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“Já reparei quase todas as peças do Santo Cristo”,diz o ourives Alexandre Melo

“Não aparece alguém que queira aprender.” É desta forma que Alexandre Melo, ourives com mais de 50 anos de profissão, comenta a falta de ourives que existem actualmente. No dia do seu aniversário, conta ao ‘Correio dos Açores’ como foi o seu percurso, quais as peças mais pedidas e admite alguma dificuldade em fazer peças em ouro devido à subida do preço deste metal precioso.

Correio dos Açores – Nasceu e cresceu no Livramento?
Alexandre Melo (Ourives) – Nasci e cresci aqui na freguesia do Livramento na rua da Canada Nova, perto de onde vivo agora que é na Rua Glória ao Carmo. Casei cedo, com 21 anos e fui pai cedo. Agora tenho quatro filhos, dois meninos e duas meninas. Também tenho quatro netos: três raparigas e um rapaz.

E como foi o seu percurso escolar?
Foi fraquinho (risos). Fui só até à sexta classe, em 1962. Depois não estudei mais, fui logo trabalhar.
Desde os 14 anos que sou ourives. Tenho mais de 50 anos de profissão.

Como é que se tornou ourives?
Na altura, fui para a Ourivesaria Martins do Vale, tinha 12 anos. Estive lá três anos. Depois como trabalhava com o Senhor Azevedo, lá na Martins do Vale, e ele saiu, fui trabalhar com ele. Ele gostava do meu trabalho e então decidiu chamar-me para que fosse trabalhar para ele. Fiquei a trabalhar com ele durante 30 anos. Trabalhei no Largo 2 de Março e depois na Ourivesaria que ele tem actualmente, na Rua da Cruz.
Em 2000, quando comecei a construir a minha casa, e estava pouco a pouco a sair do trabalho para ir buscar materiais, pedi uma licença sem vencimento para poder acabar a construção. Felizmente foi me concedida essa licença, onde até poderia continuar a trabalhar a partir de casa, consoante a minha disponibilidade.
Este nosso entendimento deu certo e a partir desta altura comecei a trabalhar só a partir de casa. São, portanto, 24 anos a trabalhar a partir de casa. Por minha conta.

Que tipo de peças trabalha?
Faço reparações de peças em ouro e prata. Já reparei coroas do Espírito Santo e já fiz alianças. Faço trabalhos desse género, sempre com esses materiais.

É difícil conseguir o material para poder reparar as peças?
Sim, especialmente porque temos de comprar a matéria-prima. Compramos ouro enquanto a prata, normalmente, temos que é cascalho. Vai-se arranjando aos poucos. Tenho também, aqui em casa, o resto dos materiais que preciso para ir arranjando as peças. E depois são as minhas mãos que fazem o resto.

Em sua opinião, porque é que a profissão de ourives está a desaparecer?
Em primeiro lugar porque cá não existem escolas de Ourives. Pelo que sei, existem na cidade do Porto escolas e cursos de ourives. Geralmente as pessoas de cá que querem aprender, não querem se deslocar para lá.
Em segundo lugar, porque os poucos ourives que estão ainda no activo, como eu, o senhor Azevedo e mais dois ou três rapazes que estão a trabalhar há algum tempo, estão em fim de carreira, como se costuma dizer. E não vejo pessoal novo a querer entrar. É uma profissão bonita, onde são necessárias muita calma e muita paciência, e acima de tudo muita vontade de aprender.
Para se aprender a ser um ourives é preciso ter essa paciência, vontade e querer.

Se viesse um aprendiz ter consigo, seria capaz de o ensinar?
Claro que sim, desde que ele quisesse aprender. Também seria necessário ter tempo para o poder ensinar correctamente. Muitas vezes o tempo escasseia com a quantidade de trabalho que tenho agora. Mas se aparecesse alguém com gosto e vontade de aprender, ensinava.
Já ensinei dois ou três. Ensinei o meu sobrinho e dois colegas que estavam comigo a trabalhar na ourivesaria.
O problema é que depois não apareceu mais ninguém que quisesse aprender. Não posso ser eu a ir buscar gente que queira aprender o ofício, até porque não aparece ninguém que queira aprender.

Gostaria de deixar esta tradição na família?
Nenhum dos meus dois filhos quis aprender a ser ourives. Nem se sentavam ao pé de mim para ver. Tenho agora um neto, pequenino, que tem gosto em mexer na ferramenta. Vamos a ver se ele desenvolve o gosto de querer aprender a ser ouvires. Ele ainda é muito novo, tem apenas três anos.

Quais são as principais características que um ourives deve ter?
Primeiro deve ter uma boa capacidade de ver e de ter ideias. É preciso inovar sempre. Depois é preciso ter gosto pela profissão e querer aprender.
Há alguma peça que o tenha marcado especialmente?
Já fiz tantas peças, e reparei outras tantas que fica difícil escolher uma. Já reparei quase todas as peças do Santo Cristo, juntamente com o Senhor Azevedo que para além de ter sido meu patrão, é também meu compadre. Reparamos as peças mais valiosas do Santo Cristo.
Não me consigo lembrar de todas as peças valiosas que já me passaram pelas mãos. Prefiro pensar no presente, do passado eu esqueço-me.

Há alguma peça que gostasse de ter reparado e não conseguiu?
Não. Faço e reparo as peças consoante o gosto das pessoas. Elas vêm cá com o seu desenho e eu reparo, ou faço, se conseguir. Há muitas peças que não se conseguem fazer há mão. Quando não consigo fazer, tenho que mandar para o Porto onde existem as máquinas para se fazer as peças.
Só consigo mesmo fazer peças manuais. O que se faz mais são alianças lisas, de casamento e de namoro.

Em média, qual é o custo de uma peça?
Depende sempre da quantidade de material que se usa. Quanto mais pesado for a peça, mais elevado será o custo. Já fiz alianças que custaram mais de 2000 mil euros cada uma porque eram muito grossas e levaram mais ouro. A mão-de-obra é quase sempre o mesmo preço. Porque fazer uma aliança fina e uma grossa é quase a mesma coisa. O peso do ouro é que influencia o preço final da peça.

Tem sentido dificuldades com a subida de preços?
Noto que as pessoas já não pedem tanto peças novas. Ainda para mais o ouro está cada vez mais caro.
As pessoas optam por usar o ouro mais antigo, que não tenha muita utilidade e que possam ter em casa, de ofertas ou de heranças, para derreter e fazer uma peça nova. Se for uma peça totalmente nova de ouro, fica muito caro e as pessoas deixam de pedir os trabalhos.
Quando me trazem o ouro é mais compensatório para a pessoa porque só paga a mão-de-obra, uma vez que estão a fornecer o material.

Consegue viver apenas dos trabalhos que vai realizando em casa?
Depende sempre do trabalho que possa ter. Trabalho com várias ourivesarias e algumas têm mais trabalho do que outras. Mas por mês consigo obter um bom rendimento.

Tem alguma mensagem que gostasse de deixar?
Que todos chegassem pelo menos à minha idade com muita saúde, alegria e amor.

Frederico Figueiredo
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