregadas domésticas deveriam folgar ao Domingo tive uma embaixada de patroas no Seminário a perguntar o que é que elas iriam fazer no Domingo em vez de perguntarem como vou organizar a vida de Domingo sem empregada”, disse, recentemente, com humor ao Igreja Açores.
“Eu fazia muitas coisas e tinha sempre os salões cheios”, refere o sacerdote que dava aulas no Seminário mas também noutras escolas, como a de Enfermagem. Mas, o que mais o marcou foi a Comissão Cívica de Candidatura, que queria apresentar candidatos a deputados, nas eleições de 69. Era composta por nove elementos, uns mais proeminentes do que outros, e com maior inserção social, que fizeram a Declaração de Ponta Delgada, um documento relevante subscrito por um grupo mais alargado que os nove, mesmo dentro do Seminário.
Entre as muitas coisas estavam as conferências ao Domingo nas Irmãs de Maria Imaculada, no Convento da Esperança, que foram suspensas, por “causa de eventuais problemas”.
Não chegaram a ser problemas sérios, reconhece, mas na verdade “fiquei muito condicionado” até porque a própria Conferencia Episcopal “proibiu-me de fazer estas reuniões, tal como outros colegas foram impedidos de se candidatarem pelas respectivas hierarquias, o Exército no caso do Melo Antunes ou o ministérios das comunicações do caso do Quintino”.
“Houve colegas que fizeram convite para eu ir pregar às paróquias e, de um momento para o outro, como que desconvidaram porque eu estar lá poderia trazer-lhes problemas”.

Aliviado com a revolução

Por isso, não admira que quando o informaram da revolução se tenha “sentido aliviado, muito aliviado”, refere um dos maiores entusiastas das Semanas de Estudo, criadas nos Açores em 1961, que constituíram desde sempre um fórum de reflexão e discussão de temáticas decisivas para o arquipélago, em particular, e para o mundo, em geral, que contribuiram para cultivar espírito crítico e criar no espaço açoriano a consciência de unidade regional, vindo a constituir a semente do que, após o 25 de Abril de 1974, seria a Autonomia.
“Não liderei mas participei e gostei muito”, refere.
“A igreja antes vivia acomodada ao regime embora existissem vários padres que já estavam comprometidos com a mudança”, apesar “do controlo absoluto que era feito”.
“A minha cartilha era a Doutrina Social da Igreja e todos os documentos que defendiam os pobres… E nesta terra continua uma quantidade inusitada e inexplicável de pobres; a quantidade de crimes, de crianças que não completa a escolaridade obrigatória, o insucesso escolar… Falhámos”, reconhece.
“O 25 de Abril trouxe crescimento mas não trouxe desenvolvimento que permitisse que todos os que viviam mal pudessem andar na cidade como verdadeiros cidadãos”, afirma, acrescentando: “a pobreza absoluta se calhar não existe; está controlada até, mas a chamada pobreza relativa hoje é enorme”.
“Muitas coisas aconteceram porque os padres não fizeram nada. Há coisas no 25 de Abril que foram óptimas; outras que começaram há 30 anos que vêm chocar muito com a doutrina da Igreja” lamenta.
“Essa esquerda radical encontrou um terreno onde era fácil espalhar as ideias e a Igreja deveria ter-se antecipado, porque tínhamos doutrina e acção no terreno. Devíamos ter-nos interessado pela resolução dos problemas, seguir o evangelho. A questão dos pobres tinha que ser uma prioridade da Igreja e não deixarmos que outros se apropriassem desta questão, fazendo política com ela” afirma entristecido.
“E deveríamos dar exemplo. O testemunho só é credível quando a nossa acção está de acordo com o que anunciamos” diz ainda.
“Fomos poucos a ter esta prioridade e estas ideias, infelizmente”.

Quem é o Monsenhor Weber

O padre Weber Machado Pereira é natural da freguesia de Água, onde nasceu a 6 de Outubro de 1931. Estudou no Seminário Episcopal de Angra, tendo sido ordenado em 29 de Junho de 1958.
Licenciou-se em Teologia Sistemática na Pontifícia Universidade Gregoriana. Mais tarde, licenciou-se em Matemática na Universidade de Lisboa. Foi professor do Seminário Episcopal de Angra e do Seminário Colégio Santo Cristo em Ponta Delgada.
Foi nomeado Monsenhor em Janeiro de 2006.
Após deixar a leccionação dedicou-se ao serviço da Caritas de São Miguel, da qual foi o rosto visível, tendo-se empenhado na sua organização e correspondendo aos mais gritantes apoios dos pobres da ilha de São Miguel.
Toda a sua vida foi pautada por uma sensibilidade e compromisso especial pelos pobres, a quem socorreu através da acção social, mostrando as suas incidências concretas da fé na promoção de cada ser humano.

Igreja Açores

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