Vêm estas breves notas a propósito da resolução da Assembleia Regional que aprovou como critério de preferência de acesso de crianças a creches o facto de os progenitores estarem empregados.
Houve quem entendesse tal medida como discriminatória e, como tal, inconstitucional.
Vejamos.
O Tribunal Constitucional tem decidido que: «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio» -Ac. TC 409/99
Portanto o princípio da igualdade e não discriminação e da proibição do arbítrio-artigos 13º e 26º, nº 1 da Constituição (CRP) – “impondo se trate de forma igual o que for essencialmente igual e desigualmente o que desigual for, a igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções: proíbe, isso sim, distinções desprovidas de justificação racional” (Ac. TC 169/90).
A lista de tratamentos diferenciados é inúmera. Pense-se, por exemplo, no Código do Trabalho que atribui horas de dispensa de trabalho para progenitores que estejam a amamentar ou a aleitar (artº 47º). Há um tratamento diferenciado na duração do trabalho em relação aos outros trabalhadores. Porém o fundamento é razoável e objetivo. Pense-se no preçário diferente em diversos serviços para residentes da Região Autónoma e os que não são residentes. Há, também, um fundamento razoável e objetivo de diferenciação. Não faltam exemplos de tratamentos diferenciados objectivamente razoáveis e, como tal, não são violadores do princípio da igualdade e não discriminação.
Aqui chegados vejamos a questão do acesso preferencial a creches de crianças com pais trabalhadores face aos que o não são.
Qualquer dos requisitos de preferência no acesso constante do anexo à portaria nº 198/2022 que define as condições preferenciais de admissibilidade estabelece uma diferenciação em relação àqueles que não preenchem esse requisito. Por exemplo é estabelecida uma prioridade a favor de crianças com deficiência/incapacidade o que significa que essas crianças têm um tratamento mais favorável do que as que não são portadoras de deficiência/incapacidade. É um fundamento objetivo e razoável e, como tal não viola o princípio da igualdade e não discriminação. Pelo contrário, aplica-o.
E o mesmo se poderia dizer em relação a todos os critérios aí enunciados.
Nessa perspectiva que dizer do critério de atribuir acesso preferencial a crianças cujos pais trabalhem face aos que não trabalhem.
A CRP consagra no artº 58º,1 o direito ao trabalho.
A ideia subjacente á criação de berçários e infantários é promover a efectiva conciliação entre a vida familiar e profissional das famílias, é permitir que os progenitores tenham locais adequados onde deixar os filhos enquanto exercem o seu direito ao trabalho. A não terem esses locais os progenitores teriam de prescindir do direito ao trabalho para se ocuparem dos filhos.
Ora confrontando uma solução que garanta o exercício de um direito constitucional (o direito ao trabalho) com outra que o limite é manifesto que a balança pende a favor da solução que permita o exercício dos direitos.
Por outro lado é tarefa do Estado promover através de políticas sectoriais a conciliação da actividade profissional com a vida familiar (artº 67º/2, h) CRP). Entre essas políticas contam-se creches que, dispondo de um local onde deixar os filhos enquanto trabalham, permitam aos progenitores ter uma vida profissional e familiar.
Assim sendo parece-nos que o estabelecimento de uma preferência no acesso a creches de filhos de progenitores que trabalhem face a outras em que os progenitores não trabalhem sendo, necessariamente, uma medida diferenciadora tem um fundamento razoável e objetivo pelo que não só não viola o princípio da igualdade, da não discriminação e proibição do arbítrio como permite o exercício do direito ao trabalho constitucionalmente consagrado e, ainda, realizar a tarefa do Estado de promover através de políticas sectoriais a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.
Tal, em muitas poucas palavras, o que se nos oferece dizer com respeito por opiniões jurídicas contrárias como já vimos.
Carlos Fraga