O momento atual não é positivo para as hostes socialistas. O PS perdeu o poder nos três governos do país, tornou-se profundamente burguês, demasiado habituado às facilidades que o poder permite, completamente permeável a interesses que não o interesse nacional. Esta situação agravou-se muito com José Sócrates e a inexistência de um debate profundo sobre as causas deste plano gelatinoso. A realidade, muito criticada por socialistas como Ana Gomes, é que aqueles que estiveram com o homem que levou o país ao terceiro resgate, foram posteriormente resgatados por António Costa, após o assalto ao poder quando a liderança cabia a António José Seguro. Ainda me recordo a forma como foi destratado o homem que decidiu, com o secretariado da altura, promover a abstenção violenta do orçamento do executivo de Pedro Passos Coelho, também porque tinha a noção clara de que aquela situação era, em larga medida, da responsabilidade do partido que liderava.
Sim, a honestidade intelectual de homens como António José Seguro não lhe permitia fazer de conta que rei morto, rei posto. Que perante um governo que assumiu as rédeas do país após a bancarrota anunciada, a única opção patriótica seria permitir a quem teve de executar o programa negociado pelo engenheiro, governar com o mínimo de turbulência exterior à relação já ela tortuosa, com os credores externos. Passados estes anos, e vistos os acontecimentos mais recentes, e o conhecimento empírico que, entretanto, se acumulou, não custará muito concluir que temos vivido tempo perdido. Passaram dez anos desde que António Costa tomou posse com a promessa de reversões e um mundo novo luminoso a ser anunciado pelos seus parceiros que subscreveram as posições conjuntas. Um político tido como centrista, que ascendeu ao poder negociando mais à esquerda do espectro político nacional, navegando entre o que não quis fazer e o que não o deixaram fazer, enquanto o país era inundado de dinheiros comunitários para promover o crescimento e a transformação do tecido económico.
Uma aposta na transformação digital e na criação de valor acrescentado que não sobrevive à proliferação de pequenas empresas que mal conseguem pagar as contribuições à AT e à Segurança Social, quanto mais promoverem valorizações salariais dignas desse nome para os trabalhadores que as aguentam. E chegados aqui, mantemos esta costela anarco-revolucionária de que o capital tudo come, quando apenas através do capital podemos ambicionar chegar a patamares de conforto e qualidade de vida dos irlandeses, os ingleses, os suíços, os belgas ou os alemães, com as suas diabólicas multinacionais.
É entre esta dicotomia que os socialistas se encontram, o que é ainda mais notório com a liderança de Pedro Nuno Santos. É muito difícil mudarmos de lugar se não mudamos de pensamento, e o atual líder socialista, e o partido por esta via, encontram-se nesta encruzilhada sobre o que gostariam de fazer e aquilo que devem fazer não apenas para a sua sobrevivência, mas para se manterem úteis perante os olhos dos portugueses. Depois da aventura das posições conjuntas, após as hipotéticas tentativas de governar com os bloquistas num futuro próximo, quando se esperava que a curto prazo Pedro Nuno Santos virasse à esquerda e entregasse o poder novamente aos socialistas, a atual demora em assumir uma posição sobre o orçamento de Estado, é só mais um sintoma do caminho estreito, do beco no qual o partido que governou o país na maior parte do tempo dos últimos vinte e cinco anos, se encontra. A saída não será fácil, e o tempo não corre a favor desta liderança. As vozes contrárias à posição do líder fazem-se ouvir dentro e fora do partido. Nos parlamentos nacional e regionais e nos próprios órgãos representantes dos autarcas. E as eleições municipais estão à porta, quando muitos atuais autarcas não se poderão recandidatar a novo mandato, e a única opção é serem substituídos. Numa fase em que não há poder do governo para distribuir por quem deixa as autarquias locais. Mais descontentes irão aparecer, e mais dificuldades em gerir expectativas, ambições e erros que ainda aparecerão. No centro desta estratégia estará Pedro Nuno, com menos aliados e mais dúvidas sobre a sua capacidade. Os tempos estão difíceis.
Fernando Marta