Edit Template

“Se houver teatro e bom trabalho, os açorianos vão ver, mas é preciso criar condições para que haja mais e melhor”, diz Tiago Melo Bento

“O festival que nós organizamos em teatro, com várias companhias, workshops, despesas logísticas é uma despesa irrisória quando estamos a comparar sobre fazer um filme”. Quem o diz é Tiago Melo Bento, Presidente da Corredor – Associação Cultural, uma estrutura de formação para as artes performativas e cinema. Com dezenas participações em festivais, a Corredor – Associação Cultural também faz produção própria. O realizador disse que deveria ser construído um estúdio-teatro em São Miguel dedicado às associações para poderem desenvolver os seus projectos. Acredita que há um “grande potencial humano” na área das artes performativas. Ao Correio dos Açores, Tiago Melo Bento critica a falta de informação e divulgação sobre o programa para 2026, o ano em Ponta Delgada será a Capital Portuguesa da Cultura.

Correio dos Açores – Como surgiu a Corredor- Associação Cultural?
Tiago Melo Bento (Presidente da Corredor- Associação Cultural) – Esta associação surgiu com um conjunto de pessoas amigas, interessadas nos mesmos temas. Nasceu de uma forma muito simples, a forma de associação tem estas vantagens, portanto, foi concretizar essa vontade ao criarmos essa pessoa colectiva que nos permite, em termos institucionais, candidatar os nossos projectos a apoios, no qual também sonorizarmos os interesses em comum. Do ponto de vista de operar com um conjunto de pessoas com interesses convergentes, o lado associativo é sempre interessante.

Quais são os interesses em comum? Cinema, teatro, dança e música?
Sobretudo no início do projecto eram essas áreas. Naturalmente, com o passar dos anos, o percurso foi feito mais na área do cinema e das artes performativas. Fizemos alguns festivais de danças do mundo, portanto, está relacionado sempre com quem de momento está na associação e que promove os seus interesses e as suas iniciativas com a ajuda dos outros.
Neste momento, a nossa grande aposta são as artes performativas – o teatro e a performance -, com o festival que estamos a organizar e os workshops que fazemos, sem esquecer o cinema.

Como tem sido o crescimento da Corredor- Associação Cultural desde o início, em 2007, até ao momento?
Atravessamos fases distintas, por exemplo, no início fizemos muita força na parte do cinema e na formação do cinema, estivemos em São Miguel e em São Jorge – só não fomos a mais ilhas porque ainda não conseguimos. O começo foi muito forte, inclusive tivemos formadores bastante bons. Entre 2004 e 2006, houve o Ateliers Varan, na Fundação Gulbenkian, o qual formou várias pessoas e que acabou por revolucionar uma parte da área do cinema em Portugal. Uma parte das pessoas que foram alunos nessas formações vieram para o arquipélago. Estes ajudaram-nos a criar essa dinâmica entre 2008 e 2009, para além das outras pessoas que estavam cá. Posteriormente, conseguia-mos levar os desafios que fazíamos e as formações a vários festivais nacionais e internacionais, por exemplo, chegamos a fazer uma residência internacional cinematográfica que teve vários prémios em Portugal. Foi muito interessante.
Por volta de 2014, algumas pessoas do projecto foram para fora, quer dizer, refez-se um bocado a a áreas de actuação também de acordo com as pessoas que ficaram em São Miguel. A partir dessa altura, mas sobretudo em 2017 e 2018, o teatro apareceu aqui com mais força.
O teatro tem características diferentes e capacidade de incluir mais gente e trabalhar mais facilmente os vários tipos de projectos. A própria natureza do teatro, por exemplo, em formação ou criação de um espectáculo, o trabalho é diferente. O teatro cumpre um função social, com um dimensão maior para mim, porque permite o acesso à informação e à formação mais facilmente às pessoas. O facto de não precisar de equipamento para trabalhar, o meu equipamento é o meu corpo, a minha voz e a minha cabeça e um texto eventualmente, facilita o trabalho no teatro em comparação com o cinema.
Com a adição do teatro, percebemos que a formação dos actores vai oferecer ao cinema muitas pessoas. Acho que no futuro a produção audiovisual e cinematográfica açoriana vai buscar aquilo que se faz no teatro muito material humano. Isto também já aconteceu na prática, por exemplo, temos um projecto que estamos a desenvolver e fomos buscar actores às formações que estamos a fazer no teatro.

Como refere, o teatro tem aparecido em maior força desde 2017. Porquê houve uma diminuição na aposta do cinema?
O cinema tem um problema crónico que é a falta de financiamento. Só para ter uma ideia, o festival que nós organizamos em teatro, com várias companhias, workshops, despesas logísticas – alimentação, alojamento, entre outros – é uma despesa irrisória quando estamos a comparar sobre fazer um filme. Os equipamentos no cinema são caros, tem que haver uma outra aposta nesse sector, entendendo que é um sector, por natureza, dispendioso. Isto teve influência. Aquilo que fizemos sempre foram filmes milagres, em termos de orçamento. Se se pretende ir para outros campeonatos, nomeadamente, uma boa ficção, o custo é mais elevado, o que implica menos produção.
A Corredor é, sobretudo, uma estrutura de formação, mas fazemos igualmente produção própria. Quando falamos de produção própria em filmes, o caso complica, visto que o financiamento regional não é capaz minimamente, por isso temos de procurar financiamentos para fora. Com isto, obriga-nos a ter praticamente um corpo profissional que trabalha essa obtenção de recursos. Portanto, muitas vezes, as pessoas têm as suas vidas e as suas profissões e só depois ajudam o desempenho da associação. Estas pessoas não estão a tempo inteiro na cultura, mas têm sempre dividir os campos, ou seja, multiplicar as opções profissionais, porque o cinema não dá. O cinema ainda está numa fase muito embrionária e muito complexa para se viver disso e ter uma actividade corrente. É complicado…

Refere que no cinema é necessário buscar financiamento fora da Região. De onde vêm?
No caso do cinema, existe o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), que financia o cinema em português, mas é complicado. O ICA tem um financiamento muito próprio, que financia quase sempre os mesmos – aqueles que têm mais currículo -, enquanto a Direcção-Geral (DG) Artes, um organismo do Ministério da Cultura, é muito diferente, pois apoia o teatro e a criação e programação. A distribuição do financiamento na DG Artes há uma centralização ‘quase estatutária’, os apoios são concedidos por regiões. O cinema em Portugal é apoiado sobretudo pelo ICA e depois pelas Câmaras Municipais e pelos outros apoios mais pequenos.
Neste momento, a Corredor- Associação Cultural está com uma maior aposta no teatro, essencialmente, é uma estrutura de formação. Só conseguimos pensar em fazer filmes se formarmos, vamos fazer um festival de teatro se formarmos, porque as oficinas tem uma grande função para captação e formação de públicos. Quem faz uma oficina de teatro, vai ver um espectáculo e já se inteirou minimamente no tipo de trabalho que há. As oficinas e as vivências artísticas são tudo acções que vão contribuir para essa captação de públicos novos.

Há muitos açorianos que pretendem seguir o ramo das artes performativas?
Sempre houve. Temos actores e actrizes da Região a trabalhar em várias vertentes, como teatro e cinema, em contexto nacional. Normalmente, as pessoas começam a formação no continente. Aquilo que pretendemos fazer é começar essa formação aqui nos Açores, visto que a formação que nós fazemos não é sempre com profissionais. Tentamos abranger áreas essenciais, indo para outras áreas mais específicas para capacitá-las para eventualmente seguir uma carreira lá fora. Mas, ainda não queiram fazer isto de uma forma profissional, podem seguir de uma forma como passatempo.

E em relação aos mais jovens?
Temos muitas pessoas a trabalhar teatro nas escolas. Aquilo que estamos a fazer é mediação do festival nas escolas, ou seja, tentar através de algumas áreas e disciplinas que algumas escolas têm e trazê-las tanto para a interpretação como a cinografia – fotografia, construção de objectos e figurinos -, com a colaboração de algumas professoras de artes visuais. Existe formação curricular em algumas escolas e que estão muito bem entregues aos professores que trabalham. A nossa associação faz uma formação aberta para as escolas, assim os alunos podem ver ensaios e espectáculos antes do festival, com a oportunidade de falar com artistas e encenadores. Na programação, como já aconteceu no ano passado e acontecerá sempre a partir de agora, temos uma programação infanto-juvenil. Estamos confiantes que conseguiremos trazer mais jovens para os workshops e a criação de espectáculos que estamos a fazer.
Através dos professores que se juntaram este projecto no ano passado, já temos a Escola Secundária Domingos Rebelo, a Escola Secundária Antero de Quental e a Escola Básica Integrada Roberto Ivens. Agora, é muito importantes integrar escolas da Ribeira Grande, Vila Franca do Campo e dos restantes concelhos. Já fizemos contactos e estamos à espera que consigamos trabalhar com essas escolas. A abordagem começou praticamente com os participantes que eram professores nessas escolas e a abordagem começou praticamente com os participantes que eram professores nessa escola, chegamos lá através deles.

O que distingue a Corredor- Associação Cultural das outras instituições da mesma área?
Em São Miguel não somos muitos. Quando começamos na formação em cinema não havia, de certeza absoluta. Em relação às artes performativas, com as outras associações que trabalham essas áreas, acho que tem havido, de uma forma orgânico, espaços a serem ocupados de uma forma diferente, como as faixas etárias, por temáticas. Enquanto uns trabalham o teatro de uma forma, trabalhamos de uma outra forma. No fundo, estamos todos a trabalhar para o mesmo. No entanto, somos uma estrutura de formação, trabalhamos com profissionais e fazemos criação de espectáculos onde misturamos os profissionais e os não-profissionais. Talvez, esta seja uma das diferenças.

O que é necessário para se ser um actor/uma actriz de qualidade?
É simplesmente querer e ter formação. Não há pessoas que não tenham jeito. É preciso insistir e ter disponibilidade. Hoje em dia, com a chegada há vários anos do teatro físico, por exemplo, mesmo as pessoas que têm uma maior apreensão para falar, podem apresentar através do corpo e da imagem no teatro físico. Qualquer pessoa pode ser actor ou actriz, não há mesmo nenhum impedimento. A formação é optativa, mas para o tipo de trabalho que estamos a desenvolver, é preciso por causa das técnicas para transmitirem melhor a mensagem para o espectador. Conhecer as técnicas dá um certo empoderamento aos actores, dentro daquilo que é o trabalho de actor e as pessoas ficam, naturalmente, mais seguras e disfrutam muito mais. Estamos a tentar arranjar anualmente um corpo de formações que dê essa capacitação às pessoas que gostam de fazer. O teatro é mesmo importante para o nível humano. No último espectáculo comunitário que fizemos tivemos a participação da Associação de Surdos de São Miguel e de pessoas com origens diferentes. De repente, temos 30 e tal pessoas no palco que não deixa de nos emocionar, porque as pessoas estão ali durante cerca de dois meses a conhecerem pessoas, fazerem novos amigos, contactos e relações que nos vão dar, de certeza, mais bem-estar. Existe um role de vantagens, além do ponto de vista cultural, intelectual, que o teatro oferece e que nos dá alegria em fazer o nosso trabalho.

Acredita que os açorianos estão a valorizar o teatro?
Os açorianos valorizarão se tiverem teatro para dispor. Se houver teatro e bom trabalho, as pessoas vão ver. É preciso criar condições para que haja mais e melhor teatro. Preciso de estar conectado com aquilo que se passa no mundo ao nível de criação artística do teatro. Primeiramente, é preciso conhecê-lo, ou seja, criar uma rotina em ir ao teatro e essa rotina vai acontecer mais se houver mais qualidade. No entanto, não nos podemos esquecer da parte financeira, é preciso pensar em condições para que as pessoas possam assistir ao teatro de uma forma financeira que não lhes custe. É preciso que os nossos dirigentes percebam isso e aquilo que significa. São Miguel já teve uma cultura de teatro muito grande, com um teatro popular, na qual todas as gerações que acompanharam falam entusiasticamente daquele tempo. Todos gostam de teatro.

Refere que o teatro tem um menor custo do que o cinema. Quais são as maiores dificuldades na área do teatro nos Açores?
No caso de São Miguel, temos vários equipamentos culturais, mas quando queremos fazer programação, torna-se complicado visto que não há muita disponibilidade de datas nem de espaços. Portanto, precisávamos no caso do teatro de ter um espaço de ensaios e espectáculos para aceder aos palcos. No caso de criações, por exemplo, precisamos de ter acesso aos palcos durante mais tempo e não nos facultam isso, porque há muita demanda e poucos equipamentos, por incrível que pareça. É o que estamos a sentir. Fazer programação aqui tem logo essa dificuldade de não haver espaços.

Acredita que deveria haver um espaço próprio para as associações?
Se tivermos a falar de um espaço com essas condições, um teatro-estúdio seria uma aposta muito acertada. Este é um espaço que dá para o teatro e para mais áreas artísticas poderem desenvolver os seus projectos. Era fundamental termos um teatro-estúdio disponível para as associações que estão a trabalhar nisso em São Miguel. Tornar-se muito difícil fazer programação quando não temos muita disponibilidade dos teatros para as datas.
Entretanto, há uma outra dificuldade, por exemplo, se quero ter uma companhia boa, isso paga-se. As pessoas precisam de entender que se querem trazer coisas boas para os seus residentes desfrutarem têm que aumentar a fasquia do apoio às entidades que programam os espectáculos. Isso é fácil de ver. Apresento uma lista de companhias já previamente concertadas, as pessoas podem analisar e perceber qual é o percurso que estamos a ter a nível de programação, qual o motivo que fazemos as coisas, onde queremos chegar e avaliar. Avaliem e ajude-nos a trazer.
O apoio para isto só dá para alimentação e alojamento, e depois não temos dinheiro para as viagens, eles ficam nos seus países e as coisas não acontecem. Estamos a dois anos de Ponta Delgada ser a Capital Portuguesa da Cultura. Isto não é chegar a 2026 e, de repente, somos a Capital Portuguesa da Cultura. O trabalho tem que ser feito de ano a ano e estreando para chegarmos ali e não ser algo que as pessoas não se relacionam. Temos a sorte de estar a viver um período aqui em que temos imensa gente a trabalhar em várias áreas, pessoas com grande mérito a fazer coisas e esse trabalho precisa de ser promovido. Temos o potencial humano em várias áreas, como dança, teatro, música e assim adiante. Com tanta dificuldade, estamos a viver uma época de ouro em termos de recursos humanos.

Como refere, Ponta Delgada vai ser a Capital Portuguesa da Cultura em 2026. Vê um maior investimento nestes próximos meses na cultura?
Não faço ideia de nada e deveríamos saber. Acho que ninguém tem alguma ideia de como isto se vai concretizar. Continuamos o nosso trabalho, mas penso que está na altura ou está chegar à altura de nos contactarem.

Deveria haver mais informações?
Claramente, esse projecto muda a vida das cidades. A partir do momento em que acontece uma Capital Portuguesa, normalmente, as cidades não são mais as mesmas, são melhores. Isto precisa de ser consertado. Temos muitos agentes culturais de várias correntes artísticas que fazem um trabalho, independentemente das capitais ou não, tão bom e interessante em termos de formação que precisa de ser levado a uma fasquia mais elevada, com a ajuda de quem está à frente disto. Temos todos que nos sentar, falar e conhecer por parte das entidades públicas que estão à frente desta Capital Portuguesa da Cultura sobre qual é o projecto. Como isto vai acontecer? Amanhã já é 2026. De repente, é um salto. Temos a oportunidade de continuar o trabalho que foi feito na candidatura e potenciá-lo ao ponto de continuar o trabalho realizado em 2026 nos anos de 2027, 2028 e 2029.

É licenciado em Direito na Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Cinematográficos na Universidade Lusófona. Como surgiu o gosto pela área? Como foi a transicção de direito para as artes performativas?
Em Coimbra, fui actor no CITAC – Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, onde fiz um curso de seis meses muito intenso e com profissionais. Fiz o curso e nunca mais me largou. Quando cheguei aos Açores, estava a exercer Direito, mas resolvi ir à procura de aquilo me faz mais sentido. A área do teatro e do cinema, sobretudo o cinema, é aquilo que quero fazer para sempre. A partir do momento em que estou a fazer, esqueço-me de comer, dormir e tudo. De repente, mudei de vida sem saber ler nem escrever. O Direito acompanha-me sempre, porque tem uma função social muito importante. No entanto, a parte da criação artística diz-me mais.

Quando será o vosso próximo festival?
O próximo POP – Festival das Artes e Ofícios do Espectáculo acontecerá a 23 de Novembro a 30 de Novembro, em Ponta Delgada e Ribeira Grande, no Teatro Micaelense, no Teatro Ribeiragrandense e no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas e contará, pelo menos, com quatro companhias.
Estamos a desenvolver um projecto de criação comunitária que a partir do fim de Setembro e início de Outubro vai envolver então todas as pessoas que queiram participar do ponto de vista de interpretação e da dramatologia e também todas as que queiram na construção de cenografia, figurinos e objectos de cena. Estas são duas residências artísticas que decorrem em paralelo, que posteriormente culmina num espectáculo que será apresentado no Teatro Micaelense. O espectáculo chama-se ‘Animais Domésticos’ e é da nossa companhia, Colectivo POP.

Filipe Torres

Edit Template
Notícias Recentes
“Sabe sempre bem regressar às origens e à Vila da Povoação”
O projecto “Filhos do Atlântico” foi fundado por dois jovens açorianos que transformam histórias da Região em conteúdos audiovisuais
Festival “O Mundo Aqui” e AIPA afirmam Ponta Delgada como cidade multicultural
Os 10 países mais poluentes
Trabalhadores da base americana nas Lajes podem requerer, a partir de amanhã, o apoio financeiro temporário criado pelo Governo Regional para cobrir as remunerações em atraso
Notícia Anterior
Proxima Notícia
Copyright 2023 Correio dos Açores