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“Ainda há muita falta de abertura para falar de sexualidade nos Açores”, afirma Joana Moreira,da Associação para o Planeamento da Família

Correio dos Açores – Qual é a importância do Dia Mundial da Saúde Sexual?
Joana Moreira (Associação para o Planeamento da Família e Saúde Sexual e Reprodutiva) – O Dia Mundial da Saúde Sexual é uma data que marca a necessidade de consciencializar e marcar a importância da sexualidade, enquanto um aspecto central do ser humano. Atravessa igualmente toda a vida de um indivíduo, além de aceitar e de ser aceite por outras dimensões do indivíduo como a saúde física, mental, social, cultural e até mesmo espiritual.
Portanto, este dia vem visibilizar a sexualidade e reforça a necessidade de um investimento nesta área, quer na educação sexual, quer no investimento na investigação. Também há a garantia o acesso à saúde no que a sexualidade diz respeito a todas as pessoas, e na reprodução do estigma, pois esta área continua a ser em muitos aspectos estigmatizada, mesmo com os vários avanços.

Qual é o papel da Associação para o Planeamento da Família na Saúde Sexual?
O papel da Associação para o Planeamento da Família (APF) está relacionado com a educação sexual, com foco sobretudo na população jovem, embora, como já afirmei, a sexualidade está presente ao longo de todo o ciclo vital.
A APF, como uma associação que existe há mais de 20 anos nos Açores, tem vindo ao longo do tempo a adaptar e reinventar os seus projectos e a sua intervenção àquilo que são as alterações históricas, sociais e políticas.
Temos o foco em educação sexual em vários contextos, especificamente nas escolas, e em outras estruturas da comunidade, como em centros de acolhimento de jovens e em ATL’s.
Tenho de chamar a atenção à necessidade de muitas vezes associar a educação sexual ao contexto escolar. E claro que faz sentido, visto que em termos legais há a obrigatoriedade da educação sexual é pensada para os contextos da escola. No entanto, é importante reflectir e começar a abrir espaço para pensar na sexualidade noutros contextos, como nos contextos de trabalho e empresarial. De facto, a sexualidade está presente em todas as esferas das nossas vidas, faz parte da identidade modal do ser humano e da saúde global.
Neste sentido, o (A)MAR – Açores pela Diversidade, que é um dos projectos que nós temos, tem, por exemplo, sessões de sensibilização que são feitas e dão conhecimento além de aquilo que é dado nas escolas. Este projecto tem abrangido outros contextos, e seria importante que outras dimensões da sexualidade, nomeadamente o assédio laboral, a desigualdade de género e a própria saúde sexual dos trabalhadores chegar aos contextos de trabalhos.

Refere que a Associação para o Planeamento da Família tem um grande foco na população jovem. Qual é a importância da educação sexual nas escolas? Que temas deveriam ser abordados?
Existe um referencial de educação para a saúde que prevê os temas a serem abordados na escola, entre os quais aqueles que são mais intuitivos para as pessoas, porque muitas vezes temos uma abordagem à sexualidade voltada para a prevenção da doença sexualmente transmissível (DST), o uso do contraceptivo, a prevenção da gravidez e de comportamentos de risco.
No entanto, actualmente a abordagem à educação sexual beneficia de uma abordagem positiva voltada para o erotismo, o prazer, as fantasias, os desejos, os comportamentos, os afectos e as relações saudáveis. Dentro das relações saudáveis, existe a questão da gestão emocional, da identificação das emoções, das questões de identidade relacionada com identidade de género, os papéis de género e igualdade. Portanto, a sexualidade está muito relacionada com os direitos sexuais, reprodutivos e humanos.
Há aspectos que são muito visíveis ou que as pessoas intuitivamente não associam à necessidade da educação sexual para tratar destes assuntos, como a violência associada à sexualidade e à mutilação genital feminina. Além disso, também existe a questão da internet segura, que é um tema que no último ano lectivo foi abordado nas sessões que nós dinamizamos nas escolas do 7.º ano: o tema dos riscos da utilização da internet relacionados com a sexualidade.
Um aspecto igualmente importante é a desatenção na questão da pornografia e também o facto de a pornografia funcionar como primeiro educador sexual, visto que há um acesso cada vez mais facilitado e haver idades mais jovens a visualizar a pornografia.
Preciso realçar a importância das pessoas fazerem escolhas responsáveis e livres com os próprios corpos, por exemplo, em relação ao aborto. Esta dimensão é importante também de abordar e pensar – não tanto na educação sexual – no âmbito do activismo, que as associações também assumem e de contribuírem para o debate público, por exemplo, ao afirmar que um em cada três hospitais não fazem aborto. No caso de São Miguel, durante algum tempo não foi possível aceder a cuidados de saúde nesta matéria.

De que forma a saúde mental está ligada à saúde sexual?
A saúde mental e a saúde sexual estão, de facto, muito interligadas e de forma bidireccional. No sentido em que a saúde sexual reflete muitas vezes as dificuldades vividas ao nível mental, as dificuldades a nível sexual produzem dificuldade no que diz respeito ao bem-estar psicológico. Neste caso, por exemplo, sabe-se que as questões da sexualidade reflectem aspectos da saúde mental, nomeadamente várias disfunções ao nível da sexualidade, de aspectos psicológicos não necessariamente de mal-estar psicológico, por exemplo, o stress e as dificuldades noutras esferas da vida têm interferência na vida sexual. Além disso, as questões ligadas às representações e às crenças sobre a própria performance e sobre a sexualidade também condicionam o prazer que as pessoas podem alcançar. Por outro lado, situações menos agradáveis, como as pessoas que são vítimas de assédio, de abuso, que não podem ter uma expressão da sua sexualidade livre, plena e que não são aceites pela sua orientação ou identidade, têm consequência para a saúde mental das pessoas. Muitas vezes, na avaliação da saúde mental e da saúde física não se foca na sexualidade para perceber outras dimensões do indivíduo.
Acredita que os açorianos têm um estigma sobre a saúde sexual? Por exemplo, há uma falta de conhecimento nos métodos contraceptivos?
Em semelhança ao que acontece a nível nacional, eu acho que nos Açores ainda há uma necessidade tremenda de ser feita educação sexual, inclusivamente os estudos têm apontado que os jovens têm vindo a usar cada vez menos o preservativo. Em relação às sessões que nós vamos, muitas vezes assistimos a desconhecimento, a falta de abertura para discutir algumas questões. Portanto, ainda é bastante necessária a intervenção na área da sexualidade nos Açores.

Que cuidados devem ser tomados para prevenir as doenças sexualmente transmissíveis (DST)?
Essencialmente, a utilização do preservativo enquanto método contraceptivo, sendo o único método que previne DST’s, porque os outros métodos contraceptivos metem como objectivo a prevenção da gravidez.
Além disso, o conhecimento pode ser útil.

E fazer testes?
Sim. Exactamente. Por exemplo, o caso do estigma limita muito as pessoas de fazerem estes testes, porque a procura de cuidados de saúde implica que a pessoa tenha que se expor de alguma maneira. Por isso, a importância de trabalhar, visibilizar este tema e acabarmos com o tabu vai ajudar as pessoas que vão, então, procurar por informação rigorosa.
O tema deste ano proposto para o Dia Mundial da Saúde Sexual são as relações saudáveis. É preciso chamar a atenção que as relações saudáveis não dizem apenas respeito só sobre o consentimento nas relações e na prevenção dos maus tratos – apesar de ser igualmente extremamente importante falar -, mas há os aspectos relacionados que são importantes referir como a abertura das pessoas. Por exemplo, uma das formas mais importantes para prevenir as DST’s é as pessoas falarem de forma aberta e honesta sobre o seu status infeccioso no contexto das relações para prevenir esse contagioso e contacto, e comunicar com o/a seu/sua parceiro/parceira.

Pretende acrescentar alguma informação no âmbito da entrevista?
A Associação de Planeamento da Família também está na ilha da Terceira. Além disso, a APF tem a função de educação sexual em vários contextos, mas também recebemos as pessoas aqui, ou seja, podem vir tirar as suas dúvidas e também disponibilizamos preservativos. Em relação às DST’s, também podemos agilizar os contactos com os serviços de saúde.

 Filipe Torres
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