a propósito do cancelamento do apoio aos artistas do White Ocean – Festa Branca, 2024
Este texto, confesso, não era para ser escrito, até porque nesta altura do ano há sempre mais o que fazer – ler e apreciar – do que servir de sismógrafo das desgraças não-culturais destas ilhas. Mas, infelizmente, não posso compactuar nem com a injustiça, nem com a falta de visão e de equidade entre os senhores do dito poder, sobretudo o que aqui interessa: o poder local.
Numa semana (e muito acontece nestas ilhas) muito se mandou e desmandou fazer. Vamos começar pelo mais recente. A partir de uma publicação no Facebook do artista Yves Decoster fiquei a saber que a Câmara Municipal de Ponta Delgada anulou o orçamento de apoio para os 10 artistas locais que estariam designados para a animação da Festa Branca deste ano de 2024. Diz-nos o Yves: “Lamento informar que não vou estar presente no White Ocean no dia 3 de agosto, isto porque a Câmara Municipal de Ponta Delgada desistiu do pequeno orçamento para o grupo Arte Viva que estava orçado em 250euros, a dividir pelos 10 artistas.”
Se sou apreciador nato dessa festa? Não, nunca lá meti os pés, mas não é por isso que não vejo nesse evento, em particular nas dos artistas ao ar livre, qualidades didáticas ou valor por si. Não devo, nem posso, ficar calado e assistir a esta injustiça, sobretudo quando a mesma Câmara Municipal apoia outros projetos, ditos de “Arte Contemporânea” em valores que rondam os 75 mil anuais. Então a mesma Câmara para um evento público ao ar livre – que até é muito apreciado por todos que lá passam – não pode apoiar o evento com um mísero valor a 10 artistas locais, mas pode fornecer apoio [de diversa ordem] e um orçamento de milhares para importar artistas do continente (muito deles tão ou mais duvidosos) ou ainda apoiar eventos ou exposições das sobrinhas e filhas do Poder?
Esta discrepância de apoios e valores só pode estar relacionada com a alta qualidade dos seus decisores, até porque bem sabemos:TODOS OS DECISORES DO PODER SÃO ALTOS PERITOS em Arte e em Arte Contemporânea! Sarcasmo à parte, convém, a este propósito, e só para servir de exemplo, lembrar o seguinte – que o comum açoriano desconhece – entre o Arquipélago de Arte Contemporânea e o Museu Carlos Machado não se encontra UM ÚNICO formado em HISTÓRIA DA ARTE CONTEMPORÂNEA em cerca de 50 funcionários dos dois espaços. Se a falta é tanta nas duas instituições que tinham o DEVER de ensinar o “Povo Açoriano” [muito gostam os políticos de abrir a boca e dizer o “Povo Açoriano”], imaginem, então o que será entre a Câmara Municipal de Ponta Delgada. E dizê-lo, abertamente, não retira nenhum mérito a quem, por direito, merece todo o nosso respeito e dedicação que na Câmara quer nas instituições referidas – os que para isso, efectivamente, trabalham!
Refiro-me a este facto porque é muito simples: sem conhecimento devido daquilo que é Arte ou Arte Contemporânea não há verdadeira equidade ou justiça no espaço público. O que seria justo, correto, não era deixar de apoiar totalmente os 10 artistas locais, mas, sim, equilibrar os valores de apoio e, simultaneamente, e através das instituições adequadas (as duas de cima), alargar a educação não na sua forma LINHA RÍDIGA, tacanha como tem sido genericamente feita, mas na PLURALIDADE de todas as opções. Um simples agricultor não é obrigado a gostar dos conceptualismos abstratos de muito Arte Abstrata [incluindo a minha], assim como, ninguém é obrigado a gostar ou apreciar de uma simples, delicada, paisagem feita por artistas que são sempre mal apoiados. Ninguém é obrigado a gostar, mas há que respeitar ambas. A falta de respeito entre artistas e entre instituições, aliadas à ignorância de quem as tutela, só prejudica o futuro, esta cultura e quem sonha com a devida pluralidade.
Para finalizar, aproveito, também, para deixar um recado importante, senão mesmo, urgente: para quando o anúncio do novo diretor, ou diretora, do Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas? Agosto vai começar e andamos desde janeiro sem um oficial, um com as devidas competências e conhecimento profundo da Arte Contemporânea. Aqui até abro um ponto essencial: a direção dessa instituição deveria ser sempre bicéfala (como existe em Serralves): um diretor e um diretor artístico, um que tratasse da máquina na sua globalidade e outro que se dedicasse, inteiramente, à programação de qualidade para todo o ano e se dedicasse ao estudo sério do panorama insular. Creio ser um assunto urgente, porque, caso contrário, vamos ter a Associação dos Séniores – por mais valor que tenham-, a ditar aquilo que se deve ou não se deve expor no Arquipélago. E, confesso, como artista, poeta e Ribeirgrandense de raiz: não me apetece ver BRICOLAGE de miúdos do liceu em ESPAÇO desenhado para a GRANDE “ARTE” – palavra que está na boca de toda a gente sem que ninguém (ou pouca gente) saiba aquilo que, de facto é. A pluralidade de espaços e atividades das cidades impõe aos seus governantes a EQUIDADE e a JUSTIÇA na distribuição dos recursos. E, de igual modo, a defesa da PLURALIDADE. Tenho dito!
28.07.2024
*Poema de Salvatore Quasimodo (1901-1968)
Vitor Teves