Vasco Moreira, da Sail4Sailing
Correio dos Açores – Com que idade se iniciou nas actividades náuticas? Como é que foi a sua adaptação?
Vasco Moreira (fundador da Sail4Sailing) – Eu nasci em Lisboa, mas vim para os Açores com 8 anos. O meu pai, que é micaelense, foi estudar para o continente e acabou por ficar lá durante 20 anos, depois decidiu regressar e ainda bem porque gosto muito de viver cá. Foi quando regressamos que me iniciei na vela porque lá fora não tinha essa possibilidade.
A vela já é uma tradição de família e aprendi através do meu pai, numa vertente um pouco diferente. Isto porque normalmente as pessoas iniciam através do Clube Naval ou através das escolas de vela, e eu comecei pela vela de cruzeiro. Mais tarde, aos 12 anos, surgiu o interesse pela competição e foi aqui que comecei na vela ligeira.
Fiz o percurso normal com o optimist e depois passei para outra classe. A partir dos 18 anos, estive nas classes olímpicas em 470. E, depois, em solitário, em Laser, inserido num projecto a nível nacional e internacional no âmbito de classes olímpicas.
Desde os oito anos de idade até então, já estou conto com um percurso de 43 anos sempre ligado ao mar. Também fui treinador de vela durante muito tempo, e nos últimos anos tenho feito mais regatas de vela de cruzeiro. Agora, tenho este projecto que está mais ligado à vertente turística, mas que também engloba uma escola de vela.
Quer descrever alguma aventura ou dificuldade extrema que tenha vivido na navegação à vela?
Já participei em muitas provas de cariz internacional, mas sempre sem grandes acidentes a apontar. Mas, claro, eu já apanhei situações de mau tempo quando estamos a navegar no meio do oceano e sem modo de chegar a terra, onde temos de gerir da melhor forma as situações mais adversas de mar e de vento. Quanto a avarias, só aconteceu uma vez quando ainda era miúdo e estava com o meu pai: o leme do barco partiu quando estávamos a cerca de 17 milhas da costa e chegamos a Ponta Delgada mesmo assim. Mas, tirando este episódio, nunca tive uma peripécia que pusesse em risco a segurança do barco ou a nossa.
O que o motivou a investir no serviço de iates à vela nos Açores?
A minha paixão sempre foi o mar, mas estive durante muitos anos numa actividade mais stressante (ligado à construção civil, através do meu pai) e depois estive no ramo imobiliário. E este projecto é uma forma de estar no meio onde me sinto bem e a fazer aquilo de que mais gosto: navegar e velejar. Alindo isto à vertente turística, consigo conciliar tudo. É importante fazermos aquilo de que mais gostamos.
Quantos elementos tem na sua equipa e qual a dimensão da sua frota?
Nós temos duas equipas permanentes prontas a alternar. Somos quatro elementos permanentes e outros dois que vão alternando. No ano passado tínhamos dois barcos a funcionar, mas este ano apenas temos um, o ‘Rafale’, que significa’ ‘rajada de vento’ em francês – não tem propriamente um significado directo, mas já tivemos outros barcos na família com nomes semelhantes, como o ‘Rajada’ e o ‘Refrega’.
Como é hoje um dia normal nesta actividade?
Neste momento, estamos no pico alto da nossa actividade e o dia acaba por ser cansativo porque chegamos a fazer três passeios diários – são cerca de 12 horas no mar. Começamos cedo, há todo um trabalho prévio de preparação do barco e acabamos os passeios à noite, por volta das 22h00. Os passeios de barco ainda são uma actividade muito sazonal, o que se deve muito às condições de tempo e de mar, mas os picos máximos são os meses de Julho, Agosto e Setembro.
Quais são os maiores desafios e dificuldades de operar um serviço de iates à vela na Região?
Em primeiro lugar, o nosso princípio fundamental é sempre o de prestar um serviço de qualidade aos nossos clientes, e isso, só por si, já nos obriga a manter um certo grau de exigência. Mas, a maior dificuldade que vejo nesta actividade é a legislação portuguesa que cria uma série de requisitos que não existem noutros países. Falo concretamente em situações de vistorias com prazos muitos curtos que nos obrigam a despender muito tempo. Um dos nossos princípios é nunca descurar dos princípios de segurança, mas alguns requisitos não fazem o mínimo de sentido. Por exemplo, já tive uma vistoria em que me obrigaram a ter mais coletes do que aquilo que está estipulado no livrete da embarcação. E noutra ocasião, a mesma pessoa obrigou-me a ter mais sinais pirotécnicos do que aqueles que está na legislação. Estes são apenas alguns exemplos de situações que no fundo são desnecessárias e que não condicionam em nada a segurança da embarcação.
Qual tem sido a adesão do público? Quem são os seus principais clientes?
A Sail4Sailing existe desde de 2021, e desde então que temos tido um crescimento muito positivo, em especial no ano passado e nesta época de 2024. A grande maioria dos nossos clientes são turistas dos Estados Unidos, algo que também se deve muito ao aumento do número de voos e ligações directas.
Quais são os serviços ou pacotes que oferecem, e quais têm sido os mais requisitados?
Nós temos duas vertentes, a dos passeios diários e as de charter, e em que alugamos o barco. As Sailing Tours têm essencialmente três modalidades: dia completo; meio dia; e outra ao pôr do sol. Na vertente de charter, temos o aluguer do barco com ou sem tripulação. Ou seja, uma pessoa que não queira o skipper pode alugar o barco desde que esteja devidamente credenciada para o efeito. Normalmente o aluguer é feito à semana e também pressupõe a deslocação para outras ilhas do arquipélago.
Como funciona a vossa academia de vela?
A nossa academia de vela oferece cursos de formação específicos para a iniciação ao iatismo e à vela de cruzeiro, desenhados para diferentes níveis de experiência. Estes cursos distinguem-se dos tradicionais cursos de vela para adultos, pois são focados em preparar os participantes para situações práticas, como, por exemplo, adquirir as bases necessárias para quem deseja comprar um veleiro.
No entanto, os cursos são leccionados principalmente entre Outubro e Março, já que durante a época alta nos focamos nos passeios diários e charters. Além disso, as aulas são feitas em barcos de regata – de competição – e, portanto, é completamente diferente dos passeios diários e de charter que acontecem num veleiro de cruzeiro.
Que balanço faz desta época até agora? Notou alguma tendência diferente este ano?
Sim, este ano notámos uma maior adesão por parte dos clientes e também um número significativo de reservas antecipadas. As reservas de última hora diminuíram em comparação com o ano passado, o que nos permitiu iniciar a época já com um plano bem preenchido. Acredito que o aumento na procura pode ser atribuído ao crescimento do número de ligações aéreas, especialmente com voos directos, e ao aumento da oferta de alojamentos e hotéis na Região. Estes factores têm impulsionado o turismo e, consequentemente, as actividades ligadas a experiências.
Considera que este mercado tem potencial para crescer nos Açores? De que forma?
Em primeiro lugar, acredito que o turismo nos Açores tem de crescer de forma muito controlada, porque não podemos querer um turismo em massa sem ter todas as infra-estruturas à sua volta. A prioridade deve ser a criação das bases que possam suportar o aumento do turismo, o que, na minha opinião, não pode ser feito de imediato, pois requer um planeamento a médio e longo prazo
Mas sim, penso que os Açores têm grande margem ainda de crescimento a nível turístico. Enquanto não forem construídas infra-estruturas base para suportar o crescimento do turismo, não há margem de crescimento para o sector de actividades e experiências na ilha.
O que diferencia o seu serviço de outros disponíveis no arquipélago?
No nosso serviço, aquilo que nos distingue de outras actividades de passeios de vela são dois factores que considero muito importantes. Primeiro, a experiência que acumulei ao longo dos anos, muitos deles ligados à vertente de competição, ajuda-me a entender o conceito do negócio e aquilo que é necessário fazer para que funcione. O segundo ponto, do qual não abdico, é prestar sempre um serviço de qualidade ao cliente. Ou seja, oferecer sempre mais do que aquilo que ele está à espera. Isto é crucial, e o feedback tem sido extremamente positivo, o que também me dá motivação para procurar sempre ser melhor naquilo que faço.
Como é a experiência de velejar nos Açores em comparação com outros destinos?
A minha experiência em vela ligeira inclui vários campeonatos internacionais, mas no que toca a travessias oceânicas, apenas fiz de Portugal continental para os Açores e da Madeira para os Açores. Nunca atravessei o Oceano Atlântico porque a minha grande paixão são as regatas de competição curtas. Alguns velejadores preferem a longa distância, as travessias e regatas oceânicas, mas eu prefiro as regatas costeiras e de curta duração.
No entanto, posso afirmar que o nosso mar é muito bom para a prática da vela. Cada região do mundo tem as suas próprias condições para velejar, algumas melhores e outras piores, mas os Açores oferecem condições excelentes para quem gosta de vela.
Tem planos para expandir o negócio?
Sim, pretendemos aumentar a nossa frota, mas queremos que isso aconteça de uma forma gradual e sustentada. Para já, apenas posso dizer de forma segura que no próximo ano teremos mais um barco.
Por fim, aproveito para chamar a atenção das entidades governamentais e sublinhar a importância de se abrir novamente os apoios para o desenvolvimento deste tipo de actividade. É um sector com um enorme potencial de desenvolvimento nos Açores, mas nos últimos anos esses apoios foram suspensos. No caso da nossa empresa, investimos em toda a estrutura com capitais próprios, enquanto muitas empresas marítimo-turísticas – talvez 99% – beneficiaram desses apoios no passado.
Seria importante que abrissem este tipo de apoios comunitários novamente porque isso não só permitiria às empresas crescer, mas também contribuiria para fomentar ainda mais o turismo e a economia da Região. Para além de que este incentivo é uma forma de manter a qualidade dos serviços e o desenvolvimento sustentável deste sector.
Daniela Canha
