Desde muito cedo que teve contacto quer com animais, quer com a área da restauração. Veio para os Açores para concretizar o sonho do pai e hoje em dia é um dos mestres de sushi mais conhecidos da ilha. Ao Correio dos Açores, Maycon Melo fala do seu percurso que o trouxe até São Miguel, dos desafios que a área da restauração provoca e assume que “os Açores têm um potencial enorme para quem trabalha com sushi”.
Correio dos Açores – Como foi o seu percurso até chegar aos Açores?
Maycon Melo (Mestre de Sushi) – Eu sou do interior do Mato Grosso do Sul. Vim de uma cidade pequena com 20 mil habitantes, chamada Fátima do Sul. É uma região com muito pantanal e muito virada para a agricultura e pecuária. Sempre vivi lá.
Com o falecimento da minha mãe, quando tinha 14 anos, tivemos que mudar de cidade. O meu pai já vivia em Portugal na altura, e fomos para uma outra região do Brasil, mas no mesmo Estado. Nessa altura fui criado pela minha tia. Entre para a universidade com 17 anos e fui cursar Zootecnia, numa cidade que ficava a 500 quilómetros da capital, mas que também ficava no meio de um pantanal. Então, pode-se dizer que desde muito cedo tenho contacto com a agricultura e com a pecuária.
Passados alguns anos, estava um pouco perdido. Não tinha conseguido superar a perda da minha mãe, e não conseguia organizar a minha vida. Como o meu pai morava em Portugal, eu decidi vir para cá.
Ainda no Brasil, tive o primeiro contacto com a área da cozinha. Com 14 anos fui trabalhar numa rulota de um amigo do meu pai, para ocupar a cabeça. Então também comecei muito cedo na área da restauração.
Vem para os Açores quando se inscreve no curso de Biologia da Universidade dos Açores…
Vim para cá com o intuito de realizar o sonho do meu pai: juntar a família toda. Quando cheguei, tive a oportunidade de conseguir a transferência e dar continuidade ao curso de Zootecnia, passando a estudar Biologia na Universidade dos Açores. Após alguns anos, fui desafiado a tirar um curso directamente ligado à cozinha asiática, propriamente ao sushi. Aceitei o desafio, mais em tom de brincadeira e as coisas foram acontecendo.
Alguma vez pensou que nesta fase da sua vida seria um mestre de sushi?
Honestamente, nunca imaginei trabalhar directamente com a comida. Tinha noção que tinha algum carinho, algum afecto pela área da restauração em si, para servir as pessoas. Desde novo que me considero um bom anfitrião, sempre fui muito ligado ás pessoas. Sempre senti que tinha essa ligação mas nunca imaginei que iria estar na parte de trás do balcão, quanto mais fazer sushi numa ilha incrível como SãoMiguel.
O que é o sushi para si?
Para mim é um estilo de vida. A arte de trabalhar com o sushi, de perceber o quão delicada é a matéria-prima e o quão responsáveis devemos de ser com ela. É uma responsabilidade acrescida. Cuidar, primeiramente, do que se vai servir. É ter atenção em quanto se serve e ter um feedback positivo das pessoas.
É fácil arranjar peixe fresco para se trabalhar nos Açores?
Os Açores têm uma coisa muito boa, é muito fácil arranjar pescado fresco cá. A Região tem uma riqueza enorme, não só de peixe mas também de marisco e carne.
Os Açores têm um potencial enorme para quem trabalha com sushi. Como costumo dizer, é mito fácil ser cozinheiro cá com tantos produtos que falam por si, sem ser preciso inventar muito. É uma cozinha muito simples, é preciso respeitar os produtos que nós temos. No sushi temos essa responsabilidade quando servimos a maioria das coisas cruas ou braseadas. Ter esses produtos que falam por si é algo de muito bom.
Como chegou a chefe de sushi no Senhora da Rosa?
Em 2022 eu estava num projecto em conjunto com um restaurante local. Esse projecto correu muito bem e fui abordado pela doutora Joana Damião, que me procurou para abraçar esse projecto e depois desafiou-me de uma forma mais concisa a participar com ela e a crescer juntamente com ela neste projecto.
Não fui eu que cheguei até ao Senhora da Rosa, foi o Senhora da Rosa que chegou até mim, para ser honesto. Foi criada uma relação com a Directora geral, que é a doutora Joana, e com base nos desafios e dos sonhos dela, chegamos aqui. Vi com bons olhos o projecto que me foi apresentado e resolvi aceitar. Graças a Deus, desde então, tem sido de vento em popa.
Como se pode combater a rotatividade que existe na restauração?
Nós vivemos nos Açores, vivemos numa Região periférica e temos exemplos claros de como as coisas poderiam ser melhores. Se calhar há dois factores que devem ser separados: desenvolvimento pessoal e desenvolvimento profissional das pessoas dentro das pessoas.
A nível pessoal, uma melhoria drástica dos ordenados, numa Região que depende quase única e exclusivamente do turismo. Cerca de 70% da economia do Verão vem do turismo. Se temos uma capacidade de gerar e reter dinheiro na Região em tão pouco tempo, então seria importante olharem para as carreiras das pessoas e haver uma revisão do salário das mesmas. Também deveria melhorar-se as condições de trabalho. É uma área muito dura, muito difícil, que quem está tem que gostar muito do que faz. É um área em que passamos mais tempo com a nossa família da cozinha do que propriamente com a nossa família em casa. A tendência seria melhorar as condições das pessoas, especialmente a nível salarial, para conseguirmos reter mais pessoas.
Era importante pararmos e repensarmos, podendo as empresas ter alguma atitude um bocadinho diferente visto que todas têm capacidade de crescimento. Se uma empresa conseguir dar o passo em frente, acho que as outras seguirão o exemplo.
Há algum peixe que tenha mais prazer em manusear?
Numa Região como os Açores fica difícil de escolher, porque há um leque de pescado que nos deixa boquiabertos. Mas sim, tenho os meus peixes preferidos.
Gosto muito de trabalhar o lírio, que é um peixe muito gordo, muito saudável. Também gosto muito de trabalhar a choupa, que é um peixe branco que não é muito comum de ter cá. O próprio enchareu tem uma carne muito saborosa. E claro que não poderia deixar de fora o atum.
É difícil conciliar a vida de Chefe com a vida familiar, especialmente tendo em conta que foi pai há pouco tempo?
O que costumo dizer é que, até ao momento, tenho conseguido conciliar a vida com o trabalho. Eu sou uma pessoa muito apaixonada, que vive muito os desafios que vão surgindo. A realidade é que quem trabalha nesta área sofre muito, mas acredito que quem partilha a vida com quem trabalha nesta área se calhar sofre mais. Para nós, como gostamos muito disso, os dias vão passando e conseguimos suportar isso.
Tendo um bebé de quatro meses, começo a olhar mais para o tempo. Também começo a organizar melhor as coisas para ver se sobra tempo para estar com a família. Fácil não é. Trabalhamos muitas horas, em horários onde as pessoas estão a sair e nós estamos ali para as receber e temos de as tratar bem. O nosso serviço é para receber bem.
Que outros projectos tem em vista?
Sou formador também. Gosto muito da área da cozinha e o projecto no Senhora da Rosa está a começar muito bem. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e eu sou sonhador. Saí do meu pais em busca de vida melhor e nunca se sabe o que o futuro nos reserva. Eu tenho muita vontade de abrir o meu negócio uma vez que gosto muito de servir os outros.
Tem algo mais a acrescentar?
Gostaria de deixar a mensagem para as pessoas serem apaixonadas. Sejam dedicados e vivam os vossos sonhos. Lutem pelos vossos objectivos e sejam felizes. Encontrem algo que vos faça feliz e não se esqueçam da família e dos amigos.
Frederido Figueiredo