Para quem cresceu e viveu na Base das Lajes, como eu, sabe bem do papel e da importância que o seu aeroporto e a presença do destacamento militar norte americano tiveram, na segunda metade do século passado, no desenvolvimento económico e social da ilha Terceira e mesmo dos Açores.
Inicialmente localizado na Achada, o aeroporto da ilha Terceira foi inaugurado a 4 de outubro de 1930, com um cumprimento máximo de 600 metros por 70 de largura, para servir primeiramente interesses e necessidades nacionais em termos de ligações aéreas entre o continente e os Açores.
Foi, contudo, com a eclosão da II Guerra Mundial, que os Açores e o aeroporto da Terceira, em particular, assumiram importância militar e estratégica a nível mundial.
No início da guerra, a Alemanha nazi ponderou ocupar Gibraltar, admitindo, para isso, invadir Portugal, com o apoio espanhol, para evitar a eventual utilização do nosso país, e dos Açores, para um contra-ataque britânico, o que levou Salazar a reforçar a defesa do país, fazendo nomeadamente deslocar para o arquipélago uma força militar de dissuasão de 28.000 homens.
Reino Unido e EUA, ainda neutrais, temendo que os Açores fossem utilizados contra eles, chegaram, então, a equacionar a ocupação militar do arquipélago, hipótese definitivamente afastada do horizonte quando, a 12 de outubro de 1943, portugueses e britânicos assinam um acordo para a utilização da base, que abriria portas à chegada posterior do contingente militar norte-americano, que se mantém até aos dias de hoje, continuando a parte portuguesa das Lajes a existir como Base Aérea n.º 4.
Com a emergência da guerra fria, a Base das Lajes assumiu importância crescente, tendo sido nela construída uma autêntica cidade americana que, com o seu quartel general local, igreja, escolas, professores, cinema, rádio e televisão próprias (quando a RTP ainda não tinha chegado aos Açores), clubes, ginásios e cantinas comerciais (famoso BX), chegou a albergar, no seu auge, mais de 5.000 norte-americanos, entre militares e suas famílias, que animaram e influenciaram a vida económica, social e cultural da Terceira, criando aqui um microcosmo de ideias e conhecimentos estranhas e marginais ao Estado Novo.
A cidade de Angra do Heroísmo tinha o seu ritmo marcado e influenciado por esta Base das Lajes.
Mas também São Miguel, na medida em que acabou por fornecer muita da mão de obra civil necessária ao funcionamento das infraestruturas militares norte americanas e, mais tarde, portuguesas.
Com o fim da União Soviética e da guerra fria, a emergência de novas tecnologias e meios militares, e a progressiva afirmação da China como potência económica e militar, a base das Lajes perdeu importância estratégica para os norte americanos, agora mais preocupados em projetar a sua presença e força na Ásia e no Pacífico com o objetivo de conter a influência e ambição regional de Pequim.
Contudo, o regresso da Rússia, com Putin, às suas ambições e história imperiais, visível no seu gesto de invasão e agressão à Ucrânia, e na nova postura de afirmação, ameaça e pressão política e militar sobre os países limítrofes, nomeadamente na Europa, o agravar do conflito no médio-oriente, resultante do apoio iraniano aos movimentos extremistas islâmicos do Hamas e do Hezbollah, a ligação destes protagonistas a Putin, conjuntamente com a Coreia do Norte, criaram todo um clima de instabilidade política e militar que fez a Europa e o Mundo recear pela sua segurança e a reinscrever a necessidade de defesa comum na agenda das suas prioridades políticas, a começar pelos EUA.
Estes receios e ameaças, a necessidade de defesa dos regimes democráticos, do seu projeto de cooperação económica comum em torno da União Europeia, da integridade dos seus territórios e fronteiras, conjuntamente com os EUA e Canadá, no âmbito da NATO, conjuntamente com a adesão recente da Finlândia e da Suécia à NATO, fizeram crescer de forma substancial as despesas destes países com a modernização e equipamento das respetivas forças armadas.
As declarações relativamente recentes de Donald Trump no sentido de recusar a defesa mútua norte americana aos países da NATO que não cumprissem com o compromisso assumido de gastar 2% do seu PIB com a defesa, para além do choque político causado, tiveram o condão de despertar, ainda mais, a atenção política de muitos governos para a necessidade de investir nas indústrias de defesa e com a modernização e equipamento das respetivas forças armadas.
É aqui que Portugal, os Açores e a Base das Lajes, entram!
A Portugal, que em 2023 gastou apenas 0,85% do seu PIB na área da segurança e defesa externa, cerca de 2,3 milhões de euros (a NATO contabiliza 1,55% do nosso PIB, cerca de 4,2 milhões de euros, associando aqui despesas com a segurança interna), espera-se e exige-se, pois, neste quadro, que faça um esforço muito maior de investimento na modernização e reequipamento das suas forças armadas, que garanta não só a nossa integridade territorial e independência face a ameaças externas, mas também a nossa soberania económica e o cumprimento dos nossos compromissos internacionais no âmbito da NATO.
A zona económica exclusiva que os Açores acrescenta, e muito a Portugal, a necessidade de fiscalização e preservação dos seus recursos marinhos, de vigilância das suas águas territoriais e do respetivo espaço aéreo a ameaças externas militares, tornam premente o reforço dos meios humanos e equipamentos em termos de aviões, navios e outros equipamentos das nossas forças armadas na Região.
Desta necessidade premente de reforço do investimento nas nossas forças armadas tem dado o Presidente da República devida nota pública em diversas ocasiões, sem grande resultado palpável.
Como a situação política internacional continuamente a agravar-se, sem dar nota de abrandamento de tensões, impõe-se que o país no seu todo, suas instituições e partidos políticos mais representativos, assumam o desiderato da nossa defesa coletiva como um desiderato nacional.
Contudo, tal desiderato só fará sentido para os nossos concidadãos e contribuintes se e quando este esforço urgente e necessário com o reforço da nossa defesa nacional se traduza na criação e recuperação da nossa indústria de defesa nacional que contribua para o desenvolvimento económico e tecnológico do país e o crescimento de emprego qualificado.
Só então, quando a base das Lajes se começar a afirmar como verdadeira Base Aérea n.º 4, com dispositivo militar aéreo nacional impressivo, a marinha passar a dispor de meios navais com capacidade de efetiva dissuasão própria e o exército com meios humanos e equipamentos modernos, com uma estrutura industrial a montante que a suporte, é que podemos afirmar a nossa verdadeira e própria soberania nacional enquanto país e povo.
É este o desafio que se coloca a Portugal, e ao seu atual Governo, com uma premência que há muito tarda.
Açores, 15 de agosto de 2024
Francisco Pimentel