Tenho aproveitado o período de Verão para pôr em dia as leituras que não pude ir fazendo ao longo do ano, mesmo tendo comprado os livros novos, sempre cobiçados nas estantes das livrarias da cidade.
Desde que as aulas na Universidade fecharam, pude ler, ou talvez reler, o excelente volume de memórias de Stefan Zweig intitulado “Os dias de ontem”. É uma narrativa pungente sobre o período entre as duas guerras que marcaram o século XX, feita por um intelectual de alto nível, proveniente de uma família judia austríaca, plenamente integrada na sociedade do Império Austro- Húngaro, vivendo a decadência do mesmo e a posterior deriva da extrema-direita nazi, da qual resultou a anexação ao Reich hitleriano e posteriormente a perseguição aos judeus e o Holocausto.
Reli também um clássico da literatura portuguesa, “ A ilustre Casa de Ramires” de Eça de Queirós, nem mais nem menos. É um belo romance, que antigamente era de leitura obrigatória nos estabelecimentos de ensino liceal. As personagens são convincentes e a perícia do Autor faz-nos reviver o tempo para ele actual, finais do século XIX, e o da Idade Média, durante o qual se desenrola a novela de cavalaria que a personagem central vai laboriosamente redigindo enquanto se candidata a Deputado às Côrtes, fazendo para tal extremos exercícios de malabarismo político e pessoal. No fim acaba por depor o mandato eleitoral e parte para África, onde obtém grande fortuna, ganha nas condições de exploração imperial, nem sequer minimamente contestadas pelo Autor.
Ainda recentemente acabei de ler o livro de Thomas Piketty “Uma breve História da Igualdade”. Deu-me muito que pensar e por isso o recomendo vivamente a quem se interesse pela reforma da sociedade. O Autor é professor universitário em França e tem já publicado vários livros de grande impacto, dos quais se destaca “O capital no século XX”. Tive ocasião de o ouvir falar sobre o tema em Lisboa, numa conferência no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, cheio até aos corredores e com muitas pessoas sentadas no chão. Julgo que mais ano menos ano lhe será atribuído o Prémio Nobel da Economia.
Thomas Piketty chama a atenção dos leitores para o grande desnível existente na distribuição da riqueza, a nível mundial e dentro de cada país. A sua visão é optimista pois faz parte da sua análise a longa evolução da igualdade de todos os cidadãos, desde a Revolução Francesa até aos nossos dias. Com altos e baixos, com avanços e retrocessos, certo é que os direitos humanos têm vindo a ganhar respeito e as pessoas vivem com liberdade, sendo criticados e mesmo repelidos os sistemas políticos autoritários e ditatoriais.
Persistem no entanto as desigualdades no campo económico, agravadas com o regresso às soluções de tipo liberal, no seguimento das grandes mudanças introduzidas nos anos oitenta do século passado.
A financeirização da Economia Mundial, associada à livre circulação dos capitais, decorrente dos postulados do neo-liberalismo, originou o aparecimento de uma nova classe de super-ricos, que acumulam fortunas em prejuízo dos mais pobres e até das classes de rendimentos medianos, que parecem condenadas a empobrecer e muitos já vão por tal caminho.
Não sei se as propostas concretas de solução apresentadas pelo Autor, grande entusiasta de esquemas de federalismo político de nível continental, são de facto exequíveis. Mas não duvido que alguma coisa tem de ser feita para obviar aos desequilíbrios existentes e em via de se agravarem.
Para Thomas Piketty as grandes conquistas feitas no caminho da igualdade tiveram na sua origem grandes movimentações sociais e até guerras ou cataclismos naturais. A este respeito aponta para a iminência de fortes perturbações climáticas, das quais estamos a sentir já algum efeito com as vagas de calor, as secas extremas e as chuvas diluvianas. Mas talvez seja preciso jogar na antecipação e avançar resolutamente para a reforma das nossas sociedades.
O consumismo desenfreado, no qual se inclui o turismo predador, está a poluir os oceanos e a reduzir a biodiversidade. Por outro lado, as ideologias nacionalistas estão a ter consequências perniciosas na calma e bem-estar de muitas sociedades, fortalecendo o racismo e a xenofobia. E não faltam auto-proclamados salvadores, que no meio da confusão tentam fazer passar as suas propostas de solução aparentemente fácil para problemas difíceis.
O Autor aponta a fragilidade das correntes políticas outrora centrais – democratas cristãos e social-democratas – perante os novos e urgentes desafios. Alguns deles identificaram-se com as soluções neo-liberais, outros desistiram de defender os mais pobres e interessam-se pelas minorias de qualquer tipo. Daí o sucesso dos extremismos, que apontam para as dificuldades existentes e com isso vão arrebanhando os votos nas eleições e descredibilizando as instituições democráticas.
Sabemos todos, porém, que por detrás dos autoritarismos espreitam sempre os grandes interesses. E assim o confronto pode levar à ruína da nossa forma de vida como cidadãos livres de sociedades livres. Ainda estamos em tempo de o impedir!
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)