Na 74.ª Assembleia Geral da ONU, em 2019, o dia 28 de Setembro foi proclamado como o Dia Internacional do Acesso Universal à Informação, sublinhando a importância deste direito para o exercício de uma cidadania plena e informada. Nesta entrevista, conversamos com a professora de informática Dora Pereira para discutir a relevância deste dia no contexto actual da digitalização. Através de temas como cibersegurança e fake news, a embaixadora do projecto eTwinning nos Açores fala-nos da importância da literacia digital no combate à desinformação e na promoção de um uso seguro das tecnologias.
Correio dos Açores – O Dia Internacional para o Acesso Universal à Informação procura sensibilizar para a importância do acesso à informação como um direito fundamental. No contexto da crescente digitalização nas escolas, como avalia a relevância deste dia, em especial na promoção da literacia digital e na inclusão de cidadãos na esfera pública e na sociedade civil?
Dora Pereira (professora de informática/ Embaixadora eTwinning e da iniciativa Laboratórios de Aprendizagem para a Região Autónoma dos Açores) – O Dia Internacional para o Acesso Universal à Informação é crucial, principalmente porque vivemos num mundo cada vez mais digital. Este dia realça a importância do acesso à informação como um direito fundamental, promovendo a literacia digital. Ao tentarmos garantir que todos os cidadãos tenham acesso à informação, contribuímos para a construção de uma sociedade mais inclusiva, participativa e com poder de decisão mais consciente. O tema da Conferência Global de 2024 (‘Integração do Acesso à Informação e à Participação no Sector Público’) é extremamente relevante, pois enfatiza a integração da informação com a participação no sector público, essencial para uma cidadania activa e informada.
De que forma é que a educação digital pode potenciar o acesso à informação e melhorar a inclusão digital entre estudantes e professores nos Açores? Há alguma iniciativa local que queira destacar?
A educação digital é uma ferramenta muito poderosa para melhorar o acesso à informação e a inclusão digital. Iniciativas que fomentam o uso de plataformas digitais na sala de aula e a implementação de projectos colaborativos, como o eTwinning, têm mostrado resultados positivos, pois ajudam a apetrechar alunos e professores com as competências necessárias para pesquisar e utilizar a informação de forma eficaz.
Tanto a nível nacional, como nos Açores, tem sido feito um enorme trabalho com o objectivo de capacitar e motivar os docentes a desenvolverem e melhorarem as suas competências digitais, permitindo-lhes recorrer, com confiança, às tecnologias digitais, e colocá-las ao serviço de uma educação e formação de qualidade.
Desde 2017 que, no âmbito das minhas funções enquanto embaixadora do projeto eTwinning e da iniciativa Laboratórios de Aprendizagem (ERTE/DGE) para os Açores, tenho proporcionado formação na área do digital para todos os professores do ensino básico e secundário com vista a contribuir para o desenvolvimento profissional e para a integração transversal das tecnologias nas diferentes áreas curriculares do ensino, numa busca contínua da melhoria da qualidade das aprendizagens, da inovação e do desenvolvimento do sistema educativo.
Existem dados concretos sobre os níveis de literacia digital nos Açores?
A literacia digital é um desafio em crescimento devido à evolução constante das tecnologias. Embora seja visível um progresso significativo, especialmente com o uso de tecnologias nas escolas, a formação contínua para professores e alunos é essencial para elevar esses níveis de proficiência.
O projeto eTwinning, promovido pela Comissão Europeia, visa incentivar a colaboração entre escolas europeias através de ferramentas digitais. Pode nos falar um pouco sobre este projecto?
O eTwinning é uma janela para a Europa… tendo nascido em 2005 é a maior comunidade de escolas europeias com a qual é possível desenvolver projectos colaborativos envolvendo alunos de todos os níveis de ensino de 46 países. Os projectos desenvolvem-se online a partir de uma plataforma específica a ESEP (European School Education Platform) e neles podemos abordar todos os conteúdos que sejam do interesse dos alunos e dos professores, preferencialmente integrados no currículo. Por serem projectos desenvolvidos online, incentivam a colaboração entre escolas através da utilização de ferramentas digitais, permitindo que os alunos trabalhem em projectos conjuntos, desenvolvendo não só competências digitais, mas também, habilidades interpessoais e culturais. O eTwinning promove a troca de ideias e experiências e prepara os alunos para um futuro cada vez mais globalizado.
O trabalho de disseminação e de divulgação do eTwinning em Portugal tem vindo a ser realizado a nível central, sendo apoiado pela ação dos embaixadores eTwinning que, a nível regional, dão a conhecer o eTwinning, procurando envolver e apoiar outros professores na implementação e desenvolvimento de projectos de parceria eTwinning. Com o objectivo de contribuir para o aumento da qualidade dos projectos, os embaixadores eTwinning, dão apoio directo aos eTwinners e realizam várias actividades entre as quais acções de divulgação/sensibilização e acções de formação. Consequentemente, temos todos os anos, centenas de projectos reconhecidos com selos e prémios nacionais de qualidade. Este ano, em particular, tivemos inclusive, projectos reconhecidos a nível europeu, entre os quais realço o trabalho desenvolvido pela colega Susana Martins da EBI Francisco Ferreira Drummond (Terceira), com o projecto Little citizens, na categoria dos 0−6 anos, que se encontra, neste momento, a participar na Conferência Anual eTwinning (evento internacional).
Qual tem sido o impacto do eTwinning nas escolas dos Açores?
No caso particular dos Açores, além do apoio directo aos nossos eTwinners, nomeadamente no esclarecimento de dúvidas, temos vindo a realizar também, acções de formação creditadas que relevam para a progressão na carreira dos docentes em exercício de funções na Região Autónoma dos Açores. Em 2023 tivemos o eTwinning Road Açores, no formato B-Leaning, com a sessão presencial na Escola Secundária Antero de Quental, em São Miguel, e no próximo mês de Novembro, será a vez da Terceira acolher, na Escola Básica e Integrada da Praia da Vitória, a sessão presencial do novo eTwinning Road Açores. Aproveito para reforçar que as escolas, em particular da RAA, só têm a beneficiar com a implementação/desenvolvimento de projetos eTwinning, pois, além de conseguirmos uma maior motivação por parte dos alunos para a realização das tarefas, abrimos as portas das nossas salas de aula além-fronteiras.
O eTwinning envolve também a formação inicial de professores (ITE) como uma estratégia para expandir o seu alcance e envolver futuros professores. Neste sentido, estamos a preparar também uma sessão de divulgação dirigida a professores estagiários para que estes possam, desde logo, beneficiar das mais valias do eTwinning nomeadamente desenvolver competências em TIC e linguísticas; experienciar vivências europeias, internacionais e interculturais; desenvolver competências profissionais (gestão de projectos, definição de metas, planeamento, trabalho em equipa) e ainda proporcionar a reflexão sobre práticas profissionais e intercâmbios com professores de outros sistemas educacionais.
O aumento da utilização de tecnologias nas escolas trouxe preocupações crescentes com a segurança dos dados dos alunos. Que medidas específicas têm sido implementadas pelas escolas dos Açores para garantir a privacidade e segurança digital dos alunos?
A segurança dos dados dos alunos é uma prioridade nas escolas dos Açores. Muitas instituições reforçaram as questões de protecção de dados nos seus regulamentos internos e têm implementado políticas cada vez mais rigorosas de protecção desses dados. Tem sido feito um maior investimento na formação de professores em cibersegurança e no uso de plataformas seguras que facilitam a comunicação entre professores e alunos.
Que competências considera essenciais que os estudantes adquiram para garantir uma utilização segura e eficaz das tecnologias e da informação digital?
Para garantir uma utilização segura e eficaz das tecnologias, considero essenciais competências como pensamento crítico, literacia mediática, habilidades de pesquisa e uma compreensão sólida dos direitos e responsabilidades digitais. Essas competências ajudam os alunos a navegar no mundo digital de forma segura e responsável.
Como é que os docentes lidam com a questão da desinformação e das fake news, e que ferramentas incutem aos alunos para que possam identificar esse fenómeno?
A questão da desinformação e das fake news tem de ser encarada com uma abordagem educativa. Enquanto professora de informática, trabalho em sala de aula para ensinar aos meus alunos a identificar fontes confiáveis, avaliar a informação e desenvolver um pensamento crítico. Utilizamos ferramentas de verificação de factos e plataformas de análise de conteúdo para discernir a verdade. Desta forma, instigo os alunos a serem consumidores críticos de informação, equipando-os com as ferramentas necessárias para navegar de forma segura no mundo digital.
Na sua opinião, as escolas portuguesas, em particular as dos Açores, estão preparadas para integrar práticas eficazes de cibersegurança?
Em geral, nas escolas portuguesas, incluindo as dos Açores, estamos a dar passos significativos em direcção à cibersegurança. Têm sido várias escolas a concorrer e a conseguir o reconhecimento com o Selo de Segurança Digital (eSafety Label) que consiste numa iniciativa europeia dirigida a todas as escolas e que visa promover e certificar práticas e políticas de segurança digital. No entanto, a formação contínua para professores e a actualização das infra-estruturas tecnológicas são fundamentais para garantir que estamos preparados para enfrentar os desafios de um ambiente digital em constante evolução.
Por fim, gostaria de enfatizar a importância de continuarmos a promover a literacia digital e o acesso à informação, pois só assim poderemos construir uma sociedade mais informada, inclusiva e segura. Neste sentido, deixo ainda um apelo, zelando pela saúde e bem-estar de todos, para que a utilização das novas tecnologias seja feita de forma responsável e equilibrada pois também há vida offline!
Daniela Canha