Quando aceitou o convite para fazer parte da direcção dos Antigos Alunos, Tiago Melo tinha um plano. Quatro anos depois, este plano finalmente pode começar a concretizar-se. Ao ‘Correio dos Açores’ explica qual o projecto, como se poderia contornar a falta de atletas e assume: “o processo está sempre em primeiro lugar”
Correio dos Açores – Quais são os objectivos para esta época quer em termos de formação, quer ao nível de seniores?
Tiago Melo (treinador dos seniores dos Antigos Alunos) – A nível de formação o nosso principal objectivo, que será cumprido, é o de ter todos os escalões de formação. Na época passada não conseguimos ter escalão de iniciados. Depois vamos continuar com o nosso projecto. Temos um projecto bem definido, que nada tem a ver com os resultados. O nosso objectivo é que os nossos treinadores possam ensinar, em cada etapa de formação, os fundamentos necessários para quando os atletas chegarem ao escalão sénior poderem, verdadeiramente, ajudar. Queremos ter mais miúdos na nossa formação e forma-os de acordo com o nosso modelo.
Nos seniores o objectivo é o mesmo do ano passado, ou seja, garantir a manutenção. Queremos que olhem para nós como uma equipa competitiva, que aposta verdadeiramente no jogador açoriano e no jogador formado nos Antigos Alunos, mas sempre com os pés bem assentes no chão.
Várias modalidades queixam-se da falta de atletas. É algo que também acontece no voleibol?
Acontece, e acontece cada vez mais. Quando fazemos a projecção das épocas, a tendência é para cada vez mais vermos menos atletas a chegar à equipa sénior. A pirâmide vai encolhendo cada vez mais e por isso precisamos de fazer um reforço na captação de minis e iniciados e termos muitos atletas nessas idades. Porque depois temos cada vez menos atletas nos escalões acima. Uma das nossas grandes preocupações é o que o número de atletas, que praticam a modalidade, tem vindo a descer. Felizmente temos vindo a ter sempre atleta, cumprindo os mínimos estabelecidos, mas todos os anos tem sido um desafio muito grande.
Como se poderia combater essa falta de atletas?
Tem de ser um trabalho conjunto, com todos os clubes de voleibol a juntarem-se à Associação de Voleibol de São Miguel. Na minha opinião, enquanto os clubes apenas se preocuparem com a sua casa, a tendência será para o voleibol masculino decair. Só quando todos se juntarem e perceberem como melhorar, é que o voleibol poderá tomar outro rumo. Porque nós podemos fazer o trabalho de uma maneira e o outro clube estar a fazer de outra. Só assim é que poderemos ter mais atletas, trabalhando em conjunto.
Se houvesse mais apoios, não se veriam muitos clubes a fechar?
Seria uma ajuda muito importante. Os apoios governamentais são poucos e são muito formatados para a generalidade. Por exemplo, já acontecer termos uma equipa de iniciados e não ter apoio para esta equipa, porque não tínhamos 12 jogadores inscritos. Para a Associação tínhamos equipa para competir, mas para o Governo não. A forma como é aplicada estes apoios também é importante, uma vez que condiciona tudo depois. Temos custos com as inscrições e treinadores e senão houver este cuidado por parte do Governo em estar atento a estas situações, muitos clubes depois acabam por desistir porque o dinheiro não chega. É pouco e às vezes é mal empregue pelos clubes.
Sendo um atleta da casa que vai treinar os seniores, que diferenças encontra de quando era jogador?
Fui atleta desde os minis e por isso chegar, agora, a treinador dos seniores é um privilégio ainda para mais num clube histórico como os Antigos Alunos. Há muitas diferenças.
Antes de ir estudar para o continente nunca cheguei a jogar nos seniores, mas acima de tudo, quando regressei o que via era que existia pouca empatia da equipe sénior com a formação. Parecia, quase, que era uma equipa à parte do clube. O que estamos a tentar fazer é tentar juntar e fazer ver que os seniores fazem parte desde clube. Os nossos jovens da formação têm de olhar para a equipe sénior como algo a atingir. Esta é a grande diferença que estamos a tentar esbater. Também vamos promover actividades dentro do clube que levarão os seniores a estar mais em contacto com os nossos escalões de formação.
Também faz parte da direcção em conjunto com o seu irmão. Quais eram as expectativas de quando assumiram a direcção do clube?
Quando assumimos a direcção tínhamos uma ideia muito concreta sobre o que queríamos fazer. A verdade é que quando assumimos, vimos que teríamos primeiro de organizar o clube e quais são as suas dinâmicas. Depois então sim, começar a implementar as nossas ideias. Só passados quatro anos é que estamos prontos para começar a implementar as nossas ideias. Sentimos muita dificuldade porque a direcção anterior esteve durante muito tempo à frente dos destinos do clube e depois o facto de sermos jovens também cria algum entrave.
Quando o meu irmão, André Melo, veio falar comigo para assumirmos era, e é, como projecto. O nosso projecto não é só desportivo, também queremos formar homens. Por isso temos feito muitas actividades, como o voleibol sentado para alertar para os jovens com algum tipo de limitação. Também participamos nas actividades que o Serviço de Desporto de São Miguel costuma promover. Para nós é muito importante e faz parte do nosso projecto. Não pode ser só voleibol. Os nossos jovens têm de abrir os seus horizontes. Foi difícil fazer isto no princípio, mas felizmente que agora já estão a ultrapassar os percalços iniciais.
A falta de desporto escolar veio contribuir para a falta de atletas na formação?
Contribuiu em muito e nós sentimos isso. Às vezes era no desporto escolar que apareciam muitos atletas. Hoje em dia isto é muito difícil. Temos muitos atletas que, quando começaram, nunca tinham praticado desporto e afirmam que não há desporto nas suas escolas. Isto é um grande entrave porque depois quando chegam, sem bases nenhumas e nota-se a diferença. Isto faz com que os clubes tenham um pouco mais de trabalho.
Se tivesse que comprar a realidade do continente com a dos Açores quais seriam as principais diferenças?
A grande diferença, para mim, é a mentalidade. Cá ainda temos uma mentalidade muito fechada. No continente o importante não é só o ganhar, mas também a evolução do atleta independentemente do resultado. Cá metemos sempre o resultado acima do processo enquanto no continente acontece o contrário. E é isto que estamos a tentar fazer nos Antigos Alunos, o processo nunca pode passar por cima dos resultados. O processo está sempre em primeiro lugar. Por exemplo, somos contra a especialização precoce de um atleta, seja em que posição for. Queremos ter jogadores que possam fazer várias posições para poderem ajudar de várias maneiras a equipa. Os juniores que vão jogar este ano na equipa sénior já têm esta polivalência o que para mim é fantástico.
Cá o resultado é importante porque senão o fizermos a competição acaba muito cedo enquanto no continente, mesmo não vencendo, existe sempre competição para estes clubes o que também facilita aos clubes meterem o processo à frente dos resultados.
O que falta ao jogador açoriano para singrar no voleibol?
Primeiro, vem a mentalidade. Depois vem a competitividade, o atleta açoriano faz muito poucos jogos comparando com o atleta do continente. E a evolução acontece com a competição. Normalmente há sempre uma equipa muito superior às outras que só tem real competição nos nacionais. Claro que cabe também aos clubes colmatar esta falta de competição, através de diversas iniciativas. Tecnicamente o jogador açoriano não é em nada inferior ao do continente, mas falta sair da zona de conforto para melhorar a parte da competição.
Tem algo mais a acrescentar?
Apenas gostaria de deixar uma mensagem que é muito do clube. Os Antigos Alunos estão vivos e vão ter todos os escalões. Somos o clube que aposta verdadeiramente no atleta açoriano e se houver alguém que queira experimentar, temos pessoas competentes que os vão ajudar. Gostaria também de deixar um apelo para que fossem ao pavilhão apoiar a equipa sénior apoiar pelos jogadores da nossa terra.
Frederico Figueiredo