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“Bem sabemos que poderá haver idosos na nossa comunidade que não estão a ter os cuidados e os apoios que merecem”, afirma Bento Barcelos da URMA

O Dia Internacional do Idoso foi instituído em 1991 pela ONU com o objectivo de sensibilizar a sociedade para as questões do envelhecimento e da necessidade de proteger e cuidar a população mais idosa. Para assinalar este dia, falamos com António Bento Barcelos da União Regional das Misericórdias dos Açores, que nos fala dos cuidados prestados aos idosos nos Açores nos últimos anos, uma evolução que considera positiva, mas sem deixar de reforçar que dar resposta às necessidades da população sénior exige um “trabalho contínuo” pois, como afirma, “podem existir casos de pessoas que não foram identificadas, casos em que as suas necessidades não reconhecidas e urge ir ao encontro das mesmas.”

Correio dos Açores – Qual a importância de celebrar o Dia internacional do Idoso?
António Bento Barcelos (Presidente da Mesa Coordenadora da União Regional das Misericórdias dos Açores – URMA) – Este dia tem todo o significado. A iniciativa partiu da Assembleia Geral das Nações Unidas em Dezembro de 1991 para alertar todos os Estados-membros da ONU para a realidade do envelhecimento da população e para criar as condições para que haja um envelhecimento com dignidade para todos os seniores de todos os países do mundo. E, portanto, se assinalar este dia já fazia sentido em 1990, em que a realidade do envelhecimento da população já era bastante evidente – principalmente na Europa, mas também na América do Norte, Estados Unidos e Canadá, mais se tornou e se torna evidente esta necessidade – em 2024 faz ainda mais sentido. Isto porque essa realidade do envelhecimento da população aumentou consideravelmente e com uma maior incidência na Europa, onde a comunidade sénior tem vindo a ser cada vez mais.
Este fenómeno é fruto de o aumento da esperança de vida que serve as melhores condições habitacionais, de alimentação, de saúde e de bem-estar para as pessoas de idade mais avançada, mas este sucesso não deve estagnar. E continua a ser pertinente que todos os estados Membros da ONU tenham a preocupação de criar politicas que garantam as melhores condições para que os seniores sejam cada vez mais acarinhados, apoiados e tenham uma vida mais activa, digna e integrada; quebrando todos os mecanismo que possam levar o seu isolamento e à sua solidão, mas que, pelo contrário, façam cada vez mais parte da vida familiar, social, comunitária. E também na vida típica de cada um dos nossos países, principalmente os países da Europa, que têm, de facto, uma preocupação muito especial com estas políticas.

Quais são as principais actividades e iniciativas desenvolvidas pelas Misericórdias dos Açores para celebrar este dia?
Não conheço a iniciativa de cada uma das Misericórdias pois cada uma tem a sua autonomia própria que define as actividades que são possíveis de serem realizadas. Mas, o que devo dizer é que desde há muito – até antes da década de 90 e antes de ter implementado o Dia Internacional do Idoso – que as Misericórdias têm projectos e valências dedicadas fundamentalmente às pessoas idosas.
As Misericórdias sempre tiveram na sua actividade uma vocação especial para recolher as pessoas idosas, as pessoas doentes, as pessoas mais vulneráveis, as pessoas mais fragilizadas, aqueles que não têm apoio familiar, que são sozinhas. Portanto, essa visão e essa missão que integra as obras da misericórdia, tanto os corporais como também as espirituais, tem vindo a ser cada vez mais concretizada.
Assim, tudo o que é feito no âmbito de melhorar a valência do lar, que agora chamamos de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas; para melhorar as Unidades de Cuidados Continuados e Centros de Dia para pessoas idosas. Tudo o que é feito em prol de melhorar esses serviços que visam ajudar pessoas idosas, na sua comunidade ou em cada instituição da Santa Casa Misericórdia, está sempre na linha deste grande objectivo – que é dignificar a pessoa idosa, dar-lhe as melhores condições possíveis para a sua integração familiar, social, comunitária e, no fundo, que reforce o seu papel numa sociedade que respeita na integra e sempre os nossos seniores.
Portanto, para estas instituições preocupação com os nossos seniores não está apenas no Dia do Internacional do Idoso, mas trata-se de um trabalho que é feito de todos os dias. Todos os dias há, de facto, preocupações que são concretizadas no sentido de melhorar as condições para poder corresponder às necessidades e também aos apoios merecidos e devidos.

Estamos a viver numa sociedade, na Região, em que há menos jovens e mais idosos. Isto implica outro tipo de exigências no apoio aos idosos…?
É sabido que as famílias, nomeadamente os filhos ou os familiares mais próximos das pessoas idosas, têm as suas vidas cada vez mais ocupadas. Normalmente todos os familiares trabalham e sente-se cada vez mais a circunstância da pessoa idosa poder ficar mais isolada, mais só, e com necessidade de cuidados e apoios na alimentação, na higiene pessoal, no vestir e no conforto da companhia… E é por estas realidades serem cada vez mais comuns que os poderes públicos têm vindo a incrementar com a sociedade civil organizada – com as próprias famílias e com as instituições de âmbito social – um conjunto de actividades e um conjunto de projectos de trabalho que têm como objectivo minimizar a falta de elementos de família onde estão integradas as pessoas idosas.
Por isso, quando me questionam relativamente aos jovens na sua relação com as pessoas idosas, torna-se cada vez mais importante sensibilizar os jovens para que participem de forma activa não só no apoio directo aos seus familiares – como os seus pais e avós –, mas que também participem de forma activa nas organizações da sociedade e, nomeadamente, nas instituições sociais, nas Misericórdias.

Nos Açores, quais são as principais dificuldades que a população idosa enfrenta. Como é que a União das Misericórdias tem lidado com estas questões?
Como se sabe, o aumento da esperança média de vida foi uma conquista para a humanidade e ela vem na sequência de melhores condições de estabilidade, de alimentação, de higiene, de saúde, dos cuidados de saúde, do apoio social. Mas, é um processo que não está determinado e que tem que estar sempre presente nas preocupações dos líderes políticos, da sociedade e da família, mas também das instituições sociais.
É evidente que o aumento da esperança média de vida por vezes não foi acompanhado de um aumento da qualidade de vida das pessoas idosas. Porque ficam com contextos de doença muito mais graves, doença que pode não ser aguda, mas é uma doença redutora, ou uma doença que não se resolve com os meios da ciência clínica, da ciência da vida, e por isso carece muito do acompanhamento dos cuidados de saúde, de serviços sociais e também das instituições sociais.
O esforço é contínuo, mas bem sabemos que poderão haver idosos na nossa comunidade que não estão a ter os cuidados e os apoios que são merecidos. Na sua grande maioria, todos os casos são identificados, diagnosticados, conhecidos pelas forças vivas do poder local, pela constituição Regional na área da ação social, pelas associações, pelas paróquias e também pelas instituições e pelas famílias. Mas, também podem existir casos de pessoas que não foram identificadas, casos em que as suas necessidades não foram identificadas e urge ir ao encontro das mesmas. Por vezes, também acontece que as próprias pessoas não desejam ter apoio, não querem a cooperação das entidades que têm de respeitar a sua própria vontade.
No entanto, sempre que a pessoa idosa esteja numa situação de negligência, vivendo numa situação de negação à própria dignidade que ela deve ter, nestes casos as entidades competentes têm que intervir e têm-no feito com determinação.
A realidade humana exige um trabalho contínuo mais exigente para corresponder às necessidades da população sénior, necessidades que não se resolvem num dia, mas que dependem de um trabalhão diário. É esta a missão também que as Misericórdias desenvolvem nos Açores.

Há a noção, pelas situações que nos são descritas que há muitos idosos ainda a viver em casa, cuidados pelas famílias, sem as mínimas condições a que ainda não chegou o programa “Novos Idosos’. A rede de solidariedade social não está a apanhar todos os idosos da Região?
Posso dizer com toda a franqueza que a rede de instituições que existem nos Açores têm uma densidade muito grande. Ou seja, esta rede está muito próxima das freguesias e das famílias; e tem valências e serviços orientados para apoiar as pessoas idosas – que por vezes não são idosas, mas ainda não têm os 65 anos, idade que está identificada pela ONU como pessoa idosa. Portanto, por vezes são pessoas com menos idade, mas já com patologias crónicas e dependências bastante acentuadas e com falta de apoio por parte da sua família ou da sua vizinhança. No entanto, as instituições estão despertas para isso e não só, estão apenas a aguardar que chegue essa informação. Não. As instituições são proactivas e estão no terreno.
A par de todos esses serviços, o apoio domiciliário é um serviço fundamental que vai ao encontro da pessoa, levando a alimentação, higiene pessoal e outros cuidados, inclusive a higiene do lar e tratamento de roupa. Depois, há o centro de dia e ainda os lares. A rede de cuidados continuados também já está vocacionada para pessoas idosas. Portanto, há todo este conjunto de serviços ao dispor das pessoas idosas e das suas famílias ou, em alguns casos em que lamentavelmente têm família, têm apenas vizihança que dá algum apoio.
A tudo isto, foi acrescido o programa Novos Idosos, que teve uma experiência piloto desenvolvida na Ilha Terceira sobre os hospícios do Lar Dom Pedro V; e depois em Ponta Delgada sobre os hospícios do Lar Luís de Soares de Sousa.
Entretanto, o programa tem vindo a alastrar-se para outros concelhos, e neste momento está a ser implementada a sua agência em todas as ilhas dos Açores, de Santa Maria ao Corvo. Com este leque tão alargado de serviços, que neste caso é o apoio ao idoso na sua própria casa com um cuidador que é financiado pelo PRR Açores – para prestar os cuidados necessários em articulação com as instituições sociais, é uma abrangência ainda maior do que aquela que existia. Por isso, há todas as condições para que todos os idosos dos Açores sejam apoiados nas suas necessidades e é esse o objectivo de todos os intervenientes, nomeadamente das Misericórdias.

Que percentagem de idosos está actualmente em lista de espera para lares de acolhimento nas ilhas açorianas? O que está a ser feito para reduzir os tempos de espera para vagas em lares e centros de dia?
Não tenho dados concretos para esta questão porque estamos a falar de números que vão mudando todos os meses. No entanto, posso dizer que, em especial nos concelhos com maior número de população, há, de facto, uma lista de espera de potenciais interessados para admissão na rede de lares. Mas, com o alargamento do programa Novos Idosos, muitas dessas pessoas estão a fazer a inscrição para integrar neste programa. O que não exclui a continuidade e a necessidade de controlar todos os outros serviços e equipamentos que estão ao dispor dos idosos.

Como avalia a evolução dos cuidados prestados aos idosos nos últimos anos nos Açores?
Avalio essa evolução pela positiva. Tenho noção de que é um trabalho muito exigente, porque é abrangente, e porque se relaciona directamente com a pessoa que está vulnerável, que carece de cuidados, mas que tem vindo a melhorar consideravelmente. E cada vez mais é preciso que esse cuidado não seja só alimentação e a higiene, serviços fundamentais e sem os quais não há dignidade. Aliás, vale sublinhar que há cerca de 10 anos atrás o serviço domiciliário não funcionava todos os dias, o que não acontece actualmente, e, portanto, isso mostra uma evolução gradual muito significativa. Não esquecendo que não é um trabalho acabado, que cada caso novo que envolva a necessidade de apoio à pessoa idosa, é mais uma etapa, é mais uma tarefa que não podemos deixar de cumprir, que é o centro de solidariedade com dignidade e com humanização.
E estamos num bom caminho, pois temos equipas técnicas cada vez mais bem formadas, que desenvolvem os seus trabalhos de cuidados de apoios incrementando um processo que nunca tem o seu fim, mas é antes um processo contínuo, uma continuidade para melhor.

A pandemia de COVID-19 teve um grande impacto nos lares de idosos. Que lições foram aprendidas e que mudanças permanentes foram implementadas?
Estou convencido de que até a própria comunidade científica – da área da medicina e das ciências da vida – jurava que a humanidade não ia sofrer uma outra pandemia, pois antes do Covid-19, a última pandemia aconteceu no início do século XX. E, portanto, foi uma realidade inesperada.
Foram anos muito difíceis aqueles que vivemos na pandemia. E a conclusão que estamos a tirar, de uma forma ainda muito embrionária, é que temos que estar sempre preparados para estes contextos. A sociedade é vulnerável a estas situações que podem surgir de um momento para o outro, como foi o caso da pandemia – perfeitamente inesperado.
No entanto, o resultado nos Açores foi francamente positivo. Conseguimos salvaguardar a grande maioria dos idosos que estavam institucionalizados; e foram pouquíssimos casos em que o Covid-19 retirou a vida, muitas vezes por razões exteriores às próprias instituições. E actualmente as instituições estão, de facto, muito mais sensibilizadas, alertadas e educadas; com comportamentos internos para salvaguardar os idosos em contextos dessa natureza, embora esperemos que estes não venham a acontecer.

Daniela Canha

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