Os estudos marítimos constituem uma nova área interdisciplinar das ciências sociais e naturais, que tem como objetivo gerir os desafios decorrentes da relação Homem-mar, nos domínios do desenvolvimento e da segurança. Por capacitarem os profissionais do setor com as ferramentas teóricas e práticas para pensarem como Homens de ação e a agirem como Homens de pensamento, tornam-se a chave para Portugal desbloquear o potencial do Atlântico.
Com o país na iminência de ser confrontado com oportunidades e ameaças extraordinárias no oceano, resultantes da extensão da plataforma continental, é imperativo criar especialistas com o conhecimento (saber), a metodologia (saber fazer), o discernimento (saber analisar) e a postura (saber fazer acontecer) proporcionados pelos estudos marítimos. No entanto, nenhuma universidade portuguesa, até ao momento, disponibiliza formação que integre estas quatro competências essenciais para enfrentar os desafios marítimos com eficácia.
Esta circunstância paradoxal, num país com uma história marítima tão rica e com interesses estratégicos no oceano, motivou a redação deste artigo. Nele, identificamos o método de investigação e resumimos o modelo de organização de um curso de estudos marítimos, destinado a habilitar os profissionais do setor com as competências necessárias para maximizar o uso sustentável e seguro do vasto património de Portugal no mar.
Do ponto de vista científico, os estudos marítimos têm um objeto bem delineado, que pode ser investigado através de um método que explica a essência, a causalidade e os efeitos da relação Homem-mar, nos domínios do desenvolvimento e da segurança. Para isso, utiliza a perspetiva sistémica e a técnica de articulação transdisciplinar, constantemente aperfeiçoadas pela atividade intelectual e pelo diálogo entre diferentes áreas do conhecimento.
Esta abordagem metodológica permite uma análise mais profunda e complexa ao mar, onde o contributo de diversas disciplinas científicas gera novos dados e pontos de vista, oferecendo um entendimento holístico e integrado da realidade marítima.
A perspetiva sistémica estrutura a análise da relação Homem-mar, garantindo um pensamento organizado e coerente sobre as complexidades envolvidas. Para isso, abarca um amplo leque de disciplinas científicas (Fig. 1), que consideram a interdependência dos fenómenos naturais e das atividades humanas, fornecem a compreensão global e local dos desafios marítimos, facilitam a prevenção de conflitos, e usam a tecnologia para promover a resolução de problemas.
A técnica da articulação transdisciplinar, ao promover a integração de várias disciplinas das ciências sociais e naturais, sem diluir as suas individualidades, contribui para encontrar as melhores fórmulas para gerir os desafios resultantes da relação Homem-mar. Neste contexto, aborda as suas múltiplas dimensões, promove a interligação entre sistemas sociais e naturais, estimula a criação de soluções inovadoras para os desafios resultantes daquela relação, antecipa e mitiga os riscos globais, e fomenta a gestão sustentável dos recursos marinhos.
A utilidade prática do método de investigação dos estudos marítimos reflete-se em dois planos essenciais. Em âmbito académico, promove o estudo rigoroso do mar, fomenta debates construtivos, e aprofunda a compreensão dos assuntos marítimos. Na área da governação, é fundamental para elaborar modalidades de ação eficazes e eficientes, e para incentivara participação qualificada nas atividades de organizações nacionais e internacionais ligadas ao mar.
Para implementar os estudos marítimos numa instituição de ensino superior em Portugal, é recomendável o uso de um modelo de organização estruturado com uma fase analítica e uma fase criativa.
Na fase analítica, os desafios decorrentes da relação Homem-marsão caracterizados, inicialmente, com recurso a várias disciplinas das ciências sociais: direito marítimo e do mar; política e governança marítima; economia azul; história marítima; segurança marítima; geopolítica dos oceanos; sociologia e antropologia marítima.
De seguida, a qualificação daqueles desafios é aprofundada com recurso a diversas disciplinas das ciências naturais: climatologia marítima; geologia marinha; tecnologia marítima; sustentabilidade e conservação dos recursos marinhos; ecologia marinha; oceanografia.
A fase criativa do modelo de organização dos estudos marítimos visa a conceção e operacionalização de modalidades de ação adequadas, exequíveis e aceitáveis para gerir os desafios decorrentes da relação Homem-mar. Para isso, recorre à geografia, à ciência política e à estratégia, e apela ao engenho inovador e à intervenção ativa dos profissionais do setor marítimo (Fig. 2).
A geografia, ao proporcionar uma compreensão profunda dos mares, costas e rotas marítimas, bem como dos fatores climáticos e oceanográficos que afetam a navegação, o comércio e a segurança, permite hierarquizar os desafios em função dos imperativos da posição de cada país.
A ciência política, ao oferecer uma análise das relações internacionais, dos tratados marítimos, das disputas de soberania e da função das instituições globais na governança dos oceanos, faculta o entendimento da dinâmica das relações de poder entre os países, onde se revelam os desafios.
A estratégia, ao ensinara planear e executar ações eficazes e eficientes, possibilita a exploração da força própria, no âmbito de cada modalidade de ação concebida e implementada para gerir os desafios que se manifestam nas relações de poder.
A combinação das três disciplinas da fase criativa do modelo de elaboração dos estudos marítimos, contribui para que os profissionais do setor inovem e se adaptem, com imaginação, às circunstâncias globais e aos desafios resultantes da relação Homem-mar, nos domínios do desenvolvimento e da segurança. Para além disso, garante que os recursos, as capacidades e as competências de cada país
são bem utilizados no mar, para aproveitar as oportunidades que se oferecem e superar as ameaças que se antepõem.
Em síntese, é o equilíbrio e a harmonia entre as disciplinas científicas que integram as fases analítica e criativa do modelo de organização dos estudos marítimos, que possibilita a formação de especialistas com as quatro competências essenciais para, ao pensarem como Homens de ação e a agirem como Homens de pensamento, ficarem aptos a desbloquear o potencial do Atlântico.
António Silva Ribeiro