Depois de chegar a São Miguel para estudar, Afonso Ribeiro viu no comércio e na restauração uma fonte de rendimento onde se sentia confortável e onde via o seu futuro. Após 10 anos a viver cá, decidiu abrir o Mercado Negro. Ao Correio dos Açores explica as dificuldades que teve em abrir o seu negócio e afirma que “a concorrência obriga-nos a crescer”
Correio dos Açores – Pode dizer como foi o seu percurso até abrir o seu negócio?
Afonso Ribeiro (proprietário do bar Mercado Negro) – Cheguei aos Açores, mais concretamente a São Miguel há mais de 10 anos. Vim com a intenção de estudar na Universidade dos Açores. Depois seguiram-se trabalhos na área da restauração e comércio.
Sempre tive em mente, desde que comecei a trabalhar, abrir um negócio que fosse mesmo meu. Depois de andar um ano à procura de um local, tendo visto recusada uma proposta num edifício no centro da cidade de Ponta Delgada, surgiu a hipótese de abrirmos aqui, perto do Mercado da Graça.
Bar e restauração sempre foram áreas onde me senti à vontade, quer com o público quer com o facto de poder criar.
Porque escolheu o nome de Mercado Negro para o bar?
Porque o conceito gira à volta, em primeiro lugar do Mercado. Como estamos perto do Mercado da Graça, a nossa intenção é ter sempre produtos frescos relacionados com o mercado.
Mercado Negro porque a ideia é vender uma panóplia de produtos. Ainda estamos um pouco no começo, visto que acabamos de abrir, mas a ideia é ser uma loja ligada à restauração. Género de concept bar/restaurante. Queremos ter expostos vários produtos onde o preço varie entre 1 euro e os 1000 euros, por exemplo.
Associamos também o nome de mercado negro a coisas que podem ser ilegais ou que têm preços variados, e é mais nesse ultimo conceito a que o nome está associado.
É muito difícil adquirir um espaço para se fazer este tipo de iniciativa?
Infelizmente é, porque os preços estão completamente inflacionados e está tudo mais virado para o alojamento local. E não é só o preço do mercado que está inflacionado, mas também o preço dos materiais e da mão-de-obra.
Um investimento que se calhar andava na ordem dos 30 mil euros antigamente, hoje em dia custa cerca de 50 mil, sem contar com adquirir ou arrendar o edifício. Muitos sítios também não estão preparados para ter algo diferente a acontecer devido ao facto de estarem todos direccionados para as mesmas coisas.
Há dois anos atrás estive em conversações para adquirir um local e foi abaixo porque já haviam coisas estabelecidas com uma entidade que realizada alguns eventos nesse local.
A falta de mão-de-obra é um problema com que se irá debater?
Admito que tenho um pouco de receio que venha a acontecer. Há muito pouca mão-de-obra qualificada. E mesmo que não seja qualificada, podemos sempre ensinar quem quer aprender, embora este seja um factor um pouco complicado porque nem sempre existe tempo para se ensinar.
Agora começam a pagar um pouco melhor na área da restauração, mas mesmo assim para o que se factura, na minha opinião, pagam mal. Acho que se deveria dar incentivos às pessoas. E poderia, por exemplo, oferecer-se uma percentagem no final do ano da facturação ou então dar melhores condições de salário. A verdade é que se continua a pagar muito abaixo do que se espera e as pessoas acabam por fugir um pouco para outras áreas. Trabalha-se muitas horas na restauração.
Por exemplo, na função pública trabalhas oito horas e o teu dia de trabalho está feito. Na restauração se ainda estiverem clientes no estabelecimento depois da hora de fechar, normalmente trabalhas mais horas e ainda depois tem a parte da limpeza. Existe falta de mão-de-obra mas as condições de salário poderiam ser bem melhores, até por uma questão dos trabalhadores se sentirem valorizados no seu local de trabalho.
Que tipo de apoios recebeu?
Ainda não recebi qualquer tipo de apoio. Tenciono concorrer a alguns apoios, mas nunca esteve na minha cabeça abrir o negócio apenas com os apoios. Na minha opinião, os apoios que são dados nem sempre são justos.
Não concorre a certos apoios porque não quer ou porque, em sua opinião, há falta de apoio?
Acho que há falta de apoios para algumas coisas, sem dúvida, mas também existem muitos apoios que são dados sempre aos mesmos ou a negócios que já estão estabelecidos.
Na minha opinião, os apoios deveriam ser dados a alguém que está a começar a construir o seu negócio ou a alguém que de facto tem uma boa ideia, diferenciadora do que há, mas não tem capital suficiente para o conseguir fazer. Sem querer entrar em conflitos, por exemplo, vemos sempre apoios para hotéis que muitas das vezes pertencem a grandes cadeias. E isto não é diferenciador, especialmente aqui em Ponta Delgada que, na minha opinião, está a ficar um pouco saturada com hotéis e alojamentos.
Por decisão minha, vou apenas a concorrer a apoios muito específicos, onde o investimento terá de ser maior. A ideia do Mercado Negro também é trazer pessoas fora de Portugal para actuar cá. Aí, eventualmente, farei pedido à Cultura porque estamos a trazer pessoas, que terão grandes encargos. Mas para já não estamos a pensar em qualquer tipo de apoio.
Que tipo de parcerias conseguiu para o seu bar?
Em primeiro lugar fomos contactando pessoas conhecidas, até para fazer alguma divulgação. A nossa primeira parceira, que começou Quarta-feira passada e vai até Setembro, foi com a La Bamba. Eles animam o espaço com música através de vinis e mais algumas músicas. A ideia é promover o nome La Bamba, podendo promover o espaço ao mesmo tempo.
Temos mais algumas parcerias em vista, mas como estamos em época alta, alguns destes nossos parceiros que pretendemos estão com muito trabalho, o que dificulta um pouco. Mas estamos a tentar fechar algumas parcerias o mais rapidamente possível.
Que expectativas tem para o seu negócio? Estando perto da Universidade poderá ter, a partir de Setembro, outro tipo de clientes?
A minha expectativa não era alta uma vez que ainda estamos em construção. Abrimos agora para ver se conseguimos algum retorno face ao investimento que estamos a fazer. O que me trás algum receio é que, durante a época baixa, facturemos muito menos do que poderemos facturar agora.
Quero que o Mercado Negro seja para todo e qualquer tipo de pessoa. Em relação à Universidade, tendo em conta que me interessa mais a parte da cultura, poderemos fazer algumas parcerias com as tunas, por exemplo. Também tenho um cliente que me falou que este poderia ser um espaço alternativo para co-working. O objectivo é que o Mercado Negro seja um local alternativo para as pessoas poderem vir e que se sintam bem.
Quando abrimos tivemos uma agradável surpresa. Vieram pessoas que eu já esperava, mas também vieram muitas pessoas que eu não estava à espera. É engraçado podermos ver que o conceito é mesmo para todos e para tudo. Podemos ter a partilha e ver que pessoas de vários estratos sociais podem conviver normalmente.
Qual foi a maior dificuldade que enfrentou ao passar de empregado para empregador?
A maior dificuldade foi a nível mental. Nem sempre se valoriza o trabalhar por contra de outrem, mas a verdade é que não temos metade das chatices que tens quando passas a ter um negócio teu. Ao trabalhar para outra pessoa, no final do mês o salário é garantido. Enquanto empresário o teu salário vai depender de ti, e do teu empenho. Às vezes também podes estar aberto e simplesmente não venderes. Para mim, a transição para me mentalizar que sou um empresário foi um pouco difícil, especialmente no início, quando vemos muito dinheiro a sair e pouco a entrar. Há o receio de não se poder recuperar o investimento, mas, como se costuma dizer, quem não arrisca não petisca. E se não correr bem, posso dizer que foi uma aprendizagem.
Qual vai ser o horário do estabelecimento?
No Verão vamos abrir das 11 horas até às 22 horas às Segundas, Terças e Quartas. Quintas, Sextas e Sábados abrimos à mesma hora mas encerramos à meia-noite. Pode haver algumas alterações de horário, como por exemplo Sábado, dia em que ocorre a festa branca em Ponta Delgada. Como vai ser um evento que trará um grande volume de pessoas, estamos a pensar em não abrir da parte de manhã até meio de tarde e depois ficar abertos até mais tarde, de modo a não correr risco de ficar sem produtos para venda. Esporadicamente poderá sofrer alterações mas até Setembro será este o horário. Já aconteceu esticarmos um pouco um horário, na hora do fecho. Ainda o outro dia esteve aqui um grupo de jazz para actuar no Maré de Agosto, que trouxe os seus instrumentos e animou o local.
A partir do meio de Setembro veremos o horário consoante o movimento que iremos ter na época baixa.
Que conselhos tem para quem quer abrir o seu negócio?
Diria para arriscarem. Nenhuma ideia será 100% nova mas poderão sempre dar o seu cunho pessoal. Não tenham medo de ouvir e não tenho medo de fazer parcerias. Ainda há muito espaço para Ponta Delgada poder crescer, o que abre portas para quem tem ideias novas. É muito difícil no inicio, mas no final será sempre satisfatório. A concorrência obriga-nos a crescer e traz não só benefícios mas também pessoas que nos podem descobrir.
Frederico Figueiredo