A autonomia política e administrativa dos Açores completará em breve meio século de existência. Há algum tempo falou-se repetidamente sobre o “aprofundamento da autonomia”, todavia sem explicitar do que constaria concretamente este objectivo e sem formulação sequer de linhas mestras. Uma falha relevante. Outra foi o malogro na legislatura que precedeu a actual do tão desejado projecto de revisão do Estatuto Político-Administrativo, com alguma perda de consideração para os deputados de então.
A verdade é que a realidade política, social, económica tanto como a diplomacia internacional, alteraram-se muito nos últimos cinquenta anos.
Sabemos que o actual regime de autonomia regional foi o resultado da conjugação de vários factores como as ancestrais aspirações do povo açoriano, a batalha por ele desenvolvida com várias matizes e que se estendeu por cinco séculos, assim como a instalação da democracia no País, a concretização da descolonização dos territórios ultramarinos bem como a abertura da União Europeia à integração de Portugal. Ainda hoje, nem todas as regiões insulares europeias gozam de um regime político de autonomia reconhecido constitucionalmente, caso da Córsega e apesar dos muitos e prolongados esforços daquela Ilha.
No topo da hierarquia dos benefícios aportados pela autonomia regional encontramos unidade e a coesão Arquipélago como a cooperação que espontaneamente surgiu como base da compreensão humana e material dos Açores no seu todo, nomeadamente da formação duma visão comum açoriana e da definição de uma nova e adequada via política, social e económica para as Ilhas, pela primeira vez, aprovada pelos representantes eleitos democraticamente.
O Arquipélago antes dividido em três distritos globalizou-se e uniu-se partilhando racionalmente os recursos existentes e promovendo a igualdade em infra-estruturas básicas de desenvolvimento naquelas ilhas que delas tanto necessitavam.
Deixou de ser preciso contar pelos dedos e de andar com uma cábula no bolso para saber quantas ilhas compõem os Açores, o nome e actividade económica de cada uma delas e a sua distribuição pela extensa porção do Oceano Atlântico.
Foi a oportunidade para união do povo açoriano em torno de um desígnio comum e de um futuro globalmente construído como nunca acontecera em quinhentos anos de história.
Hoje, os Açores têm órgãos de governo próprio únicos que asseguram, na essencialidade, a decisão pelos açorianos do seu destino, do tempo e do modo de realização dos seus projectos políticos, sociais e económicos. Instituições locais que garantem a defesa dos interesses regionais que não são “específicos” como determinavam os primeiros diplomas constitucional e estatutário, mas sim tão nacionais quanto os continentais.
O mais relevante benefício foi a unidade e coesão insular. Perder ou desvalorizar esse bem é ferir de morte a autonomia, comprometer o futuro, diminuir o ritmo do desenvolvimento que as características geográficas permanentes e adversas dificultam como bem reconhece o Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Talvez por assunção da instabilidade política que se propaga no Mundo como uma epidemia começam a surgir nos Açores factores de divisão, de concorrência entre as ilhas do Arquipélago, de incitamento à desconfiança que não têm o mínimo fundamento real. Como arma, certamente também importada dos debates políticos exteriores, os agentes usam a violência verbal até agora não usada.
Tais comportamentos não são positivos e só prejudicam o regular funcionamento das instituições, a hesitação dos investidores seguida de desinteresse.
Os investimentos que são apropriados para uma das ilhas em função das sua necessidade ou das suas características naturais, por pequena que seja, também são bons para o restante Arquipélago porque deles irão beneficiar.
Álvaro Dâmaso