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EDA tem vindo a trabalhar na optimização dos parques eólicos dos Açores através do recurso a baterias, explica o engenheiro David Estrela

“A Região tem, na generalidade das ilhas, bons recursos eólicos e mesmo muito bons recursos, fruto das características desses locais, nas ilhas Terceira, Flores, Pico e São Jorge pelo que, na Região, se parte em vantagem na utilização do recurso eólico. A abundância do recurso não se traduz só em vantagens, a exposição das nossas ilhas à frequente passagem de frentes meteorológicas traduz-se igualmente em grandes e rápidas variações da velocidade e direcção de vento que resultam, nesses casos, em abruptas variações na produção da energia eléctrica dos parques. Sendo a qualidade da energia eléctrica monitorizada e obrigada a cumprir normas rigorosas e sendo diminuta a dimensão do sistema eléctrico de cada ilha, a integração de percentagens maiores de penetração de energia eólica no sistema de produção eléctrica tem também de ser acompanhada de métodos que compensem essas variações, por exemplo tendo também grupos térmicos ligados à rede eléctrica que possam compensar as variações de carga que ocorram no parque eólico. Outra opção, tecnologicamente mais avançada e até com melhor qualidade, é substituir esse “socorro” dos grupos térmicos por sistemas de gestão e estabilização da rede eléctrica por meio de baterias, sendo nessa alternativa que a EDA – Electricidade dos Açores tem vindo a trabalhar.” Quem o diz é o engenheiro David Estrela, administrador da EDA Renováveis, no Dia Mundial do Vento.

Correio dos Açores – Como descreve o actual estado do sector de energia eólica nos Açores?
David Estrela (Administrador da EDA Renováveis) – A energia eólica para produção de energia eléctrica tem, na Região, uma já longa história. Iniciou-se na ilha de Santa Maria com a instalação, em 1988, de um parque eólico, no Figueiral, com oito aerogeradores de 30 kW de potência unitária. Eram aerogeradores com duas pás, com a tecnologia da década de oitenta, mas que permitiram poupanças de combustível (gasóleo) na produção térmica tradicional. Em 1991 e 1992, nas ilhas de São Jorge e da Graciosa, respectivamente, são instalados parques eólicos com aerogeradores de três pás, de 100 kW e 150 kW de potência unitária, equipados com alternadores assíncronos, caixa de velocidades e sem controlo de potência, com o mesmo propósito, de redução dos consumos de combustível (gasóleo) sempre que existisse recurso eólico, mas, fruto da tecnologia, com uma capacidade de integração de energia eólica limitada. É em 2002, com o surgimento no mercado de aerogeradores de 300kW de potência unitária mais tecnologicamente avançados, equipados com alternadores síncronos, sem caixas de velocidades e com possibilidade de controlo de potência, sendo que a frequência é adaptada à da rede através de conversores de potência, que se dá um novo passo no desenvolvimento da produção de energia eólica na Região, culminando na montagem ou ampliação, entre 2002 e 2005, dos parques eólicos nas ilhas de Santa Maria, São Jorge, Graciosa, Faial e Pico, com potências instaladas nos parques, de vulto, face à dimensão do sistema eléctrico de cada uma das ilhas, decorrente da capacidade, desses novos aerogeradores, de poder limitar a produção eólica.
Em 2008 e 2011 são montados parques eólicos nas ilhas Terceira e de São Miguel com aerogeradores de 900kW de potência unitária e igualmente tecnologicamente avançados, como meio de poupança de combustível, no caso fuelóleo, um combustível mais barato que o gasóleo, mas mesmo assim com custo de produção superior ao da produção eólica desses parques.
Pode-se dizer que a energia eólica fez e fará, na Região, um caminho muito digno, acompanhando a tecnologia disponível no mercado e sendo uma alternativa à produção de energia térmica tradicional. Como o desenvolvimento tecnológico não pára, o caminho a trilhar não tem uma meta, mas é antes um percurso.

Qual é a relevância do Dia Mundial do Vento para a promoção da energia eólica nos Açores?
O Dia Mundial do Vento, como qualquer efeméride do género, gera uma oportunidade de abordar o tema, por vezes esquecido durante os restantes dias do ano, chamando a importância para o recurso eólico, para as suas vantagens, mas também para as suas limitações.

Em termos regionais, qual a importância dos parques eólicos no quadro das energias renováveis nos Açores?
Em termos regionais, a energia eólica correspondeu a 8,7% da energia eléctrica produzida em 2023. Este valor regional é a composição de casos como o da ilha Graciosa, onde a produção eólica, no ano de 2023, correspondeu a 55,6% da produção eléctrica na ilha, ou da ilha Terceira, onde a produção eólica, no mesmo ano, correspondeu a 17,5%, ou ainda da ilha de São Miguel onde a produção eólica correspondeu a 3,4%. Por detrás de cada um desses números existe uma realidade de sistema de produção eléctrico, com características próprias, e onde a energia eólica é uma das várias formas de produção.

Qual é a potência eólica do sistema electroprodutor de São Miguel? E qual a potência eólica na Região?
A ilha de São Miguel tem instalado um parque eólico com 10 aerogeradores de 900 kW de potência unitária perfazendo um total de 9 MW (ou 9 000 kW).
A Região totaliza 36,65 MW de potência eólica instalada em nove parques eólicos, propriedade de três empresas diferentes, num total de 55 aerogeradores.

Quais são os principais projectos de energia eólica que a EDA Renováveis tem em curso nos Açores? Existem planos para instalar parques eólicos em outras ilhas da Região?
Os principais projectos de energia eólica em curso são as ampliações, por substituição dos aerogeradores, nas ilhas de Santa Maria, São Jorge e Flores e a construção de um parque eólico na ilha do Corvo.
A substituição dos aerogeradores nas ilhas de Santa Maria, São Jorge e Flores acontece porque os equipamentos aí existentes atingiram o final da sua vida útil de 20 anos. São equipamentos montados em 2002, de 300 kW de potência unitária, num total de quinze aerogeradores, distribuídos por: cinco em Santa Maria, seis em São Jorge e dois nas Flores. Os parques dessas ilhas serão ampliados em potência pela instalação de nove aerogeradores, de 900 kW de potência unitária, distribuídos por: três aerogeradores em Santa Maria, cinco em São Jorge e um na ilha das Flores.
Na ilha do Corvo, a única ilha que não possuía um parque eólico instalado, será concluída este Verão essa construção, com a instalação de sete aerogeradores de 100 kW de potência unitária.

Pode explicar como funciona o processo de desenvolvimento e instalação de um parque eólico nos Açores?
O processo de desenvolvimento de um parque eólico numa ilha inicia-se com um compromisso entre uma série de factores que se pretendem favoráveis. Imaginemos o local ideal: com altitude elevada para beneficiar de ventos mais fortes; sem obstáculos por perto para receber bem o vento de todos os quadrantes; perto dos principais locais de consumo para diminuir as perdas no transporte; longe de habitações para que o ruído não seja um problema; fora de zonas protegidas ou turísticas para não causar impactes; servido de bons acessos; perto de uma subestação importante da rede da EDA para facilitar a ligação. Como não deve ser fácil encontrar esse local procuram-se locais alternativos classificando-os pelas suas vantagens. Nos mais favoráveis avalia-se o potencial eólico, com a montagem de torres meteorológicas e com a recolha de dados de vento (velocidade, direcção, temperatura e humidade) durante um ou dois anos. Com esses dados ter-se-á mais certeza sobre o potencial de produção, sobre uma eventual direcção predominante do vento e sobre as velocidades máximas de vento a que ficará exposto, dados essenciais para a selecção dos aerogeradores a instalar. Os aerogeradores deverão igualmente ser compatíveis com a potência do sistema eléctrico da ilha, com a capacidade de ser transportados para essa ilha e para o local e passíveis de ser montados por uma grua de dimensão compatível com os meios de transporte marítimos habituais. Com o local, tipo e número de aerogeradores escolhidos inicia-se o processo de licenciamento junto das entidades competentes, a recolha de pareceres ou opções de ligação à rede junto da EDA e, por fim, com a licença obtida, ao desenvolvimento do processo de aquisição e de montagem do parque. Nos casos onde o parque eólico já existe o processo é mais simples pois alguns dos passos iniciais já foram dados e muitos dos dados de vento ou de produção confirmados pelo próprio histórico do parque já instalado. Nesse caso inicia-se o processo na escolha dos aerogeradores que se pretende montar para renovar ou ampliar o parque e todos os passos subsequentes. É um processo moroso e feito de ponderações.

Quais são os maiores desafios que enfrentam na implementação de energia eólica na Região, considerando as suas características geográficas e climáticas?
A Região tem, na generalidade das ilhas, bons recursos eólicos e mesmo muito bons recursos, fruto das características desses locais, nas ilhas Terceira, Flores, Pico e São Jorge pelo que, na Região, se parte em vantagem na utilização do recurso eólico. A abundância do recurso não se traduz só em vantagens, a exposição das nossas ilhas à frequente passagem de frentes meteorológicas traduz-se igualmente em grandes e rápidas variações da velocidade e direcção de vento que resultam, nesses casos, em abruptas variações na produção da energia eléctrica dos parques. Sendo a qualidade da energia eléctrica monitorizada e obrigada a cumprir normas rigorosas e sendo diminuta a dimensão do sistema eléctrico de cada ilha, a integração de percentagens maiores de penetração de energia eólica no sistema de produção eléctrica tem também de ser acompanha de métodos que compensem essas variações, por exemplo tendo também grupos térmicos ligados à rede eléctrica que possam compensar as variações de carga que ocorram no parque eólico. Outra opção, tecnologicamente mais avançada e até com melhor qualidade, é substituir esse “socorro” dos grupos térmicos por sistemas de gestão e estabilização da rede eléctrica por meio de baterias, sendo nessa alternativa que a EDA – Electricidade dos Açores tem vindo a trabalhar.

As tecnologias utilizadas nos parques eólicos dos Açores são as mais recentes? Planeiam introduzir métodos inovadores em futuros projectos?
As tecnologias são disponibilizadas pelos mercados (fabricantes de aerogeradores). Se surge a oportunidade, a empresa aproveita-a, mas confronta-se com frequência com decisões dos fabricantes de apostar em gamas de potência para os novos aerogeradores muito elevadas e impeditivas de instalação em ilhas. Por exemplo, é frequente as gamas de potência dos principais fabricantes incluir aerogeradores de 3 MW ou 4 MW de potência unitárias quando, na Região, apenas as ilhas de São Miguel e Terceira possuem pontas de consumos superiores aos 10 MW. Instalar aerogeradores de potência unitária demasiado elevada é aumentar substancialmente o risco de falha no sistema eléctrico caso ocorra uma avaria ou até uma súbita mudança de velocidade de vento. Concluindo, a tecnologia utilizada é a mais recente à escala dos equipamentos utilizados na Região e os métodos inovadores referidos são os já testados pela EDA em algumas ilhas e que se pretende agora disseminar em todas as ilhas, os sistemas de gestão e estabilização da rede eléctrica por meio de baterias.

Qual tem sido o impacto económico e social dos projectos de energia eólica?
O impacto económico e social dos projectos eólicos é sempre positivo embora, por vezes, a vertente económica o seja apenas marginalmente. O impacto social prende-se com o aumento da autonomia energética da Região e com a menor dependência dos combustíveis fósseis, e dos seus voláteis preços, que a energia eólica assegura. A nível económico os projectos são sempre positivos, contudo, a empresa, fruto da capacidade de limitar a potência produzida nos períodos em que o recurso é abundante, que surgiu com a evolução tecnológica datada de 2002, procura sempre sobre dimensionar a potência eólica instalada, ciente de que, em alguns períodos do dia, poderá ter de limitar a produção. Essa decisão prejudica a viabilidade económica do projecto, mas melhora o valor da produção eólica anual, pelo que se procura, no mínimo da viabilidade económica do projecto, aumentar a produção anual e a consequente taxa de penetração eólica.

Por que motivo não se instala mais parques eólicos em São Miguel?
A produção de energia eléctrica a partir da energia eólica é uma das formas possíveis, e a energia eólica, como todas as outras, tem vantagens e tem inconvenientes que terão de ser devidamente ponderados. No caso da ilha de São Miguel, a energia geotérmica contribuiu, em 2023, com 35,9 % da energia produzida na ilha e a energia hídrica com 5,1 %. Como essas energias, geotérmica e hídrica, são muito estáveis e constantes ao longo do ano e como o diagrama de consumos varia muito entre as horas do dia, com maior consumo nas horas diurnas e de maior actividade, e com menor consumo durante a madrugada, a introdução da energia eólica no sistema depende, também, da hora a que ocorre esse recurso, pois se ocorrem situações de vento forte, onde o recurso eólico é abundante, de madrugada ou ao fim de semana, a capacidade de introduzir essa energia na rede é menor, havendo que limitar a penetração dessa energia. Instalar mais parques eólicos em São Miguel, onde se perspectiva para o curto prazo o aumento da potência instalada em geotermia, significaria ter de limitar fortemente a produção de energia eléctrica nesses parques, sendo que, outras ilhas da Região, onde a energia geotérmica não é passível de utilização, poderão fazer melhor uso dessa potência eólica a instalar.
É um sistema complexo que é analisado caso a caso pela EDA, verificando, para cada ilha e para cada ano, o potencial de introdução de novas fontes de energia, mantendo, sempre, a qualidade de energia entregue aos clientes.

Existem políticas ou regulamentações que facilitam ou dificultam o desenvolvimento da energia eólica na Região?
A dificuldade de desenvolvimento da energia eólica na Região decorre mais das dificuldades técnicas ou da viabilidade económica dessas soluções técnicas do que de políticas ou regulamentos. Se pensarmos no carácter menos constante das energias renováveis, talvez estejam em falta mecanismos, como os tarifários de electricidade dinâmicos, que ajudem a sinalizar e a adaptar os consumos dos clientes à disponibilidade das fontes renováveis.

Quais são as metas a longo prazo da EDA Renováveis para a energia eólica nos Açores?
Não é fácil estabelecer metas quando os avanços tecnológicos são constantes e as próprias ofertas de mercados para as tecnologias de produção eléctrica são mais rápidas que o desenvolvimento dos próprios projectos. Julgo que não se deve pensar em metas de energia eólica separadamente das outras tecnologias. Por exemplo, a energia eólica e a energia fotovoltaica complementam-se muito bem. A energia eólica está mais disponível de Inverno e pode ocorrer a qualquer hora do dia enquanto a energia fotovoltaica é predominante no Verão e ocorre apenas nas horas diurnas. Há que, para cada ilha, identificar as diferentes fontes renováveis disponíveis e estudar as melhores integrações. Estamos cientes que a energia eólica será importante, mas nunca poderá ser a única ou “a solução” para o problema da produção de energia eléctrica.

Como vê o futuro da energia eólica nos Açores?
Vejo um futuro promissor para a energia eólica, que integrada com as outras fontes renováveis e com as soluções tecnológicas já disponíveis, ou que surjam, serão decisivas para um futuro que se quer cada vez mais renovável e descarbonizado. Não acredito em transições energéticas imediatas, mas acredito que surgirão soluções tecnológicas que ajudem a que as metas de penetração renovável sejam em crescendo. A meu ver está a faltar, numa fase intermédia, um vector energético que permita que se utilize a energia renovável que possa estar em excesso (geotérmica, eólica ou fotovoltaica) para a sua produção, reconvertendo novamente em energia eléctrica quando o vento ou o sol não ocorram.

Que mensagem gostaria de deixar aos açorianos sobre a importância da energia eólica e o seu impacto positivo na Região?
Essa mensagem positiva não será só especifica da energia eólica, mas de todas as energias renováveis. Com as evidências científicas de alterações climáticas associadas ao consumo de energias fósseis e à emissão de gases com efeito de estufa é urgente alterar os padrões de consumo energético até cessar a utilização do carvão e dos derivados de petróleo apostando numa matriz energética de fonte renovável. Para tal, é necessário também desenvolvimentos tecnológicos adequados de forma a garantirmos a segurança do abastecimento. O sector eléctrico está numa extraordinária mudança onde temos, todos, um papel a desempenhar.

Carlota Pimentel

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