As Festas de São João da Vila vão receber 17 marchas que vão desfilar durante os dias 23 e 24 de Junho. Entre as 17 marchas, vão estar presentes 15 marchas da ilha de São Miguel, uma da ilha de Santa Maria e outra com emigrantes, que irá participar pela primeira vez. Nuno Ventura é o responsável pela presença deste grupo em Vila Franca do Campo. Apesar de viver no Canadá há 20 anos, Nuno Ventura sempre viveu estas festas, mesmo à distância. Ao Correio dos Açores, o responsável pelo grupo Marcha do Emigrante conta como surgiram os convites, a sua “ligação fortíssima” com as Festas de São João da Vila e a importância desta marcha na sua família.
Correio dos Açores – Como surgiu o gosto pelas Marchas de São João da Vila?
Nuno Ventura (Responsável pela Marcha dos Emigrantes) – Vivo no Canadá há 20 anos. Nasci, cresci, respirei, vivi e comi à sombra do São João da Vila. Ou seja, respirei com São João e chorei com São João. Adoro São João da Vila porque quando era criança, fazia parte um conjunto musical chamado Gente da Vila, que foi o fundado pelo meu pai. Desde os meus 8 anos, a partir da meia-noite, na noite de São João, o grupo musical começava a sua actuação e só terminava às 6h da manhã, sem quaisquer interrupções. Lembro-me perfeitamente que levávamos 199 canções, muitas originais e outras criadas por artistas populares para abrilhantar a noite de São João e foi durante dezenas de anos, e digo isto de maneira humilde, um autêntico sucesso em Vila Franca do Campo. Assim que acabasse a última marcha, nós subíamos ao palco e cantávamos até às 6h da manhã. Isto incentivou muito mais o meu gosto pelo São João, especialmente pelo facto de ter acompanhado e de ter participado no São João da Vila durante todos os anos que vivi cá. Esta combinação de ingredientes fez com que ficasse ‘apaixonado ‘pelas festas do São João da Vila, e que nunca me tivesse desligado. Apesar de ter emigrado para o Canadá há 20 anos, continuei a amar estas festas e a participar, mesmo ao longe, ao escrever letras e músicas para as marchas da Vila.
Nestes 45 anos de vida, já escrevi mais de 100 marchas. Tal como o meu pai, comecei a escrever e a compor letras e músicas desde novinho. Antes de emigrar, fiz também a coreografia das marchas e durante muitos anos. Era requisitado e convidado a fazer a coreografia das marchas. Mais uma vez, o meu vínculo e a minha conexão com o São João da Vila são fortíssimos. Nunca me consegui separar destas festas, nem pretendo separar.
Formei um grupo no Facebook intitulado de ‘Gentes de Vila Franca’, que hoje tem 21 mil membros. Este nome deve-se ao grupo musical criado pelo meu pai, Gente da Vila. Assim, continuei ligado à terra, às raízes, às tradições e aos costumes, além de escrever as letras e as músicas para as Marchas do São João da Vila.
O meu sonho desde que fui para o Canadá era de continuar a participar em pessoa nas Marchas de São João, mas, infelizmente, nestes últimos 20 anos não consegui fazê-lo. O meu objectivo não era de somente participar numa marcha, queria realmente organizar uma marcha e trazer essa marcha do estrangeiro para cá. Foi assim que comecei a organizar este projecto em 2023, convidando todos aqueles que estão na página do Facebook. Acabaram por aceitar 52 marchantes de quatro países diferentes: do Canadá, dos Estados Unidos da América, da Bermuda e de Inglaterra, por ordem de número de marchantes. Chegaram os últimos elementos da marcha há umas horas.
Como foram os ensaios?
Pensei durante imenso tempo como faria os ensaios. Decidi que nós iríamos ensaiar desde Setembro de 2023, uma vez por mês, numa escola secundária em Toronto, no Canadá. Os marchantes dos Estados Unidos da América, da Bermuda e de Inglaterra assistiam ao ensaio virtualmente com fuso horário diferentes. Graças a Deus, as pessoas participavam, viam e percebiam. Lógico que não era presencial para eles, mas não ficava muito aquém daquilo que era presencial, visto que fazer uma roda é fazer uma roda, tal como fazer uma fila e voltar para trás é formar uma fila e voltar para trás. Portanto, pensámos sempre naqueles que estavam longe, mesmo por causa dos passos.
As indumentárias começaram a ser feitas em Janeiro deste ano pelas costureiras da Cooperativa de Artesanato e Solidariedade Social da Senhora da Paz, enquanto os tecidos e todos os fabricos foram enviados do Canadá.
Cheguei esta Terça-feira, dia 18 de Junho. O primeiro ensaio foi logo nessa noite, onde estiveram presentes 46 marchantes. Os ensaios têm sido um sucesso. A questão da idade também é um grande factor. A faixa etária vai dos 9 anos aos 69 anos, mas há mais adultos do que crianças. A pessoa com mais idade é natural de Ponta Garça, reside no Canadá há 50 anos, não vinha cá há 20 anos e sempre sonhou em participar numa marcha. O ensaio de Quarta-feira correu melhor, mesmo com muito nervosismo à mistura, porque há mais pessoas com maior capacidade de aprendizagem e outras com menor capacidade de aprendizagem. Com muito trabalho, temos conseguido trabalhar de uma excelente maneira.
Compus a letra e a música da Marcha dos Emigrantes e nós temos o tema intitulado ‘Os candis’.
Porquê esse nome?
Em inglês, nós dissemos candy, que são os rebuçados, os doces da América. Uma das coisas que me marcava quando recebíamos os barris da América na ilha, era o cheiro diferenciado e o cheiro das gamas, dos rebuçados e dos candis. Nós não dizíamos candy, mas sim os candis. Então, pensei em invés de investir num tema de saudade ou no tema da emoção, queria dar uma cor a isto e mostrar que o emigrante é feliz e também ama a sua terra. Nesta letra, está lá escrito.
Consegue citar um verso dessa letra?
Com certeza.
“Ó queridas caras,
já chegamos de avião
para festejar São João.
Foi uma longa viagem
Trouxemos gamas, rebuçados e candis
para dar aos rapazins,
dentro da nossa bagagem.
Já sinto o cheiro das praias
do mar salgado, da conserva e do pescado
que os barquilhos vão lá por.
Cheira a queijadas ao saboroso pão caseiro
que o nosso Mané Padeiro deixa à porta logo de manhã.”
(Refrão)
“Ó Vila Franca, Ó Vila Franca,
do campo e mar.
Tu és a vila de toda a ilha
a mais popular.
Vila de amores e de doutores,
Não há igual.
És a mais bela e mais rica donzela
de Portugal.
Ó Vila Franca, Ó Vila Franca,
Dos manjericos e do alecrim
Teus emigrantes são como amantes no teu jardim.
Vila de oleiros, de bons festeiros e do Verão,
és a mais linda e feliz do São João.”
O objectivo é tornar os emigrantes mais felizes. A saudade está lá escrita. Só de ter citado esta letra, sinto-me arrepiado. Não por soberba de vaidade ou arrogância, mas por amar a minha terra. Isto mexe sempre comigo.
A nossa marcha é a penúltima a actuar e vamos estar acompanhados pela Banda Lira do Rosário – Lagoa. Quando chegarmos ao Largo Bento de Góis, segue para o refresco e vou subir ao palco para cantar durante 1h30m para relembrar os tempos em que actuava no grupo Gente da Vila’e vou cantar muitas das marchas que escrevi e cantei durante anos da minha vida.
Acredita que será uma sensação única?
Sem dúvida nenhuma. Tenho 45 anos e estou muito feliz por Deus me ter dado uma oportunidade. Sobrevivi agora à leucemia.
Quais vão ser as cores predominantes das vossas vestes? Quem as fez?
Vamos ter todas as cores, excepto preto e branco. Vamos colocar todas as cores mais vivas. Posso-lhe até dizer que vai ser mais colorido do que o arco-íris, porque nós vamos ter cores bem fortes.
Dos 52 marchantes, todos são naturais do concelho da Vila Franca do Campo?
São quase todos. Temos 48 marchantes que nasceram no concelho e apenas quatro não nasceram aqui. Sobre os quatro que não nasceram em Vila Franca do Campo, dois deles nasceram na ilha da Terceira e os outros dois são de Lisboa, tendo participaram durante vários anos nas Marchas de Santo António.
O elemento mais novo da Marcha dos Emigrantes tem 9 anos. É importante incutir o gosto pelas marchas aos mais jovens?
Vim acompanhado com os meus filhos que também integram a marcha. Uma das coisas que tento passar aos meus filhos é o testemunho que tenho no sangue. Este é um sangue português, um sangue açoriano, um sangue micaelense e um sangue vilafranquense. Faço muita questão de partilhar as Festas de São João da Vila com os meus filhos, porque apesar de saberem pouco de português, cantam as minhas marchas e também actuam. Esta é a primeira vez que estão cá. O meu filho velho, que já tem 15 anos (e é um dos melhores basquetebolistas da escola secundária), diz que o seu sonho é de continuar a fazer o que eu faço. Isto é a oferta mais bonita e também mais linda que um pai poderá receber do filho.
A preparação para estas marchas durou um ano. Estas serão as noites mais alegres do ano?
Com certeza. Para mim, as Festas de São João são as festas mais alegres e divertidas. Vila Franca é conhecida obviamente pelas Festas do Senhor Bom Jesus da Pedra, mas para mim as festas mais alegres, mais colorida e com mais vida são as Festas de São João da Vila. Ainda por cima para quem respira, digamos assim, sente no coração, no sangue, em todo o lado, o São João da Vila.
Qual é a importância de haver as marchas em São Miguel?
Não querendo qualquer tipo de discrepância ou de rivalidade com as Sanjoaninas, na Terceira, considero que as Festas de São João da Vila são mais coloridas, umas festas mais divertidas e mais alegres. As nossas marchas são marchas do povo. Das gentes simples e das gentes humildes. Toda a gente vive em família iguais uns aos outros e celebram em conjunto o padroeiro dessas festas com muita alegria e animação. Sentem o fervor destes dias, sentem o que está no ar e sentem a alegria que está no ar. Qualquer pessoa que chegue a Vila Franca do Campo nesses dias, sente o fervor e sente uma energia positiva.
A ansiedade das pessoas que, de uma maneira ou outra, têm um primo, um neto, um vizinho envolvidos numa marcha. E depois começa o bairrismo, não um bairrismo de disputa, mas sim um bairrismo saudável em que o segredo de saber a roupa de um e a cor de outro, e qual o tema de cada um. Tudo isto entra neste fervor, nesta ansiedade de saberem que vivem com muita emoção. Têm a expectativa de saber como cada marcha vai ser.
Por exemplo há pessoas que não divulgam a letra e a música para guardar ansiedade. Muitas não querem partilhar para ser mesmo uma autêntica surpresa. Outros têm uma opinião completamente diferente, eu sou desta opinião: defendem que divulgando a letra dias antes do São João da Vila, convidam o povo a assistirem mas também a participarem quando a marcha passar.
É como se fosse um petisco para as pessoas participarem?
Exactamente. Coloquei ontem a Marcha do Emigrante na minha página pessoal, Nuno Ventura, e já recebemos mais de 300 gostos e com muitos mais comentários. As pessoas estão com muita alegria, principalmente porque é a primeira vez que o São João da Vila recebe uma marcha de emigrantes.
Posso-lhe dizer que me cruzei com muita gente em Vila Franca, quando fui tomar café, e as pessoas só diziam, na nossa gíria popular: ‘só mesmo gente doida para fazer uma coisa dessas’. (risos)
As pessoas perguntam-me como se faz isso.
E qual foi a sua resposta?
Com Deus. Não sou eu que faço, é ele que faz. Tenho muita fé em Deus. Só com ele é que consigo. Estou a gravar um álbum que se intitula ‘Obrigado Meu Deus’ porque depois do que passei, estou aqui hoje. Nunca vai ser o meu mérito, nunca vai ser o meu protagonismo, nunca vai ser o meu sucesso, não é para mim. Não sou eu que sou o merecedor disso, mas sim o nosso Deus, que me deu a vida e que me faz escrever as letras e as músicas quando peço para me ensinar. E é Deus que me dá hoje forças para estar aqui com esta marcha de emigrantes com 52 elementos, de quatro países diferentes.
Como é que foi feito o convite às pessoas?
Foi feito um convite público a todas as pessoas que estivessem interessadas para entrar em contacto comigo. Sou Presidente de uma associação chamada Amigos de Vila Franca do Canadá, e temos uma organização que reúne os vilafranquenses e os seus amigos e conhecidos. Temos muitas pessoas de outros países e de outras nacionalidades, nomeadamente do México, Cuba, da China, de França, de Angola, que são amigos de vilafranquenses.
Temos um grande grupo de amigos que são do Equador. Quando organizo anualmente o encontro dos Amigos de Vila Franca do Campo, e já vai para o sexto encontro, o número tem vindo a crescer. Neste momento, estamos com 2.200 convidados e a tendência é para crescer. Este encontro é realizado em Toronto.
Os vilafranqueneses, como qualquer outra pessoa de qualquer concelho de São Miguel, gostam de se reunir e de se encontrar.
É suficiente o apoio que a Câmara disponibiliza para as marchas?
A Câmara Municipal ajuda todas as marchas. Ajudou-nos com 4.500 euros. Nós tivemos um apoio muito grande por parte da Câmara, relativamente à nossa marcha, por parte da sua Vice-presidente, por parte da senhora Graça Ventura.
A Câmara ajuda-nos muito, desde os ensaios até à logística. Ainda estamos a acabar os últimos detalhes de tudo e a Câmara tem sido excepcional a colaborar connosco.
Pretende acrescentar algo mais?
Todas as pessoas que sonham, que levem o seu sonho avante. Que se empenhem no seu sonho, que não o abandonem e que acreditem. O sonho é possível. Sonhar é bom e também é possível concretizar, como eu sonhei em trazer uma Marcha do Emigrante.
Convido todas as pessoas a virem às festas do São João da Vila. Venham todos participar porque esta é a festa da família do São João e nós, como emigrantes, vamos sentir como todos a emoção que se sente na noite do São João da Vila.
Filipe Torres /F.F.