Pedro Nuno Santos corre o sério risco de ficar para os pasquins de ciência política como alguém que apareceu no momento errado. Não sei se têm reparado no seu relativo desaparecimento, agora que o país começa a ir a banhos, a seleção ainda se aguenta na Alemanha do futebol, e as pessoas olham para Luís Montenegro como o líder que o país não tem tido. Não obstante a enorme precariedade parlamentar pela qual passa o executivo social-democrata, a capitalização dessa condição tem sido completamente inexistente. Em grande medida, porque se torna muito difícil ao atual líder socialista criticar o que foi feito em três meses, quando ele próprio governou durante oito anos. Mas mesmo que a desonestidade intelectual o permitisse, tal estratégia seria dificilmente aceite. As eleições foram há pouco tempo e, por enquanto, não há dissolução possível. O crítico, para Pedro Nuno Santos, é que nem se vislumbra como se poderá chegar ao argumentário político para uma decisão dessas. Ninguém está a vociferar pelo fim da governação.
E o executivo não está a sangrar, em sofrimento, apenas à espera que o tempo corra para ser substituído, o que acontece por diversos fatores, uns mais de substância, outros de circunstância. Hoje, o Partido Socialista tem um incómodo latente entre quem deixou o país preso por arames, dando agora a Montenegro a possibilidade de amarrar as pontas e fechar dossiers, pacificando setores ou comprando guerras necessárias com outros, e quem tenciona esquecer as consequências desse tempo. Tem uma derrota eleitoral na Madeira e uma vitória nas europeias, perdendo um dos nove mandatos que tinha. Tem António Costa, hábil transformador de derrotas em vitórias, a confraternizar alegremente com o primeiro-ministro a sua indicação para líder do Conselho Europeu, endereçando a este calorosos agradecimentos pelo seu trabalho junto dos restantes líderes europeus. E tem Luís Montenegro em pose de governante, a tomar partido daquela vitória do executivo que lidera, do trabalho de gabinete e da circunstância de ter apoiado um adversário político para um cargo internacional, como se fosse da sua área política. O único que daqui não tira dividendos é Pedro Nuno Santos, mesmo a fazer declarações a partir de Bruxelas.
A verdade é que, aos olhos do português comum, Luís Montenegro é um estadista, se comparado com o líder da oposição. Recentrou o discurso, tem cumprido as promessas feitas em campanha eleitoral, e não renega a responsabilidade de dizer que não. A incursão do líder socialista para o campo moderado não lhe tem trazido os dividendos necessários para se fazer notar, e a escassez de propositura tem tornado esta peregrinação mais solitária. Parece que a engrenagem simplesmente não engrena, deixando muitos dos seus seguidores na dúvida sobre qual a real possibilidade de Pedro Nuno Santos vir a disputar o poder. Não foram inocentes as declarações recentes de Alexandra Leitão, quando referiu que é uma das mulheres dentro do partido com condições de vir a ser primeira-ministra. O líder mantém demasiado espaço livre e é isto que acontece.
Ainda estamos longe das negociações para o orçamento de estado do próximo ano, mas não será difícil tentar desvendar a provável aprovação do documento. Por todas as razões que já se enunciaram. Ninguém quer eleições quando sabe que não as pode ganhar. E Luís Montenegro não tem atrás de si tempo de governação suficiente que leve os portugueses a penalizá-lo por aquilo que ainda não fez e, hipoteticamente, não o deixariam ainda fazer. Muitos dos devotos socialistas escolheram outras paragens no recente escrutínio, e é muito duvidoso acreditar que a falta de rasgo e de capacidade concretizadora do líder os tenha feito voltar. Muito pelo contrário, a sua mudança de estilo, copiando o centro moderado desde que assumiu funções, quando a sua ambição bem conhecida é a concretização de um projeto mais à esquerda, pode levar ainda mais a escolher o original, em detrimento da cópia.
O clima não está definitivamente a seu favor. A governação passada, o executivo presente e o seu perfil formal não o ajudam. Quantos predestinados não se ficaram apenas por aí? Quantos tiveram o céu e terminaram no inferno?
Fernando Marta