Quando o espírito de servir está inacessível
Governar uma região ou um país é assim tão complicado ao ponto de decisões tão óbvias e fáceis serem de resposta tão morosa e difícil? Do ponto de vista do cidadão comum, não. Porque tudo deveria ser descomplicado se houvesse verdadeiro empenho pelo interesse comum, independentemente de políticas de esquerda ou de direita, porque há efetivamente respostas da ação política que são fundamentais. O interesse da saúde, da educação, da cultura, do conhecimento acessíveis a todos, das oportunidades iguais para todos, sem distinguir classes, famílias ou amigos, do trabalho bem remunerado, base de uma economia saudável e de todo um país sem problemas de demografia, porque os jovens querem fugir ou porque a consequente falta de solidariedade entre gerações vai arruinar o sistema de segurança social.
Os governantes só se aproximam do povo na hora de pedir votos. Andam sempre com a expressão “acesso para todos” na ponta da língua, mas eles próprios, após as eleições, fecham-se nos gabinetes e tornam-se inacessíveis. Já alguém tentou chegar à fala com um secretário regional? Ou mesmo com um diretor de qualquer serviço? Ou até com um presidente de câmara? É toda uma cultura organizacional! Já não se consegue desmontar sem acabar com a mentalidade que a sustenta.
O espírito de servir ficou igualmente inacessível na hora em que ascenderam ao poder, porque é o poder a sua única motivação.
De resto, não sei como passam o tempo. Vemo-los nas televisões sempre a entrar e a sair de algum lugar, num evento festivo, em reuniões, em sucessivas viagens. Questiono-me frequentemente como será que estes políticos têm tempo para estudar os assuntos, como pensam aprofundadamente pela sua cabeça, e não pelas cabeças dos assessores ( em quem não votámos) sobre as decisões mais importantes que a governação exige.
Nos últimos dias, tenho lido reações diversas sobre a questão do subsídio de mobilidade. Pondo de parte as diferenças, todos concordam no mesmo ponto: o processo de reembolso é um total absurdo. Porém, não parece haver qualquer notícia sobre a sua alteração.
Por que razão os nossos representantes não souberam comunicar à República esta reivindicação? Serão também os ministros inacessíveis? Não houve reuniões de trabalho? Será a comunicação assim tão difícil?
Na escola onde trabalho, há falta recorrente de consumíveis. Será assim tão complicado fazer valer uma posição à tutela quando falta o essencial e, no mesmo dia, enviar o necessário para que tudo funcione sem sobressaltos? Papéis, sabões, marcadores, lâmpadas, colunas de som, simples reparações de material, cuja falta põe em causa o quotidiano de uma escola? Será assim tão complicado gerir a coisa pública sem ceder a intrigas e a questiúnculas de paróquia?
Leio o exemplo da governação próspera da Islândia e concluo sempre o mesmo. Trezentas mil pessoas ( um pouco mais do que o número de habitantes dos Açores) são governadas com lisura de procedimentos, com transparência, numa ética de proximidade e em que a participação de todos os cidadãos é valorizada e cultivada. É uma espécie de grande junta de freguesia, em que a distância entre governantes e governados não existe assim como não existe distância em relação aos problemas do seu dia a dia.
É uma visão demasiado ingénua e pueril? Poderá até ser, mas se calhar o mundo é disto mesmo que precisa: mais gente de visão limpa e de pensamento focado e escorreito.
Paula Cabral