Com um percurso de quase duas décadas, e tendo o grau máximo de treinos em três modalidades, Paulo Costa revela que há poucas condições para a prática de atletismo, especialmente nas estações que se aproximam. Ao ‘Correio dos Açores’, explica em que condições treinam no Inverno, o que se deve fazer para promover a modalidade e afirma que “está na hora de olharem para o atletismo como olham para outras modalidades”.
Correio dos Açores – Como tem sido o seu percurso no atletismo?
Paulo Costa (Presidente do Grupo Juventude Ilha Verde) – Iniciei o meu percurso no atletismo há cerca de 18 anos. Comecei com as escolinhas e depois passei para o desporto de competição. Para além disso, também me dedicava a outros desportos, nomeadamente o ténis e o futebol, mas depois comecei a dedicar-me exclusivamente ao atletismo.
Quando decidi abrir o ‘Clube Juventude Ilha Verde’, em conjunto com os meus colegas, dediquei-me só à parte do atletismo.
O clube tem 12 anos, vamos a caminho do 13º, e tem vindo a crescer de ano para ano, mais do que o que estávamos a prever no inicio. Este crescimento fez com que tivéssemos de arranjar mais treinadores. Desde o inicio que fomos tendo bons resultados quer a nível regional, quer a nível nacional, colocando alguns atletas na selecção nacional, tendo participado em campeonatos da Europa e outros torneios internacionais.
Ao longo deste percurso fui tirando vários cursos de atletismo. Tirei o nível três, grau máximo em Portugal, de especialista em velocidade e barreiras e, passados dois anos, tirei novamente o nível máximo de lançamentos. Tenho o nível máximo nestas três disciplinas do atletismo.
Já treinamos na Ribeira Grande e, nos últimos anos, vim para Ponta Delgada e damos treinos de segunda a sexta-feira e por vezes ao sábado de manhã.
Quantos atletas o Grupo Juventude Ilha Verde tem, actualmente, inscritos?
O nosso clube começou com cerca de 60 atletas federados. Nos últimos anos temos tido mais de 400 atletas federados, tendo acabado o último ano com 430 atletas federados. É o clube com mais atletas federados do país pelo quarto ano consecutivo, estando atrás de nós o Sport Lisboa e Benfica, o Sporting Clube de Portugal e o Juventude Vidigalense.
Os atletas que compõem o clube são todos da Região ou vão buscar atletas fora?
Os nossos atletas são, praticamente todos, oriundos da nossa formação. Se calhar temos uns quatro atletas que são do continente, que estavam a competir individualmente e que tinham bastante qualidade e juntaram-se ao nosso grupo. 99% dos nossos atletas são açorianos e são formados por nós.
O nosso primeiro objectivo sempre foi o da formação e de investir e apoiar a nossa formação. O nosso intuito não é o de ir buscar bons atletas a outros clubes, mas sim formar. Sabemos que há qualidade cá, nos Açores. Basta saber treiná-los e termos atletas dispostos a treinar a sério. E a verdade é que temos vindo a provar isso, que há pessoas muito capazes aqui nos Açores, e que conseguem ir lá fora e disputar os campeonatos com os melhores e, muitas vezes, vencendo campeões nacionais e chegando mesmo a representar a selecção nacional.
Qual é o segredo para os grandes resultados que têm apresentado?
O segredo, penso eu, que é rodearmo-nos de bons treinadores. O Grupo Juventude Ilha Verde tem os treinadores mais graduados, que gostam da modalidade e que se dedicam. Não nos limitamos a dar o número mínimo de treinos que é exigido pela Direcção Regional do Desporto. Temos todos os dias treinos, mais ao sábado. Também treinamos 11 meses por ano, e não oito ou nove como os contratos programas exigem porque, se queremos resultados, temos de trabalhar. E temos de incutir isso aos nossos atletas e mostrar-lhes que, sempre que atingirem um certo patamar, podem disputar campeonatos nacionais e ser tão bons, ou melhores, como os atletas de fora.
Em 12 anos de existência temos 200 medalhas a nível nacional. Os regionais para nós acabam por ser fáceis. Colocamos nos últimos anos atletas nos campeonatos da Europa e a ter bons resultados nesses campeonatos.
Neste momento temos dois atletas no alto rendimento, sete nos jovens talentos e prevemos a entrada de mais um ou dois neste patamar.
O sucesso não é só da nossa parte. Temos de ter atletas motivados e que gostem daquilo que fazem. Quando o treinador quer mais do que o atleta, nunca vai dar certo, por mais qualidade que o atleta possua. O nosso trabalhão também é dar condições aos atletas, passar o tempo máximo juntos para que sintam que o clube é uma segunda família e para lhes dar vontade de ir aos treinos e estar com os amigos.
Os treinadores acabam por fazer aquilo que sabem melhor que é dar-lhes os melhores treinos. Conseguem planear a época da melhor forma e assim os nossos atletas têm o pico de forma na altura dos campeonatos mais importantes.
Como consegue ter vários atletas na formação e motivá-los sempre a continuar na prática desportiva?
Dos 400 atletas que temos, não são todos da formação. Temos cerca de 60 atletas, seniores e veteranos, na equipa de trail, depois temos um centro de marcha e corrida na Ribeira Grande, com cerca de 100 utentes. A nível competitivo temos cerca de 150 atletas e ainda temos as escolinhas, o que exige uma coordenação muito grande e um grande número de treinadores. Temos cerca de 15 treinadores no clube, estando um a tempo inteiro. Exige muito tempo também, tendo em conta que planeamos estágios, depois tentamos que os atletas façam parte da organização dos eventos que organizamos, de modo a sentirem que também é deles.
Tentamos fazer a captação de atletas nos corta-matos escolares, vamos às escolas, ao corta-mato de ilha e até, por vezes, ao regional. Também vamos ao mega-sprint e ao mega-salto. É ai que muitas vezes, para além das escolinhas, que conseguimos fazer a captação. O clube também investe nas redes sociais, o que facilita a captação também, e com flyers para trazer o máximo de atletas para o clube.
Os apoios que recebem são suficientes para cobrir a prática da modalidade?
Os apoios nunca são suficientes, ainda para mais agora que temos atletas na selecção nacional e que estão a ser cobiçados pelo Benfica e pelo Sporting. Estamos com grandes dificuldades em conseguir mantê-los porque já são atletas que recebem. Este ano temos estes clubes que estão atrás deles, a fazer propostas muito elevadas e nós estamos com certas dificuldades em mantê-los no clube.
São dois atletas que poderão estar nos próximos Jogos Olímpicos. Acho que seria muito bom para a Região se, pela primeira vez, tivessem atletas açorianos, em funções num clube açoriano presentes nos próximos Jogos Olímpicos. Um tem cerca de 90% de possibilidades de estar presente, se tudo correr e a outra atleta cerca de 70%.
Depois temos bastantes dificuldades porque quer com estes dois atletas, como os jovens talentos ou outros com quem realizamos estágios para que eles conheçam meios diferentes e isso fica caro. Levar 20 atletas quatro ou cinco dias ao continente para fazer estágios fica muito caro senão tivermos apoios para isso. Depois também temos o nacional de clubes onde é comparticipado uma pequena parte das despesas que temos com este torneio, que é onde estão representados os melhores clubes do país. Temos ido sempre, já fomos várias vezes campeões nacionais da terceira divisão, vice campeões várias vezes e também medalhas de bronze, tudo com jovens da nossa Região. Se quisesse ter uma equipa na primeira divisão bastava contratar quatro ou cinco atletas lá fora, mais os que temos cá e poderíamos chegar à primeira divisão. Mas o nosso objectivo não é esse. O nosso objectivo é pegar na nossa formação e com os nossos atletas, muitas vezes juvenis a competir contra seniores no nacional de clubes, e conseguirmos excelentes resultados.
Temos tentado investir e em melhorar as condições, desde fisioterapia a ginásio no clube, onde foi feito um grande investimento. Isto torna muito difícil conseguirmos gerir o dinheiro ao longo da época. Neste ultimo ano tivemos algumas dificuldades em manter o saldo do clube positivo, mas estamos a trabalhar para que, agora neste próximo ano, consigamos ter mais apoios para poder desenvolver a nossa actividade normalmente sem grandes apertos financeiros.
Também gostaríamos de ter mais espaços para treinar. Só temos a pista das Laranjeiras. Se chove não temos um espaço coberto onde caibam todos os atletas. Temos um pequeno ginásio com umas máquinas mas não cabe toda a gente.
Era do nosso interesse que fosse ampliada essa instalação, de modo a podermos ter melhores condições. Acho que, neste momento, como já temos uma grande quantidade de atletas com nível muito alto, a bater recordes nacionais, no top 10 do Campeonato da Europa e que possivelmente poderão estar nos próximos Jogos Olímpicos, era o momento certo para haver um investimento sério no atletismo. Esses atletas já merecem e tal como outras modalidades quando têm bons resultados, há investimento dando-lhes melhores condições de treino, o que pedimos é exactamente a mesma coisa: que olhem para o atletismo e que vejam que já está mais do que na hora de fazer algo digno dos nossos resultados. Não são resultados de um ou dois anos, apresentamos resultados há pelo menos 12 anos. Temos mais de 200 medalhas nacionais, parece fácil mas não é.
Em que condições treinam no Inverno?
Por vezes temos de adaptar o treino. Temos os treinos planeados, mas se chegarmos ao treino e estiver a chover temos de adaptar e ir para o ginásio. Estamos num espaço pequeno com 30 atletas ou mais, tentar fazer um trabalho minimamente digno. Não é fácil e para a qualidade dos atletas que temos, acho que merecem mais. Num patamar onde estão a treinar a sério, com um acompanhamento sério, onde já não é a brincar, e torna-se muitas vezes difícil. A nossa batalha é tentar que olhem para nós e que vejam que nós merecemos melhorar condições de treino. Já estamos a pedir há vários anos, não é de agora, melhorias de condições de treino.
Para ter uma ideia, os nossos atletas na Ribeira Grande, fazem musculação numa pequena arrecadação debaixo das escadas, em que cabem quatro ou cinco atletas lá dentro e ainda chove lá dentro. Não têm as mínimas condições. A iluminação por vezes é fraca. Quando avariam um ou dois holofotes, demoram muito tempo a ser substituídos. Temos de treinar quase às escuras. E mesmo aqui nas Laranjeiras, queremos fazer treinos aqui com martelo ou disco e não é permitido porque estragamos a relva e depois o Santa Clara quer vir treinar e a relva está estragada ou andam a fazer manutenção de relva. Às vezes nem podemos atravessar por cima da relva, e quando os atletas estão a fazer séries, têm de dar a volta completa à pista e isso estraga-nos o treino. É o que há e temos que nos sujeitar. Sei que não é fácil de mudar, mas acho que somos merecedores disso.
Como se poderia promover mais o atletismo nos Açores?
Para promover mais o atletismo nos Açores, seria a construção de uma pista coberta, ou tipo uma nave, onde no exterior haveria, tal como existe no continente em Santo António, local para onde vamos fazer estágios, uma pista com ginásios, fisioterapia e tudo. Vemos selecções de vários países a treinar lá. Entramos na pista e estão 300 atletas a treinar. Vão atletas que foram campeões do mundo, que estiveram nos Jogos Olímpicos todos a treinar lá, e a pagar.
Os Açores são um sítio de excelência para isso. Temos humidade, que é boa. Há certas provas que são feitas em países tropicais e as selecções têm de se adaptar para isso. E seria mais um ponto turístico para virem cá visitar.
Outra das coisas era conseguirmos efectuar cá um meeting ou dois, em que convidássemos alguns atletas estrangeiros, onde so prémio em dinheiro para o vencedor fosse bom. De certeza que os melhores atletas viriam para tentar ganhar o prémio. Isto é uma das coisas que se poderia fazer para divulgar mais o atletismo açoriano a nível nacional e internacional.
Tirando a construção da nave ou da pista coberta, os custos não seriam assim tantos. E para os resultados que estamos a apresentar, seria mais do que merecido.
Existe uma grande entreajuda entre todos os clubes que praticam atletismo, que não se vê nas outras modalidades.
Em sua opinião a que se deve essa entreajuda?
Penso que é por ser um desporto individual. Há muita cooperação entre todos os clubes de atletismo, damo-nos todos muito bem. Trocamos ideias entre clubes e mesmo em prova os atletas ajudam-se uns aos outros.
Como costumo dizer aos meus atletas, os vossos adversários não são os outros atletas, são as vossas marcas. Para serem melhores têm de bater as vossas marcas. E, independentemente de ajudarem outro colega, ou não, ele terá que melhorar a própria marca– dele. Não é por um colega fazer pior marca do que outro, que o que fez melhor vai ser bom ou irá ter resultados para ir a um campeonato nacional.
No atletismo, para se ir a um campeonato nacional é preciso ter resultados. E se não obter não vai, independentemente de ser o melhor da ilha. A entreajuda entre todos é boa porque eu posso fazer mínimos para ir ao campeonato de Portugal e todos os que fizeram cá também irão. Não irá ser seleccionado um ou dois, todos os que fizerem os mínimos poderão ir. Os atletas no atletismo ajudam-se porque sabem que o sucesso deles não depende do azar dos outros ou da falta de qualidade dos outros. Tudo depende do seu trabalho.
Frederico Figueiredo