Correio dos Açores – Quais são os trabalhos que estão a desenvolver na escavação junto ao Forte de Tagarete?
Diogo Teixeira Dias (arqueólogo) – Estamos a desenvolver o que se chama, tecnicamente, de uma sondagem, aquilo que normalmente as pessoas conhecem por escavação arqueológica, numa zona do Forte do Tagarete, no cais da Vila Franca do Campo, também ele conhecido como cais do Tagarete, numa zona onde suspeitávamos da existência de uma posição de metralhadora da Segunda Guerra Mundial. É um abrigo onde estava uma metralhadora ligeira, à semelhança daquelas que existem em Santa Bárbara, na Ribeira Grande, ou também no Forte de São Caetano, junto à Praia das Milícias. E, portanto, não foi tanto aquilo que nós queríamos descobrir, mas aquilo que queríamos pôr a descoberto, que era esta posição da metralhadora. Portanto, tem uma abertura, tem lá alguns vestígios dela, que são vestígios estruturais, ou seja, não são objectos, mas são os restos da estrutura, do próprio edifício. E também aproveitámos, já que íamos escavar, para chegarmos até às fundações do Forte do Tagarete.
Estamos lá desde a semana passada, procedendo a limpezas e já chegamos à rocha, ou seja, à zona mais antiga do forte, que é o sítio que estava disponível quando se decidiu construí-lo. Essa construção datava, já sabíamos, mais ou menos, da primeira metade do século XVI (1620, 1630). Logo, nesse contexto da escavação, também encontrámos alguns materiais arqueológicos, ou seja, objectos que apontam que o forte foi construído na primeira metade do século XVII.
Em que vai ser transformado o forte?
A Câmara Municipal de Vila Franca, de momento, está a ponderar se vai deixar aquela zona a descoberto para se tornar um atractivo ou então se vai tapar para, posteriormente, se voltar a abrir, já com outra facilidade e ser criada uma estrutura interpretativa.
O outro objectivo desta escavação também foi servir como um Campo de Escola de Arqueologia. Neste momento, estou a trabalhar com três voluntários, dois dos quais, estão a formar-se em Arqueologia na Universidade de Coimbra, mas que são naturais dos Açores. Um dos voluntários é a Daniela Cabral, de Água D’Alto, e está a tirar os mestrados em Arqueologia e Antropologia e o outro é o Luís Vitorino, da Ribeira Chã. e está no terceiro ano de Arqueologia. Garantimos, portanto, que estes alunos, em vez de ficarem no continente nos meses de Verão, tenham uma formação prática na sua área de residência, promovendo melhores condições de conciliação da sua vida profissional, académica e familiar, além de se confrontarem com o potencial arqueológico da sua terra, os Açores, que é imenso.
É uma escavação Visitável com painéis explicativos…
A escavação é, por si, só visitável. Nós criámos cinco painéis explicativos que estão à entrada do local das escavações e que explicam quem nós somos, o que procuramos e o que podemos vir a encontrar. Aquilo que acontece a meio da escavação é que as pessoas podem entrar, podem visitar, podem ver, podem fazer perguntas e podem dar-nos a sua perspectiva de aquilo que estão a ver. E tem sido muito interessante, porque os turistas têm aderido à entrada nesta zona. Como sabe, o Forte do Tagarete fica no enfiamento da zona de embarque. É uma zona onde passam, por ano, mais de 36 mil visitantes, quer turistas, quer locais. Portanto, optamos por garantir que estas pessoas que aqui passam recebam alguma informação daquilo que nós estamos a fazer e, sobretudo, vejam o forte como um atractivo, de forma a experienciá-lo.
Quais os métodos de registo arqueológico que estão a utilizar como fotogrametria digital e o laser scanner?
Em termos de recursos disponibilizados pela Câmara de Vila Franca do Campo, estamos a utilizar tecnologia de ponta, pois estamos a experimentar alguns métodos de registo arqueológico, nomeadamente, a fotogrametria digital, o laser scanner, que acabam por substituir ou complementar métodos tradicionais de registo muito mais lentos e muito menos precisos. Estamos a dar a estes, novos retornos arqueólogos, um aporte tecnológico que os qualifica e que valoriza ainda mais o seu trabalho e que também facilita o nosso. Porque, se calhar, pelo registo tradicional, em vez de demorarmos duas semanas a fazer esta escavação, demoraríamos um mês. Ao invés, vamos escavando e vamos fazendo 3D, analisando e desenhando tudo em laboratório.
Escavações pretendem dar a conhecer a história completa do Forte e valorizar Vila Franca do Campo com mais um conteúdo turístico…
Neste momento, pretendemos contar a história completa do Forte com as escavações que decorrem. No fundo, o nosso grande objectivo é contarmos a história toda ou com mais elementos possíveis, porque a arqueologia se faz para o público e não para ficar num gabinete ou fechada numa gaveta de museu ou numa vitrina. Faz-se para podermos contar as histórias das pessoas. E a única maneira de contarmos a história completa é prosseguirmos com a investigação, que é o que nos vai dando mais dados objectivos. É algo que, portanto, é um complemento da história que já se conhece do Forte. E essa história tem não só um valor cultural, mas também um valor económico, porque para todos os efeitos é mais um conteúdo que se cria numa zona altamente turística, que acaba por valorizar Vila Franca como destino cultural e turístico.
Qual a importância do Forte para a ilha de São Miguel?
A fortificação, nos Açores em geral, vale pela sua visão de conjunto. Ou seja, talvez só mesmo o Forte São Brás de Ponta Delgada é que valha por si só. Mas estes pequenos fortes valem pelo que fazem na sua forma articulada. No caso do Forte do Tagarete ou da Fortificação de Costa de Vila Franca do Campo, o seu grande objectivo era o de garantir que não havia desembarques inimigos em Vila Franca do Campo e, sobretudo, afiançar que as embarcações que passavam ao largo de Vila Franca do Campo tinham aqui um porto seguro, porque, como se sabe, a Vila sempre teve uma grande importância justamente por causa do Ilhéu. O Ilhéu, numa altura em que não havia os portos que há hoje, era um ancoradouro natural. A grande densidade de fortificação na costa de Vila Franca do Campo, porque estamos a falar de muitos fortes num curto espaço de linha de costa, existe para defender não só os areais de desembarque na Ilha, mas também para defender o ancoradouro do Ilhéu, que era um porto da existência. E também por outra razão: é que o Ilhéu, apesar de ser um ancoradouro, acaba por provocar ângulos mortos para o horizonte.
Houve a necessidade também de se reforçar e identificar a fortificação na orla costeira da ilha, porque o Ilhéu provocava alguns ângulos mortos mas, essencialmente, porque era um porto da excelência. É claro que muito cedo perdeu a importância para os portos de Ponta delgada ou para a Baia da Horta ou para a Baia da Angra do Heroísmo.
No entanto, aquilo que nos diz a fortificação da costa é que, de facto, o Ilhéu era um ancoradouro importante. Outra questão é o facto de nós termos no Tagarete uma ocupação militar, ainda que de forma intermitente. O forte só tinha ocupação quando havia guerra, quando havia conflitos, quando havia pirataria no mar. E, portanto, aquilo que acontece no século XX é que o Tagarete volta a ter importância militar por causa da Segunda Guerra Mundial. e instalam-lhe um abrigo de metralhadora ligeira, como instalam noutros pontos de Vila Franca e noutros pontos da Ilha, como na Praia de Santa Bárbara da Ribeira Grande, ou mesmo no Forte de São Caetano, na Praia das Milícias. Portanto, essa posição de metralhadora também vale pela sua integração num conjunto, numa aposta de defesa conjunta. É isso que é interessante. E nós precisamos contar essa história às pessoas.
Como é que aparece, no século XX, uma posição de metralhadora da Segunda Guerra Mundial num forte que foi construído no século XXVII?
É isso que nós queremos contar, mas para podermos contar isso, temos que por a descoberto, as provas daquilo que queremos contar. Entretanto, fizemos também algumas reconstruções em 3D, algumas ilustrações 3D para explicar como é que era o Forte. À medida que fizemos essas reconstruções fomos tendo algumas dúvidas e, obviamente, estas escavações fazem com que tiremos as dúvidas para desenvolver ainda melhor essas reconstruções visuais e podermos, mais uma vez, contar a história de forma completa.
Isto, em princípio, é para continuar. Portanto, este ano vamos escavar naquele sítio, do Forte do Tagarete, para o ano escavaremos noutro, para ir à procura de mais informação.
No próximo ano será talvez a zona da Garita Sul que tem encostrada uma latrina. A certa altura, sacrificou-se uma canhoneira para a construção de uma latrina. Essa latrina é importante porque, neste momento, na ilha de São Miguel, só há três fortes que conservam estrutura de latrina.
Neuza Almeida