Foi há 15 anos que Carolina Ferreira abriu a primeira loja de produtos açorianos em Lisboa. Nesta entrevista, a empresária conta que a ideia para este projecto surge quando ainda era estudante e sentiu a falta dos sabores dos Açores na capital; hoje, suas três lojas – Espaço Açores, Mercearia dos Açores e Loja Açores – são um ponto de encontro para os açorianos e continentais que, por entre uma degustação e outra, apreciam cada vez mais a gastronomia regional. Todas as segundas e quartas-feiras recebem os produtos frescos – como o queijo, os bolos lêvedos e a massa sovada – e fazem vendas online com distribuição de Norte a Sul do país. “Acredito que as nossas lojas são muito mais do que montras para os produtos dos Açores – nós já temos um volume de negócios expressivo e somos muito importantes para muitos produtores”, afirma Carolina Ferreira.
Correio dos Açores – Pode nos falar um pouco da história da Loja Açores em Lisboa?
Carolina Ferreira (Gerente da Loja Açores em Lisboa) – Quando vim estudar para Lisboa, comecei a reparar que, além do leite e do queijo de São Jorge embalado, não havia produtos dos Açores. E, como é sabido por todos, os açorianos não sabem cozinhar sem pimenta da terra, em especial os micaelenses! Disto resultava que quando regressava das férias, chegava a Lisboa carregada com caixas de biscoitos, pimenta, licores, carne, peixe… Era uma festa (risos)! Depois de finalizar o curso, fui fazer o mestrado na Suécia, mas, entretanto, voltei a Lisboa para trabalhar. E foi por essa altura que comecei a pensar que seria interessante ter um espaço para vender produtos dos Açores. Os meus pais são donos da Fábrica de Licores Mulher de Capote e, para nós, também era muito interessante ter um ponto de venda no continente. Neste sentido, juntámos o útil ao agradável e criámos um espaço não apenas com os nossos licores, mas também com toda a panóplia de produtos dos Açores.
Actualmente, temos três lojas que acabam por ser três projectos distintos, pois apesar de oferecerem os mesmos produtos, acabam por ter dimensões diferentes. Abrimos a primeira loja, o Espaço Açores, em Abril de 2009, em parceria com as Associações de Desenvolvimento Rural. A segunda loja, a Mercearia dos Açores, foi um projecto totalmente nosso, da Fábrica de Licores A Mulher de Capote. E a Loja Açores, que completará 10 anos em Setembro deste ano, é um projecto em parceria com o Governo Regional.
Quais foram as maiores dificuldades para montar uma loja de produtos açorianos em Lisboa?
Não foi fácil, especialmente quando falamos da questão dos produtos frescos; as coisas complicam-se um pouco. Mas nada se consegue sem trabalho, e a partir do momento em que decidimos fazer esta aposta, disse: ‘vamos em frente e é para funcionar!’ Como é evidente, no início as pessoas não conheciam os bolos lêvedos e a massa sovada e, neste sentido, tivemos de fazer um grande trabalho para apresentar os produtos aos clientes, com degustações e pequenos brindes, por exemplo. Ou seja, inicialmente houve todo um trabalho para criar uma carteira de clientes e promover estes hábitos de consumo, porque a verdade é que os continentais não conhecem a maioria dos nossos produtos.
Pode descrever o os produtos que têm em loja?
A nossa aposta é mais forte na parte dos produtos alimentares, mas também temos, por exemplo, alguidares de alcatra e várias peças de artesanato, como os trabalhos em Escamas de Peixe e Presépios de Lapinha. Na parte da alimentação, procuramos ter um bocadinho de tudo: desde os queijos de São Jorge, dos mais curados aos menos curados, e fazemos corte de queijos nas nossas lojas. Também temos queijinhos amanteigados, manteigas artesanais, como as das Flores e do Pico, que são fantásticas. Temos bolos lêvedos, massa sovada, queijadas, doces, conservas, morcela, chouriço e pé de torresmo. E, embora não façamos manuseamento de carne, temos carne embalada em vácuo e nas cuvetes — muitas vezes ajudamos os nossos clientes a fazer as alcatras, as carnes guisadas e nosso bife à regional. Quanto às bebidas, temos os nossos licores e vinhos, os nossos sumos, como a Kima e a Laranjada e os nossos chás, entre outros. Ou seja, acabamos por ter um pouco de tudo aquilo que se produz nas nove ilhas.
Como é organizada a logística para trazer produtos frescos dos Açores?
Os nossos produtos frescos chegam de avião às segundas e quartas-feiras. Neste sentido, precisamos de volume para justificar o custo que é especialmente elevado no caso do transporte aéreo. Mas, os nossos clientes já sabem que nestes dois dias têm os seus produtos frescos, como a carne, os bolos lêvedos, a massa sovada, o queijinho fresco e as queijadas.
Quem são os vossos maiores clientes?
Temos três tipos de clientes. Por um lado, temos os açorianos que vêm cá fazer as suas compras da semana ou do mês, mas estes já conhecem bem os seus produtos. Por outro lado, no caso dos continentais temos dois tipos de cliente: aqueles que já foram aos Açores e, por já terem o bichinho, vamos apresentando novos artigos; e depois temos os continentais que nunca foram aos Açores e estão numa descoberta total. Como fazemos degustações, introduzimos produtos novos todas as semanas, e as pessoas que trabalham aqui perto passam por cá para provar algo diferente e esta acaba por ser uma forma de ficarem conhecerem os nossos artigos. Além disso, e muito em função da nossa localização, também recebemos turistas.
Quais são os produtos favoritos dos continentais? E dos açorianos a viver no continente?
Para os açorianos que estão a estudar ou a trabalhar em Lisboa, aqueles que estão habituados à nossa gastronomia, em primeiro lugar está, sem dúvida, a pimenta da terra;depois, vêm os bolos levedos, a massa sovada, o licor de maracujá e o queijo de São Jorge. Já para os continentais, os favoritos incluem o bolo lêvedo, os licores, o queijo de São Jorge e o chá.
Como funciona a dinâmica com os fornecedores açorianos?
Nós temos vários tipos de fornecedores. Por um lado, trabalhamos com os grandes empresas como a LactAçoresque já é uma comprativa que junta alguns produtores; e, por outro lado, temos os pequenos produtores com quem contactamos directamente como é o caso da manteiga das Flores ou dos barretes do Corvo, por exemplo.
Mantenho uma relação de proximidade com os nossos produtores, pois para além de ter as lojas em Lisboa há 15 anos, também sou produtora e a Fábrica de Licores está presente em muitas feiras e eventos em que também estão os outros produtores. Para além disso, o facto de a Mulher do Capote ser uma empresa açoriana com uma longa história, dá uma certa confiança aos nossos fornecedores – há sempre um grandes entusiamo por parte dos produtores quando os contacto e explico que sou da Loja Açores.
Como gere a procura por novos produtos?
Tento estar sempre atenta aos novos produtos dos Açores, mas somos nove ilhas e, por vezes, existem pequenos projectos que são muito bons, mas não têm tanta divulgação. Neste sentido, a todos os produtores que tenham um produto que considerem adequado para a nossa loja, peço que me contactem. É sempre bom perceber que existem coisas novas e que estes produtores querem fazer parte do nosso projecto. Assim sendo, podem contactar-me, pois farei de tudo para que o seu produto esteja presente nas nossas lojas.
Tem algum exemplo de um produto em que tenha sido um produtor açoriano a chamar a sua atenção?
Sim. Um destes produtos foi precisamente a carne seca do Pico, pois eu desconhecia completamente que se produzia este tipo de produto nos Açores. Mas, a senhora abordou-me e actualmente é um produto que tenho mesmo ao lado do balcão – pois é um tipo de snack e está a sair maravilhosamente bem. As pessoas ficam muito surpreendidas porque, tal como eu, desconheciam que se produzia carne seca nos Açores. Mas o facto é que faz todo o sentido: nós temos a melhor carne do mundo, então porque não produzir uma carne seca?
Para além das degustações, que tipo de eventos costumam promover?
Nós promovemos eventos de vários tipos, como aqueles feitos em parceria com a Marca Açores, as festas dos nossos aniversários e, inclusive, já tivemos o lançamento de um livro e trouxemos o Romeu Bairos para cantar na nossa loja. De certa forma, procuramos organizar eventos que servem como ponto de encontro para os açorianos, mas também para os continentaispois somos um povo que gosta muito de partilhar a sua cultura e fomentar estas relações é muito importante para nós. Para além disso, tentamos sempre promover os produtos dos Açores através dos meios de comunicação social, em especial a televisãopor ter um impacto maior. Neste sentido, já marcamos presença em vários programas de televisão, como o Você na TV, o Chefs na Nossa Terra, ou Casa Feliz da SIC.
O que perspectiva para o futuro das lojas dos açores em Lisboa?
O comércio é sempre muito dinâmico e a verdade é que não podemos abrir o espaço e ficar à espera que a partir dai as coisas funcionem. Pelo contrário, temos de estar sempre perspectivar coisas novas e é precisamente isso que procuramos fazer no nosso dia-a-dia. Temos, em especial, o privilégio de manter a relação com o cliente, um ponto que para nós émuitoimportante. Por exemplo, na altura do Natal fazemos cabazes para várias empresas, e isso proporciona uma interacção directacom essas empresas e com um número muito maior de pessoas. Ou seja, para uma empresa com 300 colaboradores, são 300 famílias que vão ter acesso aos produtos dos Açores. Pelo menos um daqueles produtos lhes vai chamar a atenção e vão procurar a nossa loja.
Para além disso, temos vendas online e fazemos entregas de Norte a Sul de Portugal e para vários países europeus. Na altura da pandemia Covid-19, tivemos de nos adaptar e fomos nós próprios fazer as entregas aos nossos clientes, um modelo que acabou por ficar até hoje para as encomendas de menor distância para as restantes, temos o apoio de uma transportadora.
Temos vindo sempre a evoluir, mas é um projecto que requer muito trabalho, muita dedicação e muita formação, mas que é essencial para nós como açorianos.
O que representam as vossas lojas para economia da Região?
Acredito que é um projecto maravilhoso porque é a única oportunidade que centenas de produtores têm para mostrar os seus produtos fora da Região. O nosso crescimento passa pela nossa capacidade de exportação, pois se não conseguirmos exportar será sempre limitativo em termos económicos para as nossas empresas e para a nossa Região. Acredito que as nossas lojas são muito mais do que montras para os produtos dos açores – nós já temos um volume de negócios expressivo e somos muito importantes para muitos produtores.
Daniela Canha