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“Uma Igreja e uma sociedade de portas abertas”

O Papa no passado sábado, na solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, padroeiros de Roma, disse que na história de Pedro e Paulo “há portas que se abrem” e explica que a libertação de Pedro da prisão recorda um novo êxodo. Deus liberta a sua Igreja, Deus liberta o seu povo acorrentado. Por outro lado, acrescenta, “o caminho do apóstolo Paulo é, também o da transformação no qual descobre a graça da fraqueza”.
Os dois Apóstolos, Pedro e Paulo, prossegue Francisco, “fizeram esta experiência de graça. Tocaram a obra de Deus, que lhes abriu as portas da sua prisão interior e também das prisões reais onde estavam encerrados por causa do Evangelho. E abriu-lhes, igualmente, as portas da evangelização, para que pudessem experimentar a alegria do encontro com os irmãos e irmãs das comunidades nascentes e levar a todos a esperança do Evangelho”, disse Francisco.
E, nós, na Igreja e como cristãos no mundo, como nos desenvencilhamos das nossas amarras para termos tempo, pelo menos para o essencial? Para darmos tempo áquilo que merece ser atendido? Estamos de facto abertos à experiência de serviço amoroso à vida, em vez da rigidez dos juízos que excluem? Conseguimos atualizar a linguagem da compaixão, que se faz próxima, que não é indiferente nem esquiva, mas é capaz de fazer suas (…) as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e todos aqueles que sofrem, como lembrou o cardeal Tolentino na homilia da missa que encerrou o V Congresso Eucarístico nacional, em Braga, no Sameiro?
Sermos cristãos que não apontam o dedo e estendem os braços num abraço que cria um novo espaço, em que o eu se dilui diante do nós?
Que contributo damos nós para esta sociedade onde devemos anunciar a salvação, defendendo a justiça e a paz?
A hora que vivemos é exigente e pede-nos mais do que diagnósticos. Pede-nos ação. Na Igreja em geral e na nossa, açoriana, em particular. Já se fizeram muitos diagnósticos, que deverão ser sempre atualizados; muitos terão muitas certezas para iniciar o caminho, porque conhecem o terreno, mas o mais desafiador é mesmo escutarmos Quem nos abre a porta e nos conduz. Isto não é ficar à espera, bem pelo contrário. É reacender a vontade de partir, de caminhar mas sem receitas pré fabricadas. O vinho novo depositado em odres velhos dificilmente terá o perfume da novidade.
Ouvimos com frequência que o caminho é estreito e somos cada vez menos; que os constrangimentos são cada vez maiores, mas neste caminho, o pior que pode acontecer é desmotivarmo-nos e deixarmos de participar por desleixo, por nos considerarmos incapazes ou simplesmente porque estamos desiludidos ou cansados.
Numa casa, muitas vezes, temos de deitar abaixo uma parede ou picá-la na íntegra para a refazer e reconstruir sem bolor, sem humidades…Todos os que já estivemos implicados numa recuperação de casa, ou na construção de uma casa nova, sabemos que a primeira opção pode demorar mais tempo e ser até mais penosa. Mas no final torna-se igualmente aprazível porque reedificamos o que tem uma história, um passado, um presente e, por isso, há de ter também futuro.
Olhamos para a Igreja hoje, para as dificuldades que existem e queremos fazer depressa a mudança. É urgente, de facto, mas temos de atender que atrás de nós há mais de dois mil anos que não se movem, nem se “picam” de um momento para o outro. Por mais que nós gostássemos e, sobretudo, que intuamos que a lentidão rima tantas vezes com perceções erradas e perda de credibilidade e consequentemente perda de relevância.
Quando na Igreja dizemos que a hora é dos leigos, não é para dizer que a Igreja agora deve preterir os padres mas sim para que possam trabalhar juntos cada um responsabilizando-se por aquilo que é a sua tarefa. Assim como a hora das mulheres não é para que elas desatem todas a correr para aceder ao sacramento da ordem, mas para que possam decidir se querem ou não ir por esse caminho. Ou a hora dos jovens não é para substituir os velhos pelos jovens mas promover a inter-geracionalidade em que uns aprendem com os outros através da experiência e da irreverência criativa. Ou, ainda, a hora de estruturas assentes no princípio da corresponsabilidade não é para afastar os padres das decisões mas para que fiquem libertos das tarefas que os pesam e os impedem de exercer o seu ministério, sem esquecer a hora da interligação, que não é para acabar com serviços e movimentos mas para que todos possam discernir e agir em complementaridade.
O que precisamos todos de estar de acordo é que esta é a hora do caminho conjunto: darmos as mãos e caminharmos lado a lado, superando diferenças, procurando criar novos espaços e realidades de convergência, novas formas de ser Igreja, adaptadas aos dias de hoje.
Ainda ontem falando com uma amiga que se afastou da Igreja dizia-me: continuo crente mas cada vez menos religiosa. E, cada vez mais tenho menos vontade de ir à Igreja.
Chegados aqui, às vezes, apetece-me perguntar: o que é um cristão? O que sou eu? Onde falhei e falho no meu testemunho? Onde é que falhamos no nosso testemunho? Quando é que nos afastámos daquela belíssima descrição de uma carta de um pagão a Diogneto, alegado tutor do imperador Marco Aurélio, onde descrevia o que fazia dos cristãos um povo tão capaz de mudar o mundo mediante a mudança do coração.
“Os cristãos não se distinguem dos outros homens nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Mesmo vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes de cada lugar quanto à roupa, ao alimento e a todo o resto, testemunhamos um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como se fossem forasteiros; participam de tudo como cristãos, e suportam tudo como estrangeiros. Toda a pátria estrangeira é sua pátria, e cada pátria é para eles estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Compartilham a mesa, mas não o leito; vivem na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm a sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas, com a sua vida, superam todas as leis; amam a todos e são perseguidos por todos; são desconhecidos e, ainda assim, condenados; são assassinados, e, deste modo, recebem a vida; são pobres, mas enriquecem a muitos; carecem de tudo, mas têm abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo, recebem a glória; são amaldiçoados, mas, depois, proclamados justos; são injuriados e, no entanto, bendizem; são maltratados e, apesar disso, prestam tributo; fazem o bem e são punidos como malfeitores; são condenados, mas se alegram como se recebessem a vida(…) Assim como a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo”.
A igreja de portas abertas não há de ser muito mais do que isto. “Vede comos eles se amam”…Quem sabe, se precisávamos todos de nos vermos melhor.

Carmo Rodeia

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