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“Competir numa grande prova internacional com um cavalo crescido e criado nos Açores foi um sonho tornado realidade”, por Sofia Costa, cavaleira da Quinta da Manguinha

Mãe, enfermeira, cavaleira e treinadora. Para Sofia Costa, tempo disponível é algo que é raro. Foi a primeira cavaleira açoriana a disputar um Grande Prémio com um cavalo Lusitano nascido e criado cá na ilha, o Espanto, e ao Correio dos Açores explica as dificuldades do desporto equestre, que cuidados se devem ter com os cavalos, como foi cumprir um sonho e afirma: “cabe a nós, treinadores, levar os jovens pelo caminho que se sintam melhor”

Correio dos Açores – Como tem sido o seu percurso até chegar a ser treinadora na Quinta da Manguinha?
Sofia Costa – Comecei muito nova, com uma paixão por cavalos que já nasceu comigo. Não tinha ninguém na minha família que tinha cavalos, nem nada parecido.
Fui tendo lições aqui em São Miguel. As primeiras lições foram na Quinta da Terça, em 2004 ou 2005. Fui fazendo umas provas com os cavalos deles mas, ia crescendo o sentimento de querer competir cada vez mais, até que acabei por comprar o meu próprio cavalo.
Fui comprando e vendendo cavalos há medida que se iam adaptando ao nível de exigência, já que estava a subir degrau a degrau.
O meu investimento pessoal levou-me a ir ao continente e montar com diferentes cavaleiros como o Manuel Veiga e Ricardo Wallesntein. Temos também aulas cá com o Duarte Nogueira, que é quem nos acompanha. De três em três meses, geralmente, ele desloca-se até há Quinta da Manguinha para acompanhar o nosso desenvolvimento.
Fui sempre dedicando várias horas por dia aos cavalos e a esse desporto e fui subindo devagarinho até chegar à cavaleira que sou hoje. Isso deixa-me muito feliz, porque tenho as minhas alunas que estão cada vez melhores e tenho um leque de cavalos já ensinados e que competem num nível razoável.

Competiu na melhor competição equestre, o Grande Prémio. Consegue descrever qual foi a sensação que teve?
Foi fantástico, não tenho palavras para descrever. Era um sonho que tinha, e que achava que só o iria atingir daqui a muitos anos. Conseguir competir com um cavalo crescido e criado cá, ainda torna-o mais especial. É um cavalo em que não depositava grandes expectativas, fui sempre ensinando devagar e o Espanto também me foi ensinando algumas coisas. Quando demos por nós, estávamos a treinar os exercícios para o Grande Prémio em casa e de repente corríamos o risco de ir lá competir. Fui cada vez correndo melhor. O primeiro ano foi médio, aceitável, e o segundo ano em que participamos correu muito melhor.

Há a expectativa de melhorar mais?
Penso que já atingimos o nosso limite, como conjunto. Conseguimos fazer provas internacionais, fazer médias acima de 65%, que é bastante razoável. Inclusive, na prova de Freestyle conseguimos ter médias superiores a 70%, o que já é muito bom.
Chega a um nível em que já não há muito mais para conseguir.
Agora dei o cavalo a uma aluna minha, a Inês, que também é bastante dedicada à semelhança das restantes, mas como é a que está comigo há mais tempo, é aquela que tem outro nível de ensino e de capacidade para montar o Espanto.
Ela agora está a fazer o Grande Prémio com ele, no sentido em que eu já o ensinei, já tirei proveito dele, já tivemos a nossa prestação e quero que ela tome a experiência de chegar a um nível desses. É uma jovem cavaleira, e está a conseguir a ter o sabor de ter uma prestação de Grande Prémio.

Para quem não está tão familiarizado com a equitação, pode explicar como funciona uma prova?
As provas têm vários níveis, desde o mais fácil ao mais avançado. Umas têm 14 exercícios e outras já têm mais de 30 exercícios. Todos os exercícios têm de ser feitos nas letras propositadas do picadeiro. A arena tem as suas letras e temos de fazer os exercícios nesse espaço específico.
Os juízes dão notas de 0 a 10, sendo o 10 muito difícil de alcançar. Quando um exercício corre mal, a culpa geralmente é do cavaleiro. O cavalo responde ao que nós, cavaleiros, pedimos. E quando um exercício corre mal é porque fomos ou muito ríspidos, ou muito suaves. O cavalo pode não desempenhar o que estamos há espera num exercício mas recuperar noutro.
A nota é dada somando a pontuação e transformando-a em percentagem.

Pode descrever um dia com o Espanto?
Chegamos aqui, à Quinta da Manguinha, e limpamos o cavalo. Todos os cavalos têm de ter uma higiene diária. Depois o Espanto faz massagens, com uma manta de massagens que temos que é apropriada para cavalos. Depois faz umas caneleiras de LED’s e infravermelhos nos membros. Demoramos cerca de uma hora a preparar o cavalo.
Depois disto tudo, untamos os cascos e fazemos o tratamento dos cascos que é muito importante.
Após isto tudo emparelhamos o cavalo: montamos o selim, as protecções dos membros e entramos no picadeiro.
Ele demora sempre cerca de 22 minutos a aquecer, antes de começarmos a fazer os exercícios avançados. É montado diariamente durante 45 minutos.
Ele é liberto, no picadeiro, um dia por semana e outro dia ou dois das por semana ele faz trabalho no exterior como por exemplo um passeio ou trabalho no picadeiro, quando está mau tempo, de passo ou descontracção. Sempre sem exigência física.

A Sofia pensa que os cavalos são como os atletas profissionais. Quer desenvolver?
Os cavalos têm de ser construídos em termos físicos e psicológicos. Eles têm de ter motivação para trabalhar.
Os cavalos têm de ter capacidade física para ter um bom desempenho. Não podem estar muito cansados mas também não podem estar muito frescos, porque senão usam energia não para o que queremos, mas sim para não trabalharem.
Não podemos treinar todos os dias as mesmas coisas, nem estar todos os dias com o mesmo grau de exigência porque senão eles depois desmotivam. É como nós, se formos trabalhar e fazer a mesma coisa todos os dias sem nenhuma recompensa, acaba por nos desmotivar. É bom termos uma folga ou termos um dia mais calmo. E para eles é igual. Nos dias seguintes ao dia mais calmo, eles entram no picadeiro mais disponíveis. Não podem ser muito maçados, tal como nós, porque senão perdem desempenho físico e psicológico.

Já passou por algum momento mais triste com algum dos seus cavalos?
Infelizmente sim. Tive um cavalo, que veio da Alemanha mas comprei-o em Portugal, que teve uma lesão num anterior, numa mão por assim dizer. Ele teve de terminar a sua carreira. Era novinha na altura e só consegui fazer juniores com este cavalo. Como ele teve esta lesão, ele serviu para lazer e depois foi para a reforma.
Com que idade vai um cavalo para
a reforma?
Depende muito. Se tiverem alguma lesão, como aconteceu com o cavalo que lhe falei, vão antes do tempo. Há cavalos que têm uma saúde fantástica e conseguem manter uma performance desportiva até aos 17/18 anos. A partir desta idade, não faz sentido.
A partir desta idade servem para dar lições ou para lazer.
Na minha opinião, a capacidade desportiva dos cavalos vai só até 17/18 anos.

A equitação é um desporto caro?
Sim, é preciso investir algum dinheiro. Um pouco como todos os desportos. Este desporto não é por exemplo como o desporto motorizado, onde substituímos umas peças e fica feito. É preciso ferrar o cavalo todos os meses, é preciso assistência veterinária, mesmo que seja esporádica, é preciso vacinar e desparasitar o cavalo. Também é preciso material para montar o cavalo, uma vez que não é montado a pelo.
Os próprios cavaleiros precisam de material para se equiparem. Temos de estar confortáveis, uma vez que se não estivermos influencia a nossa performance.
É um desporto com muita manutenção. Comparando com outros desportos, a manutenção é bem maior na equitação.

Como consegue conciliar a vida profissional, com a pessoal e a equitação?
Sou enfermeira de profissão. Já não era fácil conciliar a profissão com a equitação. Ainda para mais depois de ser mãe. Mas quando temos força de vontade, arranjamos sempre um tempo para isso.
Vou gerindo o meu tempo consoante o tempo livre que vou tendo durante o dia. Venho aqui à Quinta da Manguinha e faço o trabalho que tenho para fazer com os cavalos. Não posso vir aqui e ficar descontraída. Tenho de ser um pouco mais despachada. Com força de vontade e empenho, arranjamos sempre um bocadinho durante o dia para virmos cá e fazermos o que gostamos.
Porque também me faz bem. É algo que me permite desanuviar.

O gosto pelos cavalos é algo que quer transmitir ao seu filho?
Gostava. Mas, como é lógico, não vou forçar. Vou tentar fazer com que ele goste, mas a última palavra será sempre dele.

Porque vemos cada vez menos jovens no desporto de competição?
Talvez tenha a ver com a parte monetária. Podem não ter disponibilidade para investir ou podem ter falta de gosto. Os jovens têm de ser orientados na vertente certa competitiva. Não podem competir com uma pressão com que não conseguem lidar. Há miúdos que apenas gostam de competir e não gostam da pressão para ganhar. E falo no desporto em geral e não apenas no desporto equestre.
Cabe a nós, treinadores, levar os jovens pelo caminho que se sintam melhor. Há jovens que não gostam de competir, ao contrário de mim. Sempre gostei de competir a sério. É preciso deixar os miúdos levar a competição até onde se sentem bem e se, de facto, quiserem, um dia, atingir a um nível muito alto, teremos então de os orientar para o rigor, logicamente. Também é preciso ter em atenção o tipo de personalidade dos jovens e o quão a sério levam este desporto.

Que tipo de apoios a Quinta da Manguinha recebe?
Quando vamos fazer provas ao continente, temos apoio da Associação Regional do Desporto Equestre. Tirando este apoio, como a Quinta da Manguinha é uma quinta privada, temos apoios privados.

Como decorreu o Verão em termos de aulas e participação em torneios da Quinta da Manguinha?
Correu bem. Tivemos os conjuntos aqui da Quinta da Manguinha que foram competindo. A Ema a nível elementar, a Ana Carolina no nível avançado, o Pedro, que é o professor principal aqui da Quinta, fez São Jorge, que é o small tour, eu fiz medium tour, que é a preparação para o Grande Prémio com o Invasor, cavalo irmão do Espanto e tivemos a Inês que começou a fazer Grande Prémio e vai abraçar o projecto de manter o nível Grande Prémio aqui na Quinta da Manguinha. Correu-lhe bem, apesar de algumas dificuldades uma vez que é a sua primeira participação e não é um nível fácil. O primeiro duo cavaleiro/cavalo que conseguiu fazer nível Grande Prémio cá fui eu com o Espanto. A Inês é apenas a segunda.
Todas as nossas cavaleiras foram introdu-zidas, este ano, no nível em que participaram. E claro, como é natural, foram prestações com altos e baixos. Para o ano, o objectivo é ter foco e trabalho para subir de nível e, no caso que se vão manter, melhorarem as notas em relação a este ano.

Foi a primeira cavaleira a competir no Grande Prémio e a Inês agora segue-lhe os passos. Porque é que tão poucos cavaleiros de cá chegam a este nível?
Para chegar a um nível deste é preciso termos bastante persistência. Também é preciso termos um treinador que nos conduza no caminho certo. Existem dezenas de treinadores bons, mas há aqueles que nos levam, ao cavaleiro e ao cavalo, no caminho certo. Tive esta sorte com o Duarte Nogueira, Ricardo Wallenstein e o Manuel Veiga, que também teve um papel importantíssimo nesta orientação. Tenho de realçar o Duarte Nogueira que é quem nos acompanha, efectivamente, de três em três meses.
Foi-nos orientando sempre sem pressões, sem pressa de lá chegar. E o Espanto, porque os cavalos têm de ter um conjunto de características que lhes permita chegar ao Grande Prémio, nomeadamente, ser nobres, têm de se entregar ao trabalho e aceitar a carga física que é gerida, têm de ter gosto a desempenhar os exercícios e não ser demasiado forçados. Por exemplo, o Espanto é um cavalo que gosta de competir e que gosta de entrar em pista. Ele, o Espanto tem um bom passo, um bom trote e um bom galope que ajuda, mas claro que não é decisivo.
Estes são os pontos essenciais, que quando são reunidos os cavalos conseguem lá chegar. Obviamente que temos de ter em conta a saúde do cavalo.
Também temos de ser persistentes. Não é fácil e não podemos desistir à primeira complicação. Também não podemos ter pressa, porque depois as coisas aparecem, começam a juntar-se e depois surge o resultado.

Tem alguma mensagem que queira deixar?
A mensagem que transmito sempre é para as pessoas acreditarem em si e lutem pelos seus sonhos. Nós não conseguimos nada sem trabalho árduo. Agarrem as suas metas e que não desistam à primeira dificuldade.

Frederico Figueiredo

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