Nos Açores está a crescer o índice de envelhecimento, que é a relação entre a população mais velha e a mais jovem (é definido através de um quociente entre o número de pessoas com 65 anos ou mais e o número de jovens entre os recém-nascidos e os 14 anos) para obter o resultado estatistico.
No relatório do Jornal Oficial do Governo Regional dos Açores, do ‘Plano Regional Anual para o ano 2024’, com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o índice de envelhecimento cresceu 42,7 desde 2011 (74,5) até 2022 (117,2) no arquipélago. Este número continua a ser, ainda assim, menor que o padrão do país (185,6).
Duarte Melo, pároco da Igreja de São José, e Leonor Anahory, Presidente da Associação de Seniores de São Miguel, deram a sua visão sobre o índice de envelhecimento nos Açores, de perspectivas diferentes.
Visão religiosa
Ao Correio dos Açores, o padre Duarte Melo explicou que é real o problema do inverno demográfico e que há vários problemas.
“A questão do inverno demográfico é um problema real que está a atingir toda a sociedade ocidental, a Europa e também aos Açores. Nascem cada vez menos crianças e os idosos falecem cada vez mais tarde. Portanto, levanta vários problemas no âmbito da segurança social, de apoios, do próprio envelhecimento activo, dos cuidadores, da dignidade do envelhecer”, explica.
O padre da Igreja de São José afirma que a sociedade está” envelhecida”, mas avisa que é uma sociedade “que tem pessoas com conhecimentos, sabedorias, experiências e vivências fundamentais para transmitir às gerações futuras” e é um problema que envolve toda a sociedade.
“Este problema deve ser encarado por todos. É um problema real. É um problema da Igreja e da sociedade. Isto implica políticas assertivas no âmbito de apoiar esta grande população idosa para que tenha, de facto, dignidade de vida até aos últimos momentos de vida. É uma questão de dignidade e de direito. Requer medidas de apoio em vários sentidos, não só no aspecto físico, psicológico, espiritual e social. Esta realidade solicita o trabalho de todos, um trabalho de parceria, de rede, de cooperação efectivo para dignificar as pessoas, os idosos”, afirma.
Considera ainda que os idosos são vistos,” por vezes, como um ‘peso’ para a sociedade”. Alarma que o ritmo “muito agressivo de trabalho e produção” traz preocupação às famílias e que há uma grande dificuldade em dar uma resposta aos familiares.
“Por vezes, as famílias não têm capacidades financeiras para ter os seus idosos nas suas casas. Por outro lado, também já se sente que há uma grande angústia nas pessoas que não conseguem dar uma resposta, em termos de cuidados, aos seus familiares, em ambiente familiar, nas suas próprias casas. Por vezes, têm que ser internados ou têm de ir para lá. Há sempre uma deslocalização de ambiente”, disse.
Duarte Melo afirma que é uma “boa medida” haver os cuidados continuados e acha que os Governos têm tido essa preocupação e que estão atentos, mas refere que os cuidados continuados precisam de ser “mais refletidos e mais alargados” e que as politicas que têm sido feitas “não têm sido suficientes”.
O padre da Igreja de São José sente que há focos de protesto ou políticas de negócio contra os próprios emigrantes, acredita que os emigrantes são “fundamentais para quebrar este ciclo de inverno demográfico que empobrece” e acha que não se deve ter “este olhar contaminado por perspectivas populistas, demagogas que não dignifica a dignidade das pessoas”.
Sobre situações que acha que deveriam ser revistas, Duarte Melo indica o inverno demográfico, o apoio à natalidade, o apoio aos idosos e o apoio à migração, que, na sua visão, significa que “todos nós somos chamados para entrar num bom combate”.
O padre afirma a Igreja também tem a preocupação de olhar pelas pessoas mais velhas e deu um exemplo de situações que acha que deveriam ser resolvidas.
“H pessoas na Paróquia que estão muito preocupadas, às vezes, porque estão cansadas e precisavam de um cuidador para cuidar dos seus idosos em casa. São pessoas com capacidade financeira que podem pagar inclusivamente a colaboradores e a empregados e estão angustiados porque não conseguem encontrar cuidadores. Também observo que há famílias muito preocupadas porque não têm capacidades financeiras para ter a sua família em casa e não têm lugar nos lares. São problemas que devem ser equacionados”, refere.
Duarte Melo afirma que a Igreja tem os centros paroquiais que procuram dar uma resposta aos idosos através dos centros de convívios, da visita ao domicílio e visitar os doentes que são idosos para quebrar e minimizar solidões, visto que “há muitas pessoas sozinhas em casa porque os filhos estão em trabalhar e eles estão todo o dia em casa nos seus limites”. Explica ainda que o voluntariado no âmbito de acompanhar e de fazer companhia devia ser mais aprofundado e que toda situação é um “fenómeno muito complexo, que deve ser enfrentado com várias perspectivas e vários olhares em prol da dignificação da pessoa”.
Visão social
A Presidente da Associação de Seniores de São Miguel, Leonor Anahory, refere que os Açores é uma região pobre e que há muitos idosos que vivem com pensões baixas e não muito avantajadas, porque “a taxa de escolaridade é mais baixa nos idosos”, “muitas pessoas apenas faziam as tarefas domésticas” e “outras pessoas tinham trabalhos com rendimentos baixos”.
Leonor Anahory afirma que tem feito vários inquéritos no âmbito da solidão das pessoas com 65 anos ou mais e refere que está aliado à “pobreza”, ao “défice da literacia” e às “dificuldades de acesso aos cuidados médicos”, o que na sua visão “dificulta a perspectiva do envelhecimento positivo”.
A Presidente da Associação de Seniores de São Miguel refere que “é verdade que teríamos muito mais trabalhar a sociedade e isso requer um outro olhar sobre as pessoas mais velhos para que se cumpra realmente aquilo que nós muito defendemos: sociedade mais inclusivas”.
Sobre a questão da mudança da visão que se tem para as pessoas mais velhas, Leonor Anahory afirma que exige uma maior exposição delas através de uma participação maior na sociedade. Refere ainda que a Câmara de Ponta Delgada tem um plano municipal para o envelhecimento activo e que estão a criar estratégias mais diferentes.
“Esta mudança exige que nós, pessoas mais velhos, tenhamos uma exposição através de uma participação maior na sociedade, onde penso que já existem muitas iniciativas, a começar pela Câmara de Ponta Delgada, que já tem um plano municipal para o envelhecimento activo e estão a trabalhar nele. Penso que estão a criar estratégias mais diferenciadas, que são estratégias mais proactivas de interação social com as diferentes gerações. Constituindo-se assim uma forma de intercâmbio de conhecimentos, visto que não está a acontecer, valores, produtos culturais. Reconhecer na pessoa mais velha como capaz e actuar ainda numa mudança positiva das sociedades. Os jovens também têm que ser trabalhados. Digo isto porque todas as gerações são obrigadas a participar. Considero isto que somos obrigados a participar de uma forma activa e comprometida na sociedade. Acredito que o não cumprimento destas exigências que acabo por referir compromete uma sociedade que se quer e que se pretende que seja mais vogal”, explica.
Leonor Anahory realça que a forma de estar e atitude que referiu “exige e reclama mais cidadania activa e participativa”. Refere ainda que é preciso investir mais no capital humano e que há “necessidade desta participação ao nível do envolvimento social e físico”.
A Presidente da Associação de Seniores de São Miguel disse ainda que “as pessoas mais velhas, muitas vezes, não se expõem e não participam” na comunidade.
“As pessoas são todas convidadas, por exemplo, para ir a uma galeria ou para um museu. Não há aqui idades. Aquilo que quero dizer é que a própria pessoa mais velha, muitas vezes, não faz este trabalho na comunidade: não se expõem, não participa. Costumo dizer que a própria comunicação social pode ajudar muitas vezes na promoção desta imagem da pessoa mais velha através de determinado dever, a sua participação cívica. Temos muito pouco capital humano que trabalha, que se expõe e participa”, afirma.
Leonor Anahory enaltece ainda os convívios mais próximos que existe entre os adultos e os mais jovens, algo que, segundo a Presidente da Associação de Seniores de São Miguel, não acontecia antigamente nas relações entre pais e filhos.
“Agora, penso que as nossas sociedades e os nossos convívios familiares encurtaram muito a distancia entre o mundo dos adultos e dos mais jovens. Vejo isso porque já pertenci a uma geração mais recuada em que os pais eram mais distantes, mais autoritários e não priorizavam a proximidade com os filhos. Hoje já não é assim. Vejo que o mundo está mudado. As tecnologias vieram aqui facilitar toda esta mudança. Esta comunicação de proximidade entre os mais velhos e os mais novos vão dotar os jovens de uma outra responsabilidade e encarar a pessoa mais velha como uma pessoa válida, que é uma situação que os mais velhos sentem, porque sentem são muitas vezes ‘descartados’ de toda a sociedade em geral. Esta exposição da pessoa mais velha, esta participação física vai, portanto, criar uma outra imagem dos mais novos numa sociedade em geral uma imagem em que os mais velhos põem sabedoria e simpatia”, disse.
A Presidente da Associação de Seniores de São Miguel afirma ainda que “as pessoas mais velhas têm o dever olhar para as suas próprias vidas conduzida até ao fim, e não como vida enquanto só ser activo”. Usa a expressão de ‘enquanto só ser activo’ porque muitas das “pessoas interessam-se pelas vidas e têm outra atitude perante a vida enquanto são profissionais”. Acredita que as pessoas têm estas oportunidades de doar e pensa que as pessoas com maiores recursos e saberes podem ajudar, incentivar e melhorar a vida das outras pessoas com idades similares ao ajudar no crescimento do desenvolvimento humano e social.
Filipe Torres