“O trabalho deve ser muito centrado na prevenção, com mais programas e até disciplinas nas escolas na área da gestão emocional e promoção do bem-estar emocional, pois sem saúde mental, não há espaço para um crescimento saudável e harmonioso”, defende Patrícia Cymbron no Dia Mundial da Saúde Mental. Assegura que “estamos a caminhar para uma sociedade cada vez mais preocupada com o bem-estar emocional”
Correio dos Açores – Como tem sido o seu percurso profissional?
Patrícia Cymbron (Neuropsicóloga) – Após o meu percurso académico, e a minha especialização em Neuropsicologia Infantil, em 2000, trabalho como psicóloga clínica no Instituto de Apoio a Criança e desde 2003 faço consultas a crianças e jovens.
Em sua opinião, qual é a importância do Dia Mundial da Saúde Mental?
Considero que este é um dia importante pela consciencialização da necessidade de um olhar diferente sobre as problemáticas da Saúde Mental. No entanto, é muito importante que possam existir mais abordagens para esta consciencialização visto que nos dias de hoje não podemos olhar para a saúde mental de forma isolada, mas fazendo parte da estrutura do ser humano de forma integrada com a saúde física, pois sem equilíbrio físico e emocional, não podemos falar de saúde.
Ainda há o tabu de ir ao psicólogo. Como explica esta situação?
Cada vez mais existe uma procura de orientação profissional e de respostas para situações do foro da saúde mental. Ainda existe o preconceito de que ir ao psicólogo está associado a uma situação de doença mental ou desequilíbrio, mas estamos a caminhar para uma sociedade cada vez mais preocupada com o bem-estar emocional e, como tal, a intervenção psicológica surge como uma resposta adequada e hoje fazer terapia tornou-se um complemento necessário para a procura do equilíbrio emocional.
Há muitos açorianos que levam os seus filhos ao psicólogo?
A procura de ajuda sempre existiu, embora nos dias de hoje existem também serviços de primeira linha a encaminhar os pais nesta procura, levando a que, cada vez mais, a ajuda surja numa fase mais inicial do problema, o que permite que os resultados da intervenção possam ser mais rápidos e eficazes.
Depois da pandemia, começou a dar-se mais importância à saúde mental. Em sua opinião, porquê só depois da pandemia?
Com a pandemia houve um olhar constante sobre a doença, o que em muitas pessoas activou o medo não só de morrer, mas do desconhecido, levando a um aumento de sintomas ansiosos e de desregulação emocional. O isolamento social também activou a introspecção, levando a uma activação do pensamento, a questões sem resposta e uma necessidade de gestão emocional a que muitas pessoas não estavam preparadas.
Cada vez mais vemos casos de bullying e outro tipo de acções com crianças nas escolas. Que importância têm os psicólogos na resolução destes casos?
Nestas situações os psicólogos são essenciais para trabalharem não só como mediadores e gestores dos conflitos, mas também deverão ter um papel mais interventivo, dando ferramentas de auto-regulação emocional, permitindo às crianças terem mais capacidade de defesa e de gestão do seu bem-estar emocional. Considero também que nos dias de hoje é essencial as escolas serem dotadas de mais psicólogos clínicos.
Que importância tem, para o bom desenvolvimento de uma criança, esta ser acompanhada por um profissional de saúde mental?
A terapia é importante em qualquer idade. No entanto, em ciclos de desenvolvimento mais prematuros, vai permitir à criança ter um conhecimento sobre si mesmo e sobre a sua forma de funcionar perante os desafios, dotando-a de ferramentas que irão ser essenciais para a sua estrutura emocional levando a um maior nível de equilíbrio e bem-estar.
Em sua opinião, porque há um crescimento de crianças que se refugiam no mundo virtual para desenvolver relações de amizade?
Hoje, os desafios sociais são, sem dúvida, maiores e o acesso à informação e a própria partilha de informação pessoal nas redes sociais leva a uma maior exposição. Algumas crianças e até jovens não têm ainda uma estrutura sólida para lidar com a pressão social, levando a um desequilíbrio emocional, a uma perda de auto-controlo e de confiança. A falta de confiança leva a uma interação social centrada na procura de reforço emocional, levando a um ciclo disfuncional com efeitos por vezes graves. Num mundo virtual, existe uma falsa confiança, uma certa distorção do real, o que promove a ideia de aceitação social.
Como se pode promover mais a importância da saúde mental?
Embora já exista uma maior preocupação com a saúde mental, ainda há muito trabalho a fazer no sentido da consciencialização da necessidade da promoção do bem-estar emocional.
O trabalho deve ser muito centrado na prevenção, com mais programas e até disciplinas nas escolas na área da gestão emocional e promoção do bem-estar emocional, pois sem saúde mental, não há espaço para um crescimento saudável e harmonioso.
Quer deixar alguma mensagem no âmbito do dia da saúde mental?
Hoje fala-se de ansiedade; de gestão do stress; de emoções; de forma constante. Os novos dias são intensos, cheios, como se tivéssemos sempre alguém a correr atrás de nós. Prometem-nos soluções rápidas e eficazes, a um preço alto demais. Procuramos as respostas em todo o lado mas, na maioria das vezes, não as encontramos. Então passamos a vida a questionar e a não escutar aquilo que a nossa mente está a tentar comunicar. Só temos que abrandar, prestar atenção e a aprender a captar o óbvio.Tal como o nosso corpo projeta sinais e sintomas de qualquer mal-estar, o nosso cérebro também o faz, mas na maioria das vezes, em vez de olharmos para dentro, procuramos as respostas à nossa volta e a nossa mente continua a deriva a pedir respostas.
Tal como damos importância à nossa saúde física, devemos olhar para as nossas necessidades emocionais como uma prioridade, dando-lhes atenção merecida, pois sem este equilíbrio perdemos a nossa funcionalidade e a nossa força. Essa força deve ser, inicialmente, procurada dentro dos nossos recursos emocionais, mas quando sentirmos que sozinhos não estamos a conseguir, devemos pedir orientação para sermos capazes de fazer escolhas adequadas e promotoras do nosso bem-estar.
Frederico Figueiredo
