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Os 114 anos do Club Sport Marítimo: Uma caminhada memorável repleta de tantas glórias

Afinal o garoto que queria ser jogador era eu

Corríamos pelas tardes, quando saíamos das escolas, gritávamos de entusiasmo sempre com uma bola de trapos nos pés. Nenhum dos garotos tinha dinheiro para comprar uma bola de “catchu”. Com o campo enlameirado realizávamos os nossos desafios: caíamos, sujávamo-nos, cada pontapé que dávamos na bola de trapos, respingava lama para as nossas caras, já enegrecidas pelo Sol que apanhávamos durante o verão.
Todos queriam ser jogadores do ”melhor clube do mundo”: O Marítimo.
Havia um rapaz magro, com pele morena que tribulava a bola como ninguém. Um ídolo: o Chino. Num canto do campo, com a voz fanhosa e um rajão nas mãos, José Tintilhão, repetindo 20, e mais vezes a quadra:

Rua de Santa Maria
de bandeira a meio pau
o Marítimo vai p’ra sala
o União p’ra calhau.

Depois: – Viva ao Marítimo, és campeão! Viva ao Marítimo do meu coração!
A Mariazinha a “Surda”, irritada gritava: “Cala a boca Tintilhão! Cala-te Tintilhão”. Mas o Tintilhão, indiferente aos gritos continuava…
Rua de Santa Maria

Os garotos do Almirante Reis, cresceram, fizeram-se homens: uns foram jogadores, outros para professores, doutores, empresários e artistas, porém continuaram ligados para sempre ao seu grande Clube: O Club Sport Marítimo que, este ano, celebra 114 anos da sua fundação.
Éramos 15 garotos que diariamente nos reuníamos no velho Campo de Almirante Reis, para jogar à bola “uma bola feita de trapos”, bem arrumados enfiados numa meia de homem, dando-lhe forma arredondada. O nosso sonho era ter um “catchu”, mas não tínhamos dinheiro para comprá-lo. Todos queríamos ser jogadores do Marítimo. Ocupávamos uma pequena parte do campo, porque a outra destinava-se aos treinos dos jogadores e dos infantis. Alexandre Rodrigues, esse grande maritimista, que durante tantos anos treinou o Marítimo, sem nada receber em troca, porque amava, como se fosse família, o Clube. Dos seus ensinamentos saíram grandes Jogadores, que prestigiaram o desporto madeirense e nacional.
O nome de Alexandre Rodrigues estará sempre associado à história do Marítimo pelo seu entusiasmo, pelo trabalho feito com tanto amor ao Clube; porque de tantas crianças fez grandes jogadores e Homens.
Na minha casa éramos todos maritimistas. O meu pai, Manuel Gomes Abreu, pertencia ao grupo dos ferrenhos, dos que eram capazes de tudo fazer pelo clube: Jaime Elói Luís, Amaro Ferreira, Adelino Rodrigues, Jorge de Freitas, João José Pita da Silva, Henrique Vieira da Luz, Samuel Quintal, Padre Telésforo e outros, mas os nomes referidos eram aqueles com quem estávamos mais familiarizados. Éramos crianças e estes nomes eram tantas vezes mencionados, nas reuniões do meu pai com os amigos, sempre a propósito do Marítimo. Para nós, que vivíamos na rua de Santa Maria, era o melhor clube do mundo. Ele fazia parte dos nossos quotidianos. Todas as tardes ouvíamos a voz rouca e os gritos do Sr. Alexandre, orientando, com tanto entusiasmo, os jogadores nas suas jogadas.
Era um tempo em que não se vendiam, nem se compravam jogadores. O desporto não era um negócio, quando passou a sê-lo morreu o amor que envolvia todos os atos. Não havia alimentações especiais, nem as regalias que hoje usufruem os jogadores. O amor à camisola levava-os à luta incessante pelas vitórias. Mas não era só no futebol que o Marítimo se evidenciava, nas outras atividades: na Natação, no Water-polo, no Voleibol, mais tarde no Hóquei em Patins. Em todas elas tinha excelentes elementos que se distinguiam dos outros atletas.
Na zona velha eram raras as famílias que não pertenciam ao Marítimo, com um espírito de solidariedade raro em torno do “nosso querido clube”. Esse espírito que ainda hoje, felizmente, persiste: um dar as mãos nos momentos menos bons.
Um ano o Marítimo propôs-se a vencer o Campeonato de Natação. O grande rival era o Clube Desportivo Nacional que dispunha de uma equipa fantástica, tendo como referência José da Silva – o Saca. O Marítimo tinha o Vaso e o Lobélio, dois nadadores excelentes.
O meu pai chegou a casa, não nos obrigou, mas sugeriu que os meus irmãos e eu fôssemos para o Lido aos treinos de natação, pois o Marítimo estava apostado em vencer o Nacional. Lá fomos treinar!
A minha irmã e o meu irmão nadavam bruços e eu mariposa que exigiam um grande esforço, à mistura com o nervosismo natural e um forte espírito de competição. Estava em jogo vencermos, o nosso adversário. Para avaliarem da grande loucura, simpatia e afeto pelo clube, quando fomos a inspeção médica, conto-vos o episódio que aconteceu com o dr. Samuel Quintal, um médico competente de doenças pulmonares e um ferrenhíssimo adepto do Clube, a quem dois meses antes o meu pai me tinha levado para uma consulta. Este inclusivamente, sugeriu que temporariamente suspendesse as aulas de educação física, porque descobri, uma pequena mancha no pulmão esquerdo. Quando me examinou, mandou-me respirar com força, olhou-me nos olhos, fingiu que nunca me tinha visto, e disse: “O teu mal é batatas! Estás ótimo. Vai já para os treinos. Não te esqueças: temos de vencer o Nacional!”.
Felizmente vencemos, com os três pontos dados por uma nossa amiga que foi a última nadadora a chegar à meta. Mas foi graças a ela que saímos vitoriosos.
Quando ela saiu da piscina e atravessou o solário, os nacionalistas bastante irritados gritaram:
“Tem vergonha Batelão!”. A verdade é que foi precisamente a Batelão que “lixou as intenções do Nacional” ….
Há uma figura preponderante na história do Marítimo, Adelino Rodrigues, irmão de Alexandre Rodrigues, de uma inteligência brilhante, católico praticante que exercia junto dos jogadores e das suas famílias uma missão de verdadeiro apostolado. Ele ajudava a criar um profundo espírito de família entre os jogadores, as suas mulheres e filhos. Todos o respeitavam. Quando se apercebia que os jogadores iam pisar o risco lá estava ele para impedir e quando pressentia que ia desencadear-se uma discussão entre o atleta e a mulher, aparecia para uni-los. Adelino Rodrigues foi um grande exemplo que amou e serviu o Marítimo, como poucos. Um madeirense culto que dedicou grande parte da vida ao Clube.
A determinada altura surgiu a iniciativa do Marítimo fazer uma revista, logo apareceram tantos colaboradores para que se concretizasse o espetáculo: Teodoro Silva, poeta, Irmãos Freitas “Os Carapaus”. Músicos e exímios, Lurdes Travassos Lopes e tantos outros: Artistas, Encenadores, Coreógrafos e Figurinistas. Assim nasceu a grande revista: “Rosário de Cantigas”, um verdadeiro sucesso, pela justeza dos textos, pelas excelentes interpretações e pela beleza e cor dos trajes.
O Marítimo goza de uma grande simpatia no seio das Comunidades madeirenses no estrangeiro que seguem, a par e passo, todas as suas atividades, vivendo-as intensamente.
Um dia em Melbourne, na Austrália, perguntei a um emigrante se tinha saudades da Madeira, ele respondeu-me: “tenho saudades do Marítimo!”.
Nestes 114 anos de existência o Marítimo contou, neste longuíssimo percurso, com 32 Presidentes, todos eles procuram, não só granjear a simpatia dos adeptos, mas de todos os madeirenses, em geral. Ao Clube, estão ligadas figuras de prestígio que ocuparam cargos nas diferentes atividades madeirenses: médicos, engenheiros, oficiais, etc…
Todos deram o seu contributo para que o Clube crescesse sempre e mais. Nestes 114 anos esta Instituição, que habita no coração de milhares de madeirenses viveu grandes momentos de glória. A tournée a África, por exemplo, registou um sucesso invulgar, que encheu de orgulho grande parte da população, que ao seu regresso recebeu triunfalmente os jogadores.
Uma verdadeira loucura, participada por milhares de pessoas. Com vivas aos jogadores, com pétalas de flores, jogadas das janelas, na rua de Santa Maria.
É certo que o Marítimo vive uma época menos boa, porém estou certo de que, em breve, ressuscitará, porque jogadores e adeptos, não perderam aquela força endémica, porque essa jamais morrerá. É preciso, a meu ver, limpar um certo espírito de intriga, que nos últimos anos, prejudicou o ambiente estabilizador e roubou o entusiasmo, a alguns jogadores e alguns adeptos.
Dirigir, é uma arte, independentemente de ter colaboradores à altura e leais, requer isenção e imparcialidade. Sobretudo, é necessário ter um espírito aberto, recetivo as críticas inteligentes, para que se melhorem as situações e se desfaçam os mal entendidos.
Dirigir pessoas pede cuidados especiais, é não se deixar influenciar por indivíduos, mal formados, que fazem da bilhardice um percurso de vida. Conheço um caso passado, não há muito tempo, em que um antigo atleta apresentou um projeto para determinada atividade e um dos Presidentes aceitou-o, dizendo que era excelente. Depois deixou-se devorar pela intriga e aí demonstrou fraqueza, o que nunca pode acontecer. E o projeto, bem estruturado, infelizmente não se realizou.
É esta fraqueza que não podem ter, os atuais dirigentes e muito menos deixar-se enredar pelas intrigas. A missão, que lhes foi incumbida, não é fácil, mas a derrota dos propósitos terá que ser sempre vencida pela vitória; pela força, pela honestidade e pelo amor ao Clube.
Porque o Marítimo estando em que divisão estiver deverá ser sempre visto como uma grande Instituição desportiva. Será sempre o nosso Clube, e por isso, precisa de ter, sempre, dirigentes à altura.

João Carlos Abreu

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