A Secretaria da Saúde e Segurança Social publica na plataforma do Governo dos Açores um contributo individual não identificado entregue no período de consulta pública ao Plano Regional da Saúde 2030 publicado ontem no Jornal Oficial, e que faz um diagnóstico crítico do estado da saúde na Região.
Segundo o contributo ao Plano Regional de Saúde 2030, constata-se que a Região “continua a manter os piores indicadores de saúde nacionais: temos uma menor esperança média de vida, mais obesidade infantil e do adulto e mais tabagismo. O abandono escolar é o mais elevado do país e a taxa de aleitamento materno é a mais baixa. Para além disso, é a região do país com maior prevalência de diabetes e aquela com maior carência de iodo”, segundo o Observatório Nacional de Diabetes, 2023.
Um Plano Regional de Saúde, segundo o autor do contributo, “deve respeitar as idiossincrasias de uma determinada região, mas também deve ser capaz de promover uma mudança efectiva no planeamento da saúde a nível local, tornando-o numa actividade eminentemente prática e útil quer à comunidade quer aos serviços de saúde. Deve apontar medidas legislativas de regulamentação, normativas, administrativas ou outras que visem criar condições ambientais, sócio-económicas e sociais favoráveis à saúde individual e colectiva,” refere.
Fim da cultura do tabaco e da
beterraba sacarina não fez reduzir consumo de tabaco e de açúcar
“Somos, sem sombra de dúvidas, a região do país com maior prevalência de diabetes e de tabagismo. Até há poucos anos a Região era a única no país que produzia tabaco. Sem o apoio da Comunidade Europeia e com a falta de mão-de-obra, os produtores mudaram-se para actividades agrícolas mais rentáveis, pelo que a cultura do tabaco foi completamente abandonada. Mesmo assim, a actividade das tabaqueiras locais é ainda significativa na criação e manutenção de emprego e nas receitas fiscais geradas pelo consumo do tabaco.”
“O mesmo se poderá dizer em relação ao açúcar”, lê-se no mesmo contributo, “cuja produção local foi assegurada durante muitas décadas pela cultura de beterraba sacarina, actualmente também inexistente.” Contudo, “o fim do ciclo destas actividades agro-industriais não provocou, como seria expectável, uma redução no consumo de tabaco e de açúcar, que continua entre os mais elevados, senão mesmo o mais elevado do país.”
Lê-se neste contributo que “a persistência destes excessos por força da inércia de hábitos instituídos durante décadas, é um dos problemas de saúde pública mais relevantes nos Açores.”
Considera que “mudar este paradigma não é uma tarefa fácil. Mas, se em relação ao consumo de tabaco assistimos à implementação de medidas restritivas como a proibição de fumar em recintos públicos e nas suas imediações; o agravamento da carga fiscal sobre a venda de tabaco; coimas pesadas para os prevaricadores, o mesmo não se poderá dizer em relação à fast food e aos refrigerantes que continuam em regime promocional um pouco por todo o lado.”
Agravar carga fiscal
sobre a fast food
No entender do autor do contributo, “a luta contra a obesidade e a diabetes só será bem-sucedida se houver uma indicação clara e determinada de que o consumo persistente de hidratos de carbono de absorção rápida e de gorduras saturadas põe em risco a saúde dos consumidores. Esta indicação pode ser veiculada através de um aumento da carga fiscal sobre estes produtos, pela restrição da sua publicidade ou pela obrigatoriedade de rótulos sanitários, indicando por exemplo o conteúdo de açúcar nas embalagens de refrigerantes.”
“O que não pode acontecer”, acrescenta, “é a política de preços em particular nas grandes superfícies comerciais, em que a água engarrafada é frequentemente mais cara do que uma embalagem de refrigerante com a mesma capacidade. Não deve também ser permitida a comercialização de bolos e sobremesas em instituições públicas nomeadamente escolas e estabelecimentos de saúde.”
Adianta que a expressão generalista ‘doenças crónicas não transmissíveis’ como designação das chamadas doenças civilizacionais, deve sempre que possível especificar que a diabetes, a hipertensão, a dislipidemia e o cancro “são os verdadeiros ‘predadores’ na Região Autónoma dos Açores.”
Mortalidade da diabetes tipo 2
Realça que ao se eleger como prioridades do Plano Regional de Saúde o tabaco, o álcool e a obesidade infantil, “corremos o risco de descontextualizar a necessidade de reduzir a mortalidade prematura nos próximos anos, tornando-a um objectivo longínquo no médio e longo prazo e não em 2030 que é já aqui.”
Preconiza que a diabetes tipo 2 “não pode, nem deve estar omissa no Plano Regional de Saúde. Com uma prevalência estimada de 16.3% na população adulta açoriana, necessita de uma maior empenho e visibilidade, que possam alertar as autoridades de saúde e a comunidade em geral para os seus riscos, para a sua cronicidade debilitante. É de fato a primeira causa de cegueira, de hemodialise e de transplante renal, de amputações não traumática dos membros inferiores, de doenças cardiovasculares, um impacto demasiado pesado para ser minorado ou ignorado, isto se tivermos em conta que o rastreio da diabetes é actualmente simples e eficaz quando comparado com outras situações crónicas como as neoplasias.”
O rastreio das complicações, nomeadamente a retinopatia” tem sido periclitante com interrupções inexplicáveis para uma técnica simples e eficaz de vigilância, salienta.
Os desígnios propostos na Introdução do Plano Regional de Saúde são os seguintes: Redução da mortalidade prematura (abaixo dos 70 anos); Melhoria da esperança de vida saudável (aos 65 anos).
Redução dos factores de risco relacionados com as doenças não transmissíveis: o consumo de tabaco e álcool (e outras drogas); a mudança de estilos de vida; a obesidade infantil; e Melhoria do acesso a cuidados de Saúde.
No entender do autor do contributo, “a necessidade de implementar um registo electrónico único deve ser considerada Ab Initio como um instrumento fundamental na melhoria dos cuidados de saúde.” Neste sentido, “consideramos que a par de uma melhoria no acesso aos cuidados de saúde deve ser garantida a sua complementaridade a diversos níveis, nomeadamente entre os cuidados de saúde primários e os cuidados de saúde diferenciados e isto só é possível através da partilha de informação entre os prestadores de cuidados de saúde aos mais diversos níveis de referenciação.”
Incentivar consumo de iodo
Segundo o contributo, a prevenção e controlo das doenças mais prevalentes (cardiovasculares, oncológicas, diabetes, obesidade) “passam pela promoção de uma alimentação saudável, através da redução do consumo de gordura saturada, de sal e de açúcar e através do aumento do consumo de fruta e hortícolas. Dieta vem do grego díaita e significa modo de vida. A frase do filósofo Sócrates: “Coma para viver, não vivas para comer” personifica este ideal da alimentação enquanto promoção de bem-estar e não como um fim em si. Esta noção deve ser implementada na comunidade sob a forma do incentivo a uma vida activa através da produção própria ou comunitária de vegetais e produtos hortícolas.”
“Dadas as evidências de um deficiente aporte do iodo nas crianças da Região Autónoma dos Açores (Limbert et al., 2012), as orientações sobre alimentação equilibrada devem reforçar esta importância da ingestão apropriada de iodo, através do consumo de alimentos que, habitualmente, são fontes deste elemento, designadamente: pescado, leguminosas, hortícolas e, ainda, leite e outros produtos lácteos.”
“A substituição do sal comum por sal iodado poderá também contribuir para o aporte adequado de iodo,” realça
Uma “eflorescência de conceitos”
Conclui que o Plano Regional de Saúde é apresentado como “uma eflorescência de conceitos e princípios, sendo neste contexto sempre imprecisa a qualidade dos frutos. Mas para já faltam as medidas concretas que são relegadas para os programas parcelares específicos.”
Refere que o modelo de governação “não engloba a comunidade em geral, nomeadamente as autarquias e os parceiros sociais. É um modelo arregimentado nos serviços de saúde que dificilmente poderá mobilizar a comunidade para hábitos de vida saudáveis.”
Considera que as autarquias “têm um papel fundamental na promoção da saúde, por exemplo ao promoverem a pedonalidade, as ciclovias, os equipamentos desportivos. Para além disso, estão na primeira linha nos licenciamentos dos estabelecimentos de fast-food, bebidas e similares, bem como na promoção da actividade física e no apoio aos clubes desportivos. Têm a incumbência e a capacidade de implementarem estilos de vida saudáveis pelo que devem ser parceiros preferenciais no planeamento da saúde.”
J.P.