A vaca Grande Campeão do XX Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia é propriedade de Nuno Bernardo Araújo Amaral. A sua exploração tem 180 vacas em ordenha e, no total, 350 animais. Está localizada em Ponta Garça, Vila Franca do Campo. Tem uma produção média anual de 11.000 litros por vaca.
Correio dos Açores Qual a sua opinião sobre o concurso?
Nuno Amaral (produtor) – Foi um excelente concurso, muito competitivo. Foram excelentes os animais. Muita gente esteve cá a ver o concurso, e muitas das pessoas não tinham nada a ver com vacas.
Estava à espera de a sua vaca ser Grande Campeã?
A vaca mostrou isso desde a feira passada em que já foi vice-Grande Campeã. Não estávamos à espera de ganhar porque este concurso é sempre muito competitivo. Havia grupos de vacas a concurso de que não era muito fácil tirar uma vaca como a melhor.
E quando viu que ganhou, como ficou?
Cheio de alegria, com muita emoção.
Vai continuar a concorrer?
Já concorro desde 2009. Estive alguns anos a participar e a não ganhar nada. Enquanto outros chegavam aqui e tiraram logo um prémio. É preciso ter excelentes animais para ter um prémio. Quando tive um quinto prémio já me senti muito satisfeito.
Veio sempre a evoluir…
Sim, vim sempre a evoluir. Uma vez corre-nos bem, de outras vezes não. Depende também da forma em que os animais estão no momento. Tenho outros animais iguais ou superiores mas não estão, na ocasião, na situação ideal para concorrerem.
O que lhe apetece dizer neste momento?
Quero dizer que os produtores de leite estão a ficar muito saturados porque a gente trabalha, trabalha, trabalha e tiramos muito pouco rendimento.
Está a dizer que o preço do leite à produção está baixo?
Não só o preço do leite está baixo como os produtos (factores de produção) todos os anos não param de aumentar. Os preços dos cereais estão elevados, o que faz com que as rações fiquem caras e o preço do leite baixa. E não é fácil ter um preço por litro de leite à produção que suporte o aumento dos preços dos custos de produção.
Conhece colegas produtores em que o cheque do leite não dá para pagar as despesas?
É verdade. Há muitas explorações que se estão a ver muito aflitas porque o cheque do leite não está a dar para pagar as despesas.
Há indústrias de lacticínios que estão a ser bancos para alguns dos seus agricultores?
Conheço alguns produtores que têm a indústria a suportar algum do seu custo. Onde eu ponho o leite, se algum produtor precisa de algum apoio, a indústria também disponibiliza um financiamento por algum tempo.
Isto revela dificuldades de alguns produtores…
Há produtores com muitas dificuldades. O preço do leite está baixo, os factores de produção estão muito caros e a mão-de-obra está caríssima e não há. Eles também, para trabalharem todos os dias, têm que ser compensados. É preciso também ver o lado dos funcionários que trabalham nas explorações. É preciso ter muita força de vontade como a que temos tido para ultrapassar as dificuldades.
Eu tenho duas filhas que estão, neste momento, nesta profissão. O ano passado fomos chamados à indústria onde deixamos o leite e anunciaram-nos que o preço do leite ia baixar. E eu cheguei a casa, reuni com minhas filhas e perguntei se não era melhor escolherem outro caminho com outra dignidade e outro conforto. Que não desistissem da lavoura, mas deviam diminuir drasticamente a exploração para elas também terem umas férias e outro bem-estar…
E o que e que elas disseram?
Elas disseram-me: “Óh pai não faças isso. Queremos dar seguimento à exploração tal como ela está”. Tenho de lhes dar o máximo de apoio como elas me dão.
E quando elas lhe disseram que queriam a exploração como estava, diga lá, disfarçou uma lágrima…
Sim. Elas trabalham imenso, muitos dias por ano. Todos os dias às 5 horas da manhã estamos a caminho da exploração até às 9 horas da noite. A qualquer hora que seja preciso nunca me abandonaram. As minhas filhas são 100%. Se não fosse pelas minhas filhas, ia custar muito, mas tinha de abandonar a produção de leite. Talvez, ir para a carne ou ficar mesmo com coisa para sobreviver. Já tenho 53 anos a trabalhar, trabalhar, trabalhar (…) e não vejo rendimento. É difícil, muito difícil.
Roberto Ponte diz que não faz sentido o produtor de leite recorrer à indústria como banco
Os irmãos Óscar e Roberto Ponte têm uma exploração agrícola de 200 animais, 110 dos quais a produzir leite, na Lomba da Maia. A vaca ‘Marília’, de mais de 6 anos, que levaram a concurso foi a vice-Grande Campeão.
Correio dos Açores – Qual a sua opinião sobre o concurso?
Roberto Ponte (produtor) – Foi um grande concurso. A qualidade dos animais foi espectacular. A qualidade está, claramente, espalhada por todas as explorações. No geral, todos estão mais profissionais a preparar o animal para o concurso. As pessoas, ao seleccionar os animais que vêm para o concurso, têm a preocupação de escolher com rigor. Isto ficou bem vincado neste evento.
De um modo geral, nenhum dos animais tinha pormenores mais fracos. Foram todos de uma qualidade muito superior. Foi um concurso muito bonito. E isto viu-se no fim com os melhores animais do concurso. Todos os produtores concorrentes tinham os seus animais lá dentro.
No fundo, mais qualidade e menos rendimento…
É muito difícil falar da questão do rendimento porque os lavradores estão cansados de se manifestar de que o rendimento é pouco. É mesmo pouco. Só não vê quem não quer. Uma exploração não é uma loja de roupas que se fecha a porta e se vai reabrir quando der certo. Os animais têm de ser alimentados todos os dias. O lavrador consome todos os recursos que tiver para manter a exploração e está a fazer isto. Esta actividade é diferente de outra qualquer.
O preço do leite à produção é sempre baixo e os custos de produção estão altíssimos. Se formos analisar os custos de produção há dois anos atrás e agora é uma loucura. O preço de alguns produtos quase que duplicaram. Desde um rol de papel, ao pacote das luvas, passando pelos medicamentos, tudo está mais caro. As rações e adubos subiram de preço e agora baixaram. Mas, de grosso modo, os produtos higiénicos quase que duplicaram o preço.
O leite à produção teve um bom preço há um ano atrás. O preço era aceitável. Um preço que nunca devia ter baixado. Mas, entretanto, baixou à volta de 11 cêntimos. Não consigo perceber para onde nos querem levar e como querem incentivar os jovens a entrar no sector. Há que pensar nas próximas gerações de produtores de leite.
E qual a sua opinião sobre o facto de a indústria estar a servir de banco aos produtores?
Não concordo que a indústria financie os seus produtores, porque os tornam reféns. A banca está aí para isso. Se querem um empréstimo vão à banca e não às indústrias. Do meu ponto de vista, acho que não faz muito sentido.
J.P.