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“É muito importante divulgar o artesanatodos Açores , mas se não nos protegermos vamos perder a nossa identidade”

As barretas do Corvo são uma tradição que remonta ao século XIX e inicialmente eram tricotadas pelos homens corvinos durante as longas viagens para a América. Com o tempo, esta peça caiu no esquecimento, mas em 1986 a artesã Inês Inês decidiu reavivá-la. A sua filha, Rosa Mariana Mendonça, seguiu os seus passos e registou-se como artesã aos 14 anos. Desde então, tem continuado o legado familiar, preservando a identidade cultural dos Açores através das barretas do Corvo.

Correio dos Açores – O que a levou a escolher o artesanato?
Rosa Mariana Mendonça (artesã/ proprietária da loja Artesanato no Corvo) – Venho de uma família de artesãos, a minha mãe reavivou as tradicionais barretas, e o meu pai, que era carpinteiro de profissão, reavivou as fechaduras de madeira do Corvo. Como cresci a ver os meus pais a fazer artesanato, sempre gostei de trabalhos manuais, mas foi aos 14 anos de idade que me inscrevi como artesã, sendo na altura a artesã mais nova dos Açores.
A minha mãe tinha um nome muito curioso, o seu nome de solteira era Inês da Conceição Mendonça, mas como o meu pai era José Mendonça de Inês, quando eles se casaram, ela acabou por ficar como Inês Inês. Ela aprendeu a fazer as barretas do Corvo em 1956, e tricotou um modelo para o seu avô, mas, entretanto, os homens do Corvo deixaram de as usar e estas ficaram esquecidas. Cerca de 30 anos depois, em 1986, surgiu a oportunidade de ir representar o Corvo numa feira de artesanato em São Miguel e foi aí que a minha mãe decidiu reavivar esta tradição e começou a divulga-las.

Pode contar-nos a origem das Barretas do Corvo?
As barretas remontam ao tempo dos baleeiros e dos homens do Corvo que emigravam à procura de melhores condições de vida na América. Como era uma viagem longa, e porque havia necessidade de agasalho, ocupavam o tempo a tricotar as barretas. Quando regressaram à ilha, decidiram ensinar as suas mulheres a tricotar e foram elas que as mantiveram ao longo do tempo. Entretanto, as barretas deixaram de ser uma peça de uso comum e caíram no esquecimento.

Que materiais e técnicas utiliza?
Antigamente a barretas eram feitas com a lã das ovelhas criadas na ilha do Corvo; as mulheres lavavam a lã, cardavam e desfiavam. Mas, como actualmente tenho a minha vida profissional para além do artesanato, já não há tempo para fazer o processo de raiz. Neste sentido, uso a lã comprada. As barretas, são feitas na totalidade em tricot e com um conjunto de 5 agulhas com o objectivo de ser feita sempre em circular, sem costuras. São feitas num todo, em “ponto de liga” começando-se na parte inferior, depois faz-se a grega de outra cor — a grega é o nome que damos à barrinha com um motivo característico. De seguida, são feitos aumentos e diminuições nas malhas, de modo a dar o formato, finalizando com o “pompom” que se cose no cimo da boina.
O modelo mais tradicional da barreta é azul escuro com a grega em branco, mas hoje em dia também faço noutras cores, pois os turistas gostam de escolher as suas cores favoritas. Também faço as barretas em miniatura e porta chaves.

Qual é a reacção dos turistas?
Os turistas adoram esta peça, que é exclusiva da ilha do Corvo. E devo dizer que muitas vezes a procura é maior do que aquilo que eu consigo produzir; ou seja, tenho alturas em que estou sempre a produzir e as peças continuam a esgotar. Quem nos procura são os turistas que vêm à ilha e estrangeiros que nos encontram na internet.
As Boinas do Corvo, fazem parte da Marca Açores e foram certificadas pela marca “Artesanato dos Açores” a 20 de Maio de 2019. Também fiz o registo da marca Corvino, a nível nacional e europeu, e da marca Barretas do Corvo 1452, que alude à data do descobrimento da ilha. Optei por fazer este registo porque cada vez há mais procura por esta peça, o que é muito bom. Mas, por outro lado, também aumenta a possibilidade de qualquer pessoa a poder imitar e, neste sentido, o registro faz com que o produto esteja mais protegido.

Onde podemos encontrar as suas peças?
Tenho um espaço físico que qualquer pessoa pode visitar, o Artesanato do Corvo. E basta que perguntem onde fica a minha casa que qualquer corvino irá indicar a morada. Depois, também tenho o site artesanatodocorvo.pt e a página de Facebook através dos quais me podem contactar e, estando o produto disponível, envio de imediato através dos correios. Se não for o caso, podem fazer a encomenda que seguirá quando disponível.

Pode falar-nos sobre as feiras e eventos em que participa ou promove para divulgar o seu trabalho?
Já participei em feiras de artesanato em São Miguel, na Terceira e no Faial; também já fui à FIA Lisboa e aos Estados Unidos, aquando das comemorações do Dia de Portugal. Em Novembro de 2023, fui ao programa Praça da Alegria através da marca Açores e foi um sucesso, pois vi o aumento das encomendas e muitas pessoas ficaram a conhecer o produto pela primeira vez.

Já tem aprendizes? Como é que os jovens olham para o artesanato na ilha do Corvo?
Sim, em 2012 dei formação a nove pessoas do Corvo, mas como é um produto um pouco trabalhoso, nem todas continuaram. Os jovens gostam muito do artesanato e até posso dar o exemplo da minha afilhada de 12 anos, que há cerca de dois anos começou a aprender a fazer as barretas com grande entusiasmo. Neste momento, ela já sabe trabalhar com cinco agulhas e fazer o ponto básico. Vejo isto como um bom incentivo e cabe aos adultos motivar os nossos jovens para as nossas tradições. Temos de ser nós a transmitir o gosto e os nossos conhecimentos, tal e qual os nossos antepassados fizeram.

Quais foram os maiores desafios que enfrentou ao longo do seu percurso como artesã?
O maior desafio foi quando iniciei o meu percurso no artesanato porque ainda estava a aprender a arte e o posto que ia herdar da minha mãe. Eu sabia que, infelizmente, ela não era eterna e que um dia teria de ser eu a manter esta tradição. Mas, hoje posso dizer que foi um desafio muito gratificante e não me arrependo nada de o ter abraçado. Saio do trabalho às cinco da tarde e, claro, depois ainda há a vida pessoal e os afazeres domésticos, mas depois de tudo isto, se eu não pegar nas agulhas e num novelo de lã, não descanso. Estar nem que seja uma hora a fazer as minhas barretas é como uma terapia e só quem gosta mesmo de artesanato é que compreenderá. Muitas vezes perguntam-me ‘depois de um dia de trabalho, como é que ainda tens paciência?’, e a verdade é que se eu não fizer um pouco disto, parece que não descanso antes de ir dormir.

Quais são os seus objectivos futuros para a promoção e preservação das barretas do Corvo?
Quero continuar o trabalho que tenho feito ao longo dos anos. É muito importante mantermos as nossas tradições e as barretas do Corvo são um grande exemplo disso: caso a minha não as tivesse reavivado, esta seria uma peça vetada ao esquecimento hoje o artesanato dos Açores seria um pouco mais pobre. Acredito que devemos de continuar a divulgar o nosso trabalho, mas sempre protegendo aquilo que é nosso para que não se cometam erros como já aconteceram noutros sítios. É muito bom que se divulgue o nosso artesanato, mas se não nos protegermos vamos acabar por perder a nossa identidade.
Daniela Canha

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