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Liga do Hospital de Ponta Delgada pretende avançar para um regime de voluntariado ao domicílio e manter apoio aos utentes na Casa de Saúde de São Miguel

Marta Maria Sousa Pereira, Presidente da Liga do Hospital de Ponta Delgada, 75 anos de idade, é voluntária da Liga do Hospital de Ponta Delgada há 15 anos e assumiu a presidência da direcção há um ano. Em entrevista garante que a equipa tem algumas “ideias como trabalhar em regime domiciliário, de forma a contribuir em funções equiparadas com as do hospital (prestar apoio na compra de medicação, fazer companhia, passear com o doente, entre outros). É também nosso objectivo continuar a sensibilizar para a importância do voluntariado, principalmente junto das camadas mais jovens. Continuar o projecto que iniciaram na Casa de Saúde de São Miguel é também uma das prioridades.”

Correio dos Açores: Há quanto tempo se dedica ao voluntariado?
Marta Maria Sousa Pereira (Presidente da Liga do Hospital de Ponta Delgada): Comecei a minha missão como voluntária há quinze anos e como Presidente da Direcção tomei posse a 31 de Março de 2023.

Nomeie as principais funções dos voluntários durante o seu dia-a-dia?
As principais actividades prendem-se com o “trabalho” interno e com o externo, como é o caso do apoio aos doentes, a familiares e a cuidadores, nas consultas externas, exames e tratamentos, bem como, nos acompanhamentos aos doentes das ilhas que vêm dos cuidados continuados. Há também todos os dias, a distribuição de chá, café e bolachas nas consultas externas, salas de espera e blocos operatórios de partos. As visitas aos doentes internados, a distribuição de jornais e revistas nos internamentos, o apoio com vestuário, com calçado e outros bens necessários e, ainda, o auxílio aos doentes mais debilitados (nas suas refeições) são muito importantes.Realizamos, igualmente, o acompanhamento às missas de domingo e festas realizadas na capela do Hospital. Convidei também um professor de ginástica que se voluntariou para trabalhar com os doentes da Psiquiatria e uma ex-cabeleireira para cortar o cabelo aos doentes que se encontram em internamento prolongado.

O que é ser voluntário num hospital como o de Ponta Delgada?
Ser voluntária num hospital é muito diferente em comparação com outros tipos de voluntariado. Num hospital lidamos com o doente, a família e com o seu cuidador. Convivemos com a componente humana, logo é necessário ver o doente como um “todo”, nas suas vertentes físicas, espirituais e mentais.
O voluntariado não é uma profissão, pois o voluntário está a doar parte do seu tempo. Assim, num hospital, quem se voluntaria deve encarar o que faz como uma missão e um compromisso consigo e com o outro. Consiste em escutar, acolher e guardar tudo o que nos é comunicado pelo paciente.

Na sua opinião o que define um bom voluntário?
Antes de mais, é preciso esclarecer que o voluntariado não é um trabalho, porque as voluntárias comparecem consoante a sua disponibilidade. É ter compromisso e desempenhar bem a sua missão, procurando fazer o bem, sendo útil e prestável. É distribuir o amor ao próximo, tendo sempre um “sorriso nos lábios e uma luz no olhar”.
Para ser voluntário não basta querer. Há um tempo de experiência, avaliação, de formação e, após cerca de um mês de integração, segundo os meus anos de experiência, averigua-se se a pessoa está apta, se gosta do que está a fazer e se preenche os requisitos necessários. De referir que existem pessoas que são mais viradas para tarefas exteriores e práticas, outras, demonstram uma vocação interior. Neste contexto, essas pessoas são instruídas, apenas, a escutar os doentes e a confortá-los, através da comunicação não verbal (segurar a mão, por exemplo).

Quais os objectivos/princípios da Liga dos Amigos do Hospital de Ponta Delgada?
Nos Estatutos da Liga está estipulado, de forma geral, que esta associação tem como fins colaborar com a comunidade e as suas instituições no bem-estar do doente; cooperar no seu acolhimento, internamento e tratamento; dignificar e defender os seus direitos e ajudar os trabalhadores do hospital, apoiando-os em todas as iniciativas de carácter cultural, social e profissional, de forma a assegurar a qualidade de vida dos doentes.

Como os voluntários lidaram com o incêndio deflagrado no HDES?
Lidámos como se tivesse sido um “cenário de guerra”, uma situação surreal, pois, sabíamos que a prioridade eram os doentes, porque tínhamos de os retirar das camas em segurança. Por outro lado, também sabíamos que era preciso manter a calma, a organização e, principalmente, dar o máximo de apoio, transportando-os nas cadeiras de rodas, agasalhando-os e distribuindo-os águas e bolachas. Além disso, foi de extrema importância mantê-los calmos e positivos, escutando-os e tranquilizando-os. Ajudámos de, igual modo, no fornecimento de vestuário e calçado para os doentes deslocados das Urgências das outras ilhas.
Acreditamos que, com os meios que tínhamos disponíveis e, tendo em conta a situação inesperada (nunca algo assim igual ou parecido aconteceu), prestámos o maior apoio e agimos o mais depressa possível dentro do pouco tempo que disponhamos para os colocar a salvo.

Que motivo a fez ingressar na Liga dos Amigos?
Certo dia fui a uma consulta no hospital e fui abordada por duas amigas que já eram voluntárias, a Manuela Medeiros e a Helena Isabel. Na ocasião, estavam a servir cafés e chás aos visitantes dos doentes. Isso aconteceu no mês de Fevereiro de 2009. Fiquei de pensar, mas não dei grandes esperanças. Em Março, houve um convívio das Amigas da Liga, para o qual fui convidada e foi nesse convívio que decidi experimentar. Entrei sem saber “ao que ia” e até hoje cá estou.

Quais as suas funções como Presidente?
Tenho como funções principais gerir a Liga, e representá-la, incumbindo-lhe de garantir a efectivação dos direitos dos doentes, em suma, orientar e coordenar os voluntários.
Também elaborar o Plano de Actividades, promover reuniões, convívios e passeios.
É também da minha competência elaborar as contas da gerência e o orçamento e a programa de acção, bem como, assegurar a organização e o funcionamento dos serviços e a escrituração dos livros.

Desde que se tornou voluntária recorda-se de alguma situação que a tenha marcado?
Recordo-me de pelo menos de três episódios. O primeiro tem a ver com uma doente que estava internada. Fui servir, como sempre, as bebidas nos copos descartáveis. Reparei que uma senhora não tinha tomado o seu chá. Perguntei a razão pela qual não o bebia. Ao que ela me respondeu: “tenho tanta saudade de tomar um chá numa chávena de loiça”. Escusado dizer que a chávena, no outro dia, apareceu. Como voluntária, naquele momento, achei que o que podia fazer por ela era proporcionar-lhe aquele desejo, pois uma das bases do voluntariado é ser-se solidário.
O segundo prende-se com um homem que se encontrava imobilizado da mão esquerda.
Esse homem estava a tentar comer uma laranja. Eu que estava a servir outro doente reparei na dificuldade e perguntei: “Não consegue descascar a laranja? Vou ajudá-lo. Descasquei a fruta e a dispus em gomes. Quando ele acabou disse-me que tinha sido a melhor laranja que tinha comido na sua vida. Ao que lhe respondi: “foi com amor”. Como voluntária é importante colocarmo-nos no lugar do outro.
O último episódio passou-se com um rapaz novo. Estava a fazer a visitação à Enfermaria quando a mulher dele entrou num choro convulsivo. Perante o choro dela o rapaz virou-se para mim e exclamou: “Já viu? Eu é que estou a morrer e ela é que chora!”
Peguei na mão dele e disse: “eu estou aqui”. Um voluntário nunca deve fazer perguntas ou comentários desnecessários. Deve escutar e, especialmente, nesses casos, ficar em silêncio, dizendo as palavras certas, para que o doente saiba e sinta que está acompanhado.

Perante as situações delicadas que me indicou há formas de as contornar? Por exemplo, o que não se deve dizer a um doente?
Tal como lhe expliquei, na formação aprendemos que um voluntário não pode nem deve fazer perguntas, seja de que natureza for. Ao invés, devemos apenas escutar, porque a nossa missão não é interferir ou substituir os profissionais de saúde, mas complementar e ajudar.
Não há lugar para perguntas como “qual a sua doença”, “sente-se bem” ou afirmações como “vai correr bem”, pois há pessoas que não querem saber informações acerca da sua doença, outras não aceitam ou rejeitam e há também quem não tenha conhecimento do seu diagnóstico.

Da parte dos utentes quais as principais preocupações que vos transmitem?
Não estamos autorizadas a revelar o que os doentes nos comunicam, pois aquilo que nos dizem é feito num acto de confidencialidade. O doente confia no voluntário, logo, nada pode ser comentado, nem mesmo entre as voluntárias, nem os trabalhadores do hospital. É um compromisso que faz parte da nossa missão e que é somente entre o doente e o voluntário.
Tendo em conta que a Liga foi fundada em 1996 quais as expectativas futuras para esta associação?
Temos algumas ideias como trabalhar em regime domiciliário, de forma a contribuir em funções equiparadas com as do hospital (prestar apoio na compra de medicação, fazer companhia, passear com o doente). É também nosso objectivo continuar a sensibilizar para a importância do voluntariado, principalmente, junto das camadas mais jovens.
Por último, na Casa de Saúde, já está em funcionamento um projecto que consiste na colocação de uma equipa que presta auxílio a nível do serviço de refeições e convívio com os utentes.

Neuza Almeida

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