Edmundo Estrela é um micaelense que saiu da ilha aos 12 anos para viver no Canadá. Em 2016, regressou aos Açores, já com a sua mulher, Tara McLean, que tem licenciatura em Química. Após vários anos em São Miguel, o casal abriu este ano a cervejeira artesanalAzores Brewing Company, localizada no Parque Industrial da Ribeira Grande, na Rua da Imprensa n.º 7. Ao Correio dos Açores, Edmundo Estrela conta como o casal teve a ideia de abrir este negócio, as características das quatro cervejas artesanais da Azores Brewing Company, a afluência das pessoas ao estabelecimento e os planos para o futuro. Apesar de a abertura do estabelecimento ter acontecido na primeira semana de Maio, a inauguração está marcada para o dia 29 de Junho, às 14h.
Correio dos Açores – Como surgiu a ideia de abrir este espaço na Ilha de São Miguel?
Edmundo Estrela (co-proprietário da Azores Brewing Company) – A Azores Brewing Company’ nasceu de uma ideia muito simples. Quando chegamos cá em 2016, não encontramos cerveja artesanal que nos agradasse e também não encontramos cerveja em geral que nos agradasse. Então, a Tara, que é uma grande fã de cerveja, optou por usar a sua licenciatura em Química e o seu amor pela cerveja para começar a produzir a sua própria cerveja, logo no ano a seguir de termos chegado cá.
Começamos a produzir em casa, com lotes pequenos e com muitas dificuldades, porque não se arranjava produtos e equipamentos de produção de cerveja, sendo ele industrial ou caseiro, então, trazíamos algumas coisas do Canadá e mandávamos vir por correio – nessa altura, ainda não era fácil mandar vir produtos através de plataformas de venda como acontece hoje em dia.
A Tara começava a produzir, eu ajudava no que podia e era um pouco como uma aventura, visto que não tínhamos todos os equipamentos que precisávamos, então, íamos a todas as lojas para encontrar aquilo que conseguíamos.
Quando as pessoas provavam a nossa cerveja gostavam, e percebemos que tínhamos potencial. Então, dissemos que queríamos abrir, eventualmente, uma cervejaria artesanal, com um espaço de prova e um beer garden (jardim de cerveja), onde as pessoas poderíamos provar a cerveja.
A ideia, na altura, ficou por aí. O primeiro negócio que abríamos cá foi de gestão de alojamento local, e isso ocupava muito espaço do nosso tempo. Quando surgiu a pandemia, em 2020, numa altura em que o turismo e o alojamento local estavam muito em baixo, optamos por dedicar o nosso tempo que tínhamos disponível à cervejaria. A Tara passou o tempo todo a produzir e a melhorar as suas receitas.
Em 2020, fizemos de tudo para conseguir entrar no programa Portugal 2020, assim, teríamos apoios para adquirir o que era preciso e fazer os projectos. Começamos a construir de raiz a nossa fábrica em Março de 2023 e ficou concluída em Março deste ano.
Nós não íamos avançar com o projecto sem ter a certeza que faríamos produtos aliciantes para o mercado.
Qual é o motivo que leva a abrir o espaço no Parque Industrial da Ribeira Grande?
Tínhamos de estar num espaço industrial devido aos licenciamentos. Adoraríamos estar no centro de uma das nossas cidades, o centro da Ribeira Grande teria sido um lugar muito aliciante, mas nós não podemos fazer licenciamentos industriais no centro urbano. Fomos ver as várias zonas industriais que estavam disponíveis e que tinham espaços, então, estivemos cá em cima na costa norte, na Ribeira Grande. Esta é uma zona perto da nossa casa e é uma zona com tanto potencial para desenvolvimento e de criação de novos negócios. Este espaço também tem vista para a serra, fica localizado perto do centro da Ribeira Grande, também é próximo da Lagoa do Fogo e tem muito movimento de transporte turístico. Por isso, optámos por este espaço, que reunia as condições para concretizar os nossos objectivos e para lançar o nosso projecto.
O que diferencia a cerveja artesanal Azores Brewing Company das restantes cervejas?
Das restantes cervejas, temos dois campos: as cervejas comerciais e as cervejas artesanais. De uma maneira, uma cerveja artesanal é diferente de uma cerveja comercial, porque o nosso foco é de utilizar sempre produtos de maior qualidade possível. O nosso objectivo, tal como é de qualquer cervejaria artesanal, não é de fazer o máximo de cerveja possível com o mínimo de dinheiro possível, porque esse é o grande objectivo das cervejarias comerciais. E também nas cervejarias artesanais há uma mestre de cervejeira, que está sempre a refinar as nossas receitas e tem a liberdade de criar sempre novas linhas, novos produtos e novas cervejas. Isto já é uma grande diferença das cervejas comerciais.
E sobre aquilo que nos diferencia das outras cervejas artesanais, temos a primeira mulher mestre cervejeira em Portugal, com uma licenciatura em Química. Nenhuma das outras produções artesanais nos Açores é chefiada por uma pessoa com estudos científicos, o que faz uma grande diferença no processo industrial, devido ao rigor e ao entendimento ao processo em si. Na nossa frente técnica, temos uma pessoa com habilitações técnicas superiores às das outras cervejas artesanais. Além disso, temos também o nosso licenciamento industrial e a nossa produção industrial que nos permite ter uma escala de produção significativa.
Uma das nossas grandes missões é de criar cervejas artesanais que sejam fáceis de consumir pelo nosso público, quer turístico, quer local. Não queríamos criar cervejas artesanais que fossem nicho e muito extrema nos seus sabores e nas suas aromas, porque isso depois afastava o nosso público local, que ainda está a começar a abraçar, começar a aprender, começar a provar, começar a compreender e a começar a degustar a cerveja artesanal em geral. Por isso, queríamos fazer cervejas que fossem fáceis de consumir, únicas e que sejam cervejas tradicionalmente pura, ou seja, não são cervejas de framboesa ou de morango. Isto tudo sem retirar nada às outras cervejas artesanais. A nossa postura é que é bom e positivo termos cá produtores de cerveja artesanal e pessoas a consumir cerveja artesanal. O nosso mercado é grande e há espaço sempre para as pessoas produzirem cerveja. Nós gostamos que outras pessoas produzam cerveja artesanal, porque isso é a magia da cerveja artesanal. A cervejeira, neste caso, a Azores Brewing Company é o reflexo da nossa mestre cervejeira da sua produção de receitas de cervejas, tal como acontece nas outras cervejeiras artesanais. Isto é muito semelhante aos restaurantes, por exemplo, cada um dos restaurantes tem uma receita diferente para um prato específico.
De uma maneira geral, a nossa cerveja tem um carácter de produção industrial que nos permite estar em supermercados, em restaurantes, em hotéis e também permite às pessoas estarem cá, aproximarem-se do produto, aproximarem-se da produção, fazerem visita guiada, perceberem como se faz a nossa cerveja e provarem a nossa cerveja no meio da natureza. Embora este espaço faça parte de um parque industrial, felizmente, no nosso lote, só temos um vizinho atrás, e isso nos permite estarmos rodeado da natureza.
Há, neste momento, quatro cervejas artesanais na Azores Brewing Company: ‘North Coast Amber Ale’; ‘Island IPA’; ‘Cliff Dive Blonde’ e ‘Lighthouse Azorean Wheat’. Quais são as diferenças entre estas quatro cervejas?
Vou começar pela ‘Cliff Dive Blonde’. Esta é a nossa cerveja de entrada da nossa gama de produtos, como costumo a dizer. A ‘Cliff Dive Blonde’ é uma cerveja artesanal muito fácil de consumir, muito suave, com sabores e aromas relativamente neutros e é a cerveja que as pessoas começam numa degustação. É uma cerveja ideal para quem está habituado a beber uma cerveja mais convencional e que não está habituado a uma cerveja artesanal. Se começarmos pelo contrário, ou seja, beber a cerveja mais suave no fim da degustação, não se consegue perceber as nuances de aromas e de sabores. A nossa ‘Cliff Dive’ é a nossa cerveja com os núcleos todos europeus e é a nossa cerveja mais ‘europeia’ – no mundo da cerveja, há uma grande diferença entre as cervejas artesanais feitas em continentes diferentes.
De seguida, temos a ‘North Coast Amber Ale’. Esta é a nossa cerveja que grita costa norte, como reflete no gráfico e na sua embalagem. Embora não seja uma cerveja preta, é a nossa cerveja mais escura e a que tem os maltes mais escuros, o que lhe confere aromas de torrado, de caramelo, um bocado de cacau e um final ligeiramente amargo. Assim, a cerveja não fica com um sabor um bocado ‘farto’ para a pessoa que consome e é importante realçar que a cerveja também é suave.
Segue-se a ‘Island IPA’. Esta é, em geral, a cerveja rainha no mundo artesanal. A cerveja ‘Island IPA’, neste caso, tem aromas muito tropicais, tem ligeiramente de maracujá e estes aromas vêm do lúpulo. É uma cerveja que tem um sabor ligeiramente citrino e um final bastante mais amargo. Em geral, não é uma cerveja ‘IPA’ muito amarga e fazemos isto mesmo de propósito, porque o cliente norte-americano é um cliente que bebe uma cerveja ‘IPA’ muito amarga – é comum beber assim nos Estados Unidos da América -, mas o cliente português ainda não quer beber uma cerveja muito, muito amarga. Tentamos encontrar um equilíbrio, onde continua a ser uma cerveja ‘IPA’, mas é a nossa cerveja ‘IPA’ não assusta ninguém do mundo artesanal.
Por fim, temos a ‘Lighthouse Azorean Wheat’. Esta é uma cerveja da nossa costa norte e do nosso Farol da Ponta do Cintrão. A ‘Lighthouse Azorean Wheat’ é uma cerveja artesanal de trigo, que tem sabores e aromas muito diferentes, inclusive tem uma fragrância com ervas do campo. Neste caso, e tal como acontece com a ‘Island PIA’, encontramos um meio-termo. A cerveja de trigo tradicionalmente europeia e alemã é diferente da cerveja de trigo norte-americana. Nós também tentamos encontrar uma cerveja que seja um equilíbrio das duas, por isso lhe chamamos de ‘Azores Wheat’, visto que é a nossa versão da cerveja de trigo.
No futuro, vamos ter uma cerveja sazonal, que possivelmente será feita com um dos nossos produtos locais e que apenas estará disponível em certas alturas do ano.
A Azores Brewing Company abriu no início de Maio. Como tem sido a afluência das pessoas desde a abertura?
Abrimos em Maio e andamos a fazer a nossa parte de distribuição e de venda, junto de bares, restaurantes, supermercados e minimercados. Por isso, nós temos duas vertentes na nossa cervejeira: a vertente local, aquela em que as pessoas consomem aqui, e a vertente de distribuição e de venda a retalho, que é o nosso forte e o nosso ‘puro e duro’. Em Maio, começamos e fizemos os primeiros contactos para começar a distribuir no mercado ‘horeca’ (hotéis, restaurantes e cafés). Agora, temos aproveitado estas semanas de crescimento e de movimento na nossa ilha para começarmos a ter o nosso espaço aberto ao público para as pessoas provarem as nossas cervejas artesanais.
Sobre a afluência, tem sido muito positivo. No contexto de bares, restaurantes, hotéis e supermercados, temos tido uma recepção fantástica. Todas as reuniões de venda que tivemos foram positivas, e têm resultado em venda em quase todas delas. As encomendas começaram a refletir nisso, mas também, em parte, porque os estabelecimentos que estamos a escolher são estabelecimentos que achamos que se enquadram com o nosso produto. Agora, temos uma lista de vários estabelecimentos que queremos aceder, mas ainda não temos uma equipa de vendas grande o suficiente para chegarmos a todo os sítios ao mesmo tempo. No entanto, tem sido muito bom ver que os nossos comerciantes reconhecem o nosso produto, sabem distinguir o nosso produto de outras cervejas artesanais em provas e sabem que temos uma cerveja estável – uma cerveja com um grande prazo de validade, uma cerveja que pode ser aberta em qualquer momento e a sua carbonatação é estável devido aos nossos processos de produção.
Os nossos comerciais, de certa forma, estão a começar a descobrir a cerveja artesanal, estão a perceber a diferença com a cerveja comercial e estão a entender o tipo de cliente que consome cerveja artesanal. Nesse sentido, temos tido uma abordagem muito positiva, inclusive de outras ilhas: estamos a começar a entrar nas outras ilhas e já tivemos estabelecimentos de outras ilhas a pedirem para fazer encomendas. O nosso objectivo é termos uma visão larga e grande, mas o nosso primeiro objectivo é aqui a nossa ilha: queremos ainda estar em vários estabelecimentos da nossa ilha. Estou a fazer algumas reuniões ao longo desta semana, sou o único que faz toda a nossa venda e a nossa distribuição, por isso ficamos um bocado limitados porque um dia tem apenas 24 horas.
Como surgiu a ideia do logótipo da ‘Azores Brewing Company’?
Aquilo que é muito mágico do nosso logo é que várias pessoas veem coisas diferentes nele. O nosso logo surgiu depois de um processo de design que durou dois anos. Foi a nossa primeira definição da nossa marca e o nosso logo é uma marca registada. O processo foi feito com uma grande atenção, desenvolvemos primeiramente o nosso plano de Branding e Marketing para saber como queríamos enquadrar a nossa cerveja no mercado e a nossa entidade como empresa.
Para descortinar a mística dele, o nosso logo é um vulcão que está junto ao mar, tem a cauda da baleia no centro e temos a explosão de um vulcão, que é a aquela coroa que se vê no topo. A montanha e o vulcão fazem parte da nossa identidade porque somos ilhas vulcânicas.
No topo do logótipo, colocamos a frase ‘cerveja artesanal’ em arco porque o arco é uma parte muito integral da nossa arquitectura, temos inúmeros arcos de pedra na nossa ilha e também é um símbolo de força e de capacidade de aguentar peso.
Por fim, temos o ‘Azores Brewing C.º’, que é algo que estamos a tentar fazer claro: brewing, uma palavra em inglês, significa processo de produção de formatação de cerveja; e brewing company é uma empresa de produção de cervejas. Então, centramos mesmo muito nisso. Por isso somos uma brewing company in the Azores. Somos apaixonados pelo nosso produto e pelo nosso arquipélago.
Com isto tudo, o nosso logotipo tem todos os conteúdos que revelam a nossa identidade. Todos aqueles que levam consigo uma peça do nosso merchadising, levam consigo um bocado dos Açores.
A magia deste logótipo é que todos veem coisas diferentes, por exemplo, a coroa que se vê no topo, há muitos que pensam que é a coroa de um ananás. Todos os rótulos das nossas cervejas têm referência ao nosso mar, à nossa montanha, à nossa geografia.
Quais são os planos para o futuro? Planeiam abrir mais algum espaço?
Para já, estamos muito focados na nossa cervejaria. O nosso plano, neste momento, é finalizarmos a visão para este espaço, visto que é um espaço em desenvolvimento e o nosso ‘jardim de cerveja’ ainda está na sua ‘infância’. Por isso, queremos criar um pequeno oásis na natureza, ter um espaço verde e florido para as pessoas ficarem e para consumirem a nossa cerveja. O nosso objectivo é solidificar o nosso espaço.
Em termos de longo-prazo e de outras vertentes, queremos ter uma presença forte também nas outras ilhas, e isso sem dúvida está no nosso plano. Além disso, também queremos vender em Portugal continental e talvez vender no estrangeiro, porque, por exemplo, já houve pessoas que me perguntaram se vendíamos para Espanha e houve pessoas que já compraram o pack em Maio, visto temos o portão aberto e as pessoas entram para comprar cerveja, e levam a nossa cerveja como prenda para amigos ou familiares.
Em termo de outra localização, não temos planos para abrir uma outra localização agora, especialmente neste contexto, porque somos uma empresa jovem, acabamos de construir este espaço e queremos ter espaço no seu expoente máximo. Isto não quer dizer que não temos planos, nem parcerias com outros comerciantes para termos espaço onde a nossa marca e a nossa identidade também está em grande plano, e isso temos. Ainda não lhe posso avançar com grandes detalhes, temos parcerias que estamos ainda a desenvolver com outras empresas e outros empresários que estamos a tentar aproximar e para termos sinergias com outros espaços. O nosso espaço está disponível para eventos privados e é uma coisa que é de salvaguardar.
Aproveito também para dizer que, em princípio, no máximo, daqui a duas semanas, vamos estar no supermercado Continente de São Miguel e também vamos estar na da ilha da Terceira, além de já estarmos no SPAR das Furnas, no SPAR do Nordeste, em bares e em restaurantes.
E aproveito para lançar um convite a todos os estabelecimentos que sirvam bebidas alcoólicas ou bebidas em geral e que estejam interessados em ter a nossa cerveja lá, para nos contactarem, por favor. Estamos sempre disponíveis para conversarmos.
Apesar de a nossa cervejaria já estar aberta, a nossa inauguração é no dia 29 de Junho, às 14h, onde vai haver animação musical, comida e cerveja artesanal.
Filipe Torres
