Sofia Ribeiro, Secretária Regional da Educação, Cultura e Desporto
Correio dos Açores – O projecto-piloto de literacias, em experiências em algumas escolas do continente, poderá acontecer no ensino secundário nos próximos anos nos Açores?
Sofia Ribeiro (Secretária Regional da Educação, Cultura e Desporto) – Este projecto-piloto foi lançado pelo Ministério de Educação, com a adesão de um número restrito de escolas no território continental. Até ao momento, que nós saibamos, não foi apresentado qualquer convite a uma escola secundária dos Açores para participar neste projecto-piloto, o que não quer dizer que não possa vir a decorrer, caso essa seja uma vontade das nossas escolas.
A competência a nível de gestão dos currículos do ensino secundário é nacional e nós estamos cá para fazer a orientação que for necessária. Se as nossas escolas assim entenderem e se quiserem desenvolver projectos curriculares inovadores ao nível do ensino secundário, nós cá estamos para podermos apoiar e orientar – mas sempre com uma ligação muito estreita com o Ministério de Educação.
No que respeita à gestão do ensino básico, essa já é uma componente curricular de gestão directa das Regiões Autónomas, mesmo até nos currículos regionais de educação básica. Queremos rever o diploma a muito curto prazo e já começamos a trabalhá-lo. Entendemos que deve ser acompanhado da auscultação diversa da sociedade, e temos também a auscultação prévia das nossas escolas. Pretendemos levar esta revisão à apreciação pública para – assim esperamos – depois poder ter expressão curricular.
Nas questões comuns com o Ministério da Educação, e em respeito a esta literacia financeira, económica, processos de participação democrática, acrescentamos ainda dinâmicas no que respeita à educação para a saúde e à educação ambiental, mas este é um processo diferenciado, visto que diz respeito à educação do ensino básico e tem componentes específicas dos Açores. Portanto, queremos ver estas questões introduzidas no ensino básico, vamos propor e apresentar à apreciação alargada de domínio público antes de poder introduzir qualquer alteração normativa, que, neste caso, é uma alteração que é da competência última e final da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, por ser um decreto legislativo regional.
E são alterações que vão desde o pré-escolar até ao final do nono ano de escolaridade, em que temos competências próprias e imediatas para fazermos a alteração curricular.
Quais são as disciplinas que pretendem acrescentar?
As disciplinas que pretendemos implementar fazem parte do nosso programa de Governo e apresentamos no projecto preliminar da Estratégia Educação Açores 2020, que está em fase de conclusão depois de ter recebido os contributos da auscultação pública. Posso adiantar ainda que houve um posicionamento favorável da auscultação pública a esta abordagem da educação para a saúde e da educação ambiental. É sempre importante frisá-lo: estamos ainda numa fase muito inicial deste projecto.
É nossa intenção introduzir o debate relativamente à importância da introdução de disciplinas, e, acima de tudo, de áreas que sejam de trabalho obrigatório ao nível da componente e da leccionação efectiva nas nossas escolas desde o primeiro ciclo do ensino básico, da literacia, no que respeita à saúde, ao ambiente, ao domínio económico e à participação democrática. Isto vai ser obviamente introduzido de uma forma gradual e é a atinência às faixas etárias e à diferente constituição da estruturação do pensamento do aluno.
Além disso, também temos no programa do Governo a introdução de uma segunda língua estrangeira no segundo ciclo do ensino básico como uma oferta obrigatória e de frequência facultativa. Ou seja, as escolas são obrigadas a apresentar a proposta de uma segunda língua estrangeira aos alunos e aos encarregados de educação que as frequentam, e será adoptada se assim entenderem.
Também queremos introduzir disciplinas ao nível das literacias digitais, quer seja no domínio da tecnologia, quer seja no que respeita à segurança cibernética.
Há alguma disciplina obrigatória para a escolha da segunda disciplina de língua estrangeira no segundo ciclo, ou cada escola decidirá quais são as que os alunos podem escolher?
Criada uma base curricular, as escolas têm sempre uma flexibilidade curricular que nós queremos que continue a existir na dinâmica regional, o que permite às escolas analisar quais devem ser os seus planos pedagógicos e fazer as suas escolhas.
Gostaria também de frisar que, independentemente disto, já está consagrado há vários anos a possibilidade das escolas desenvolverem projectos de inovação pedagógica no ensino básico. Portanto, nós estamos disponíveis para acolher e apreciar qualquer projecto de inovação pedagógica que as escolas nos queiram apresentar. Aliás, tem sido até uma questão suscitada por algumas instituições do ensino privado, e temos tido da nossa parte este parecer inicial de que há enquadramento normativo, ou seja, temos disponibilidade para colaborarmos com todas as instituições de ensino que queiram fazer um processo de inovação pedagógica, que obviamente tem que depois ter um acompanhamento e uma monitorização ao nível da sua avaliação, no âmbito das suas estruturas pedagógicas e também da equipa pedagógica da Direcção Regional de Educação.
Com a possibilidade de acrescentar disciplinas no ensino básico, o horário escolar vai aumentar?
Na Região não pretendemos fazer alteração da carga horária global. Vamos trabalhar com tempos que estão relacionados com a flexibilidade curricular, podendo criar outras dinâmicas, mas não é essa a nossa intenção à priori.
As nossas crianças e os nossos jovens têm de ter, além do tempo necessário para uma aprendizagem formal, também a valorização de mecanismos de aprendizagem informal e não formal. Portanto, ter sempre tempo para brincar e igualmente tempo para o desenvolvimento de outras actividades selectivas.
Refere que o Governo pretende introduzir no ensino básico literacias digitais. Será uma melhoria da disciplina Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)?
Sem dúvida, e será de uma forma mais estruturada e desde o primeiro ciclo do ensino básico. Quando falamos de tecnologias, elas não precisam ser todas necessariamente digitais
Nós temos estado a desenvolver nos Açores o pensamento computacional nas nossas escolas, que é uma área absolutamente inovadora no primeiro ciclo, com uma expressão autónoma e com um tempo semanal de trabalho em todas as turmas. Há três anos, nós começamos com o ano zero, com a preparação de materiais e formação de professores para o arranque. Entretanto, fizemos o primeiro ano somente para primeiro ano do primeiro ciclo há dois anos, e no ano passado alargamos também para o segundo ano. Este ano, pela primeira vez, esta área também vai contar para o terceiro ano do primeiro ciclo. Portanto, a nossa intenção é dar continuidade a este projecto e programa de pensamento computacional até ao final do segundo ciclo do ensino básico. E é nossa intenção que fique integrada numa área de educação digital e de pensamento computacional. Ou seja, esta área terá um espaço próprio que vai desenvolver as competências de raciocínio e de literacia no âmbito digital. Isto não quer dizer que os alunos estejam sempre agarrados a tecnologias digitais – e isso não acontece de todo, principalmente nos primeiros anos de escolaridade. Terá a componente da educação digital como um todo que depois será complementada na área da cidadania ao nível da cibersegurança.
A partir do terceiro ciclo, a nossa intenção é fazer uma evolução da educação digital e do pensamento computacional para as oficinas de código, e aí já termos cursos especializados com um cariz mais prático à própria capacitação da programação.
Agora, todos os dias, nós, sem pensar no que estamos a fazer, nas inúmeras tarefas que temos, nós fazemos escolhas. Por exemplo, aquilo que vamos fazer primeiro e com quem vamos fazer. A sistematização dessas escolhas faz parte da construção de algoritmos. Portanto, podermos aprender a sistematizar essas escolhas e reflectir sobre essas escolhas. Isto seria importantíssimo para a resolução dos problemas e, futuramente, para a construção dos próprios algoritmos que estão por trás da linguagem de programação que for escolhida. Existem variadas linguagens de programas, mas o mais importante é saber escolher o processo que vai estar por de trás do programa. Ou seja, para além de escrever o programa, a pessoa tem que saber o que o programa vai fazer e tem que fazer essas escolhas.
A primeira fase é a estruturação ao nível do raciocínio, que é feito de uma forma, muitas vezes, atrás do jogo, numa aprendizagem com uma forte componente lúdica desde o primeiro ano de escolaridade. Nos anos seguintes, o grau de complexidade vai aumentando até ao sexto ano para depois no sétimo ano os alunos já poderem iniciar em linguagens de programação.
Posso dizer ainda que, neste momento, já temos um feedback muitíssimo positivo relativamente ao pensamento computacional nas nossas escolas.
Todas as escolas têm recursos para ter esta disciplina na sua oferta escolar?
Sim, o pensamento computacional é feito com os recursos de cada uma das escolas num regime de formação contínua. Nós temos uma equipa-base que acompanha os professores que estão a administrar a esta hora o pensamento computacional, e que estão igualmente a preparar os materiais, tanto para esse ano como para os anos seguintes. Portanto, há uma forte componente de trabalho, em parceria entre equipas de professores para o seu desenvolvimento.
De resto, as especificidades técnicas da sua implementação não são de grande complexidade, ou seja, com essa devida orientação é fácil, uma vez que estamos a falar nesta fase inicial de competências digitais complexas, o que nos permite ter um leque muito alargado de professores com competências para essa leccionação e com o apoio efectuado pela equipa central.
O nosso objectivo é fazermos e continuarmos numa alteração curricular, com alterações que sejam graduais e sem quaisquer tipos de rupturas. Isto, para mim, é importantíssimo numa alteração curricular. Por exemplo, o Ministério da Educação está a introduzir a experiência pedagógica do projecto de literacia com um número restrito de escolas para fazer esse acompanhamento e perceber a viabilidade e o interesse para poder estender a outras escolas numa alteração curricular. Isto é precisamente aquilo que temos feito: introduzir projectos e dinâmicas que são piloto e que são gradativas para, depois, poderem ter uma alteração consubstanciada ao nível de uma revisão normativa e do currículo do ensino básico.
E a disciplina História, Geografia e Cultura dos Açores?
Esta disciplina vai ser integrada em articulação com a Cidadania desde o primeiro ciclo do ensino básico. A nossa intenção é podermos criar, ou gerar essa discussão pública – é importantíssimo fazê-lo -, um espaço próprio desde o primeiro ciclo da História, Geografia e Cultura dos Açores, que integra igualmente as áreas sociais em articulação com a Cidadania. Assim, de uma forma gradual, os alunos vão entrando nestas dinâmicas com expressão transversal.
Há certas escolas que têm uma disciplina ligada às artes performativas, como o teatro. É intenção do Governo englobar esta disciplina a todas as escolas?
Essa diz respeito à área das próprias expressões, em que pode haver uma componente que as escolas criam em alternativa à Educação Tecnológica (ET).
Nós introduzimos uma alteração no ano passado ao nível do regulamento de gestão administrativo e pedagógico dos alunos, em que se contemplou que passassem a integrar no currículo do ensino artístico na Região também o ensino do teatro. Portanto, está aberta a porta para podermos ter o teatro como uma área lectiva na componente artística da Região. Temos escolas que têm estas escolhas do teatro nestes complementos de educação artística e tecnológicas.
Filipe Torres
